Precisamos de uma segunda abolição
“Liberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós. E que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz”
O trecho do samba enredo da escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense de 1989 nunca esteve tão contemporâneo e poderia ser muito bem um grito de alguma marcha do movimento Vidas Negras Importam. Isso porque a tão sonhada liberdade e igualdade ainda não são sinônimos de vidas negras.
Há 135 anos, em 13 de maio de 1888, o Brasil abolia um dos maiores crimes da humanidade: a escravidão negra. Depois de mais de três séculos escravizando e lucrando com o trabalho escravo, o Brasil tinha a sua Lei Aurea assinada, pela então princesa Isabel, numa tentativa de acabar “oficialmente” com a escravidão no que foi considerado o maior território escravagista do Ocidente.
Um adendo importante aqui: as terras brasileiras foram destino de mais de 4 milhões de escravizados africanos e foi o último país das Américas a abolir a escravidão.
Sem desmerecer o que foi assinado e nem o que diz a lei mas, cá entre nós, qual foi a política pensada de inclusão para a população negra no pós-abolição? Quase nenhuma. E quais foram as políticas de exclusão que tivemos no mesmo período? Algumas várias.
Sim, a lei libertou os escravizados mas não contemplou o futuro deles. “Vocês estão livres!” mas sem casa para morar, sem trabalho remunerado, proibidos por lei a frequentarem as escolas ou ter um pedaço de terra para morar e nada de exercer práticas religiosas. Ah, e se forem pegos sem carteira de trabalho na mão, é cana pela vadiagem. Liberdade?! É verdade esse bilhete?!.
Se pensarmos bem, não estavam errados os grandes abolicionistas do século 19, como Luiz Gama, quando diziam que “o Brasil precisa de uma segunda abolição”. Pensamento que muitos historiadores contemporâneos concordam. Uma segunda abolição que, 135 anos depois da assinatura da Lei Aurea, ainda não veio plenamente.
A população negra ainda luta para ter alguns direitos garantidos e conseguir reduzir algumas desigualdades, que estruturam o racismo da nossa sociedade. Enquanto os negros continuarem na base da pirâmide social, forem as principais vítimas da violência cotidiana, seguirem sendo encarcerados em massa, tiverem dificuldade de acesso ao mercado de trabalho… segue difícil sentirmos livremente livres.
Daí, não temos o que celebrar nesse dia 13 de maio. Não por acaso, a data foi ressignificada e virou o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. Até por que precisamos seguir atentos e vigilantes a isso porque enquanto “elevador for quase um templo” e o quartinho da empregada existir fica difícil gritar “Liberdade, Liberdade!”