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    TRF-4 afasta o novo juiz da Lava Jato de suas funções; veja relatório da decisão

    Suspeita é de que ele teria ameaçado o filho de um desembargador federal por meio de um número bloqueado

    Caio Junqueirada CNN , São Paulo

    O Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4) determinou, na noite desta segunda-feira (22), o afastamento do juiz Eduardo Appio da 13ª Vara Federal em Curitiba. Ele era responsável pela Operação Lava Jato no estado do Paraná.

    A suspeita é de que ele teria ameaçado o filho do desembargador federal Marcelo Malucelli por meio de um número bloqueado. Na ligação, ele teria se identificado como um funcionário da Justiça Federal se referindo a dados sigilosos referentes a imposto de renda e despesas médicas.

    O magistrado era titular da 13ª Vara Federal em Curitiba desde o dia 8 de fevereiro deste ano. A decisão de afastamento não é definitiva. Appio terá 15 dias, a partir do momento em que for notificado, para apresentar sua defesa.

    O relatório da decisão, obtido pela CNN, diz que, em tese, o juiz pode ter cometido as seguintes infrações:

    “(a) consultar dados de sistema restrito a que tem acesso (consulta de dados de advogados no eproc) para intimar, constranger ou ameaçar desembargador federal, fazendo uso de acesso privilegiado aos sistemas da Justiça Federal da 4ª Região para fins alheios aos interesses estritamente institucionais, na atividade-fim, que lhe é atribuída;

    (b) efetuar ligação por meio de telefone sem identificador de chamada, não se identificando corretamente;

    (c) passar-se por terceira pessoa (servidor da área de saúde do TRF4, pessoa que não existe);

    (d) realizar ligação para filho de desembargador federal que figurou como relator em correições parciais que o magistrado sofreu, logo após ter sido comunicado das decisões desfavoráveis proferidas pela turma julgadora do TRF4 e, nesse contexto, tecer afirmações relacionadas a supostas consulta à base de dados da Receita Federal em nome do desembargador-relator, com menção a valores a devolver e a despesas médicas, como se detivesse informações de cunho relevante, capazes de causar algum tipo de intimidação, constrangimento ou ameaça ao desembargador-relator, ou a seu filho”.

    O documento detalha o passo a passo da investigação. Diz que “o desembargador federal Marcelo Malucelli noticiou que em 13/04/2023 seu filho, João Eduardo Barreto Malucelli, havia recebido ligação telefônica que entendia capaz de “evidenciar ameaças” a ele direcionadas” e que “também encaminhou documentos relacionados à ligação telefônica, inclusive gravação desta e atas notariais a certificar o contexto dos fatos”.

    “Naquele momento, a ligação telefônica pareceu suspeita, uma vez que:

    (a) realizada com número bloqueado (sem identificação do ID do chamador);

    (b) o interlocutor utilizou-se do nome de “Fernando Gonçalves Pinheiro” e identificou-se como servidor da área de saúde da Justiça Federal, o que posteriormente se verificou não ser verdadeiro, porque não existe servidor com esse nome na Justiça Federal da 4ª Região;

    (c) o interlocutor justificou estar utilizando o sistema Skype para economizar valores da Justiça Federal na ligação, quando não há essa política em âmbito institucional;

    (d) o interlocutor mencionou ter consultado bases de dados do imposto de renda do desembargador federal e se dirigiu diretamente ao filho desse desembargador, fazendo também menção a informações que não eram corretas e se contradizem (dizendo que o número do celular pertenceria ao desembargador e, depois, ao seu filho);

    e (e) a ligação foi abruptamente encerrada pelo interlocutor, sem que houvesse alguma justificativa para que a ligação tivesse sido feita ou fosse daquela forma encerrada”, diz o relatório.

    O relatório afirma que “pôde-se perceber existir muita semelhança entre a voz do interlocutor da ligação telefônica suspeita e a do juiz federal Eduardo Fernando Appio, tendo então a Presidência do TRF4 e a Corregedoria Regional noticiado esses fatos à Polícia Federal e solicitado realização de perícia para comparação do interlocutor da ligação suspeita com aquele magistrado federal”.

    Segundo a defesa, o juiz Eduardo Appio da 13ª Vara Federal em Curitiba não vai se pronunciar.

    O TRF-4 tem sede em Porto Alegre e jurisdição nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, com Turmas Regionais descentralizadas em Florianópolis e Curitiba.

    A seguir, a íntegra da conversa telefônica que consta no relatório:

    Voz 1: Fernando Gonçalves Pinheiro, o senhor pode pode ligar novamente pra cá, não não há problema nenhum, eu só preciso
    eh… que o senhor passe eh… o telefone ou passe o contato pro pro doutor Marcelo Malucelli em relação aos extratos aqui do
    imposto de renda referente aos filhos, é uma coisa do passado, é um resíduo do passado, que ele tem um crédito que pode
    abater no imposto de renda, pode computar em favor.
    Voz 2: ‘Hum’ entendi, mas olha me me desculp…
    Voz 1: (Incompreensível)
    Voz 2: Me desculpe, o senhor tá ligando sem ID do chamador, eu ‘num’ ‘num’ não faço ideia quem quem seja.
    Voz 1: ‘Ah’ mas o s… o senhor, tudo bem. Mas consta o senhor aqui como sendo um dos filhos e consta aqui o seu número.
    Então nós estamos ligando pra isso.
    Voz 2: ‘Hum’ mas assim, eu não eh… essa história tá bem estranha, viu? Me desculpe, com todo respeito, mas eh… se o Marcelo…
    Voz 1: Como é que eu teria o seu telefone aqui eh… é uma questão só de imposto de renda. Ah se o senhor quiser eu ligo
    diretamente pro seu pai, não tem problema ligo (incompreensível)…
    Voz 2: (Incompreensível)
    Voz 1: Não há problema nenhum.
    Voz 2: Então, então acho melhor o senhor fazer isso, né?
    Voz 1: Então eu faço isso, ligo diretamente pro seu pai e faço isso, eu só não queria incomodar, que aqui consta o seu número,
    seu nome, seu CPF e e a questão de resíduos do passado de despesas médicas, a ideia era não incomodar. Mas se o senhor
    prefere assim, liga… nós ‘tamo’ só utilizando aqui um sistema aqui via Skype pra economizar valores da Justiça Federal.Não
    não há não há… se não aparece é só por isso. Mas eu ligo pra ele diretamente, não há problema nenhum.
    Voz 2: É, sim, é que o senhor ligou e falou…
    Voz 1: (Incompreensível)
    Voz 2: O senhor ligou e falou, eu gostaria de falar com o Marcelo Malucelli, agora o senhor tá falando que aparece aí que eu
    sou filho. Então assim, fica fica meio ambíguo, né? Até ah…
    Voz 1: É ah… o contato que eu tenho do do do doutor Marcelo Malucelli deve ser um contato antigo, aparece o seu telefone,
    então por isso que eu li… nós estamos ligando…
    Voz 2: Não, esse número nunca foi do Marcelo Malucelli, senhor, me me perdoa. E também, assim, eh… eu eu faz muito tempo já
    que eu não também não não tenho qualquer tipo de cooperação de convênio junto a justiça federal por conta eh… de dependência
    de servidor. Eu já sou maior de idade faz tempo e ‘num’ não tenho convênio algum.
    Voz 1: Não, sim, sim, mas aqui… sim, sim, isso aqui é uma data antiga, eh… o senhor tem vinte e oito anos de idade, isso aqui
    deve ter feito de coisa de mais de dez anos atrás, com certeza, dez, quinze anos atrás. Pelo menos aqui as datas que se refere aqui,
    dois mil um, dois mil e dois, isso é coisa antiga.
    Voz 2: Ah, então tá bom. Então o senhor entra em contato com ele, beleza?
    Voz 1: Mas se o senhor prefere eu ligo pro seu pai diretamente, eu só não gostaria de incomodá-lo, só isso.
    Voz 2: Tá bom, claro. Pode ligar então. Faça o que o que for melhor.
    Voz 1: Então eu ligarei, digo que eu falei com o senhor, digo que falei com o senhor e que o senhor me autorizou a ligar pra ele,
    incomodá-lo no próprio tribunal.
    Voz 2: Ah pode pode falar. Incomodá-lo!Qual é o nome do senhor mesmo? Fernando Pinheiro Gonçalves, né?
    Voz 1:Isso.
    Voz 2: Ah, tá.
    Voz 1: Pode pode chamar aqui no setor de saúde que nós estamos aqui.
    Voz 2: Setor de saúde.
    Voz 1: (Incompreensível)
    Voz 2: Setor de saúde, Fernando Pinheiro Gonçalves. Tem certeza que esse é o nome do senhor?
    Voz 1: Tenho certeza absoluta
    Voz 2: Então tá bom.
    Voz 1: E o senhor tem certeza que que não não tem aprontado nada?
    Voz 2: Ah agora tá, tá certinho. Aprontado?
    Voz 3: Meu Deus! Li…”

    *Texto com colaboração de Elis Franco e publicado por Pedro Jordão

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