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    Alta de juros afeta mais homens negros e menos as mulheres, mostra estudo

    Pesquisa feita por economistas da USP verificou que, quando a taxa Selic sobe, aumento no desemprego é diferente entre gêneros e raças e tem efeitos sobre a desigualdade

    Construção em Brasília: setor, um dos que mais sofre com alta de juros, é também um dos que mais empregam homens negros
    Construção em Brasília: setor, um dos que mais sofre com alta de juros, é também um dos que mais empregam homens negros Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil (28/07/2022)

    Juliana Eliasda CNN

    em São Paulo

    Os aumentos na taxa básica de juros do país não têm efeito igual para todos.

    Um estudo feito por economistas da Universidade de São Paulo (USP) verificou que, para cada aumento de 1 ponto na Selic, a taxa de juros de referência do país, o desemprego sobe mais entre os homens negros do que para os demais.

    Já as mulheres, sejam negras ou, principalmente, brancas, são as que menos perdem seus empregos conforme os juros sobem.

    “Nosso objetivo principal era entender se a política monetária tem efeitos desiguais sobre a sociedade, e a conclusão é que, sim, tem”, diz Clara Brenck, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da faculdade de economia da USP (FEA/USP) e uma das autoras da pesquisa.

    “E o que os dados mostram é que os homens negros são o grupo mais negativamente afetado com um aumento nos juros”, afirma.

     

    A pesquisa verificou a evolução da Selic e da taxa de desemprego de 2012 até 2021, calculando, na média, em quanto cada aumento de 1 ponto nos juros fez subir o nível de desemprego para cada gênero e cada raça.

    Depois, compara os níveis de desemprego de cada grupo – homens negros, mulheres negras e mulheres brancas –, antes e depois de um aumento nos juros, com o nível de desemprego dos homens brancos, grupo usado como referência.

    A razão entre um e outro é o que indica o quanto a taxa de desemprego de um dos grupos é maior ou menor do que a dos homens brancos.

    “Os homens brancos são o grupo mais privilegiado no mercado de trabalho, então dizer que aumentou a desigualdade é também dizer que aumentou a diferença dos outros em relação a eles”, explica Clara.

    Maior aumento entre os negros

    No caso da comparação entre os homens negros e brancos, por exemplo, essa razão entre as taxas de desemprego aumenta em 1,22 ponto para cada aumento de 1 ponto na taxa Selic.

    Ou seja: o desemprego entre os negros cresceu mais que entre os brancos, e, portanto, a distância entre um e outro ficou maior depois que os juros subiram.

    • Um exemplo hipotético: se a taxa de desemprego dos homens negros, em um determinado momento, fosse 10%, e dos homens brancos, 5%, a razão entre elas seria 2 (10/5 = 2).
      Se, após um aumento de juros, o desemprego entre os negros sobe para 16% e, dos brancos, fica em 5%, essa razão sobe para 3,2 (16/5 = 3,2).
      O aumento da razão foi de 1,2 ponto (3,2 – 2). A distância entre o nível de emprego de cada grupo aumentou, e é esse aumento que o estudo mede.

    “Verificamos que, se a Selic sobe 1 ponto percentual, o desemprego dos homens brancos aumenta em 0,1 ponto, enquanto, para os homens negros, aumenta 0,32”, conta a pesquisadora.

    Historicamente, os dados oficiais de mercado de trabalho do Brasil mostram que os homens brancos são o grupo com os maiores níveis de escolaridade, os maiores salários e, no geral, também menores taxas de desemprego.

    Para mulheres, diferença caiu

    Quando a mesma comparação foi feita entre mulheres negras e homens brancos, o resultado foi de –1,03, ou seja, a diferença entre as taxas de desemprego dos dois ficou menor.

    Na comparação com as mulheres brancas, a queda verificada e, portanto, o encurtamento da distância em relação à empregabilidade dos homens brancos, foi ainda maior, de –1,46.

    Isso indica que, após um aumento de juros, o desemprego sobe menos para o grupo feminino que para o masculino, e a desigualdade entre eles cai um pouco.

    Os resultados sugerem que, no geral, os aumentos de juros têm maior impacto para os homens, e menor para as mulheres, no que diz respeito seus efeitos para o emprego.

    A calibração da Selic, a taxa que serve de piso para todos os outros juros do país, é feita pelo Banco Central e é o principal recurso que o país tem para controlar a inflação.

    Quando os preços estão altos, o BC sobe os juros, o que encarece o crédito, desestimula as empresas a investir e, aos poucos, esfria o consumo, o mercado de trabalho e o crescimento econômico, ajudando, por fim, os preços a baixarem.

    Quando, por outro lado, os preços caem, o BC pode cortar os juros para voltar a estimular a economia.

    Mais homens na construção

    Entre as hipóteses aventadas pelas pesquisadoras da USP para a diferença nos efeitos dos juros entre homens e mulheres, está o fato de que há um número muito maior de homens trabalhando em setores como construção e indústria, bastante ligados ao crédito.

    Já entre as mulheres, são áreas como a de educação, de saúde e, no caso das negras, o trabalho doméstico as que mais empregam.

    “A construção é, provavelmente, o setor mais afetado por um aumento de juros”, diz Clara, “enquanto as mulheres estão mais empregadas em serviços que, em geral, não sofrem um impacto tão direto.”

    Em 2019, de acordo com números levantados pela pesquisa nas bases de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os setores que mais empregavam cada grupo eram:

    Homens negros:

    • Comércio -18%
    • Construção – 17,8%
    • Agricultura – 14,5%

    Homens brancos

    • Transporte e comércio – 27,8%
    • Indústria – 16,2%
    • Construção – 9,8%

    Mulheres negras

    • Saúde e educação – 18,5%
    • Trabalho doméstico – 17,5%

    Mulheres brancas

    • Outros serviços (inclui comunicação, serviços financeiros, atividades administrativas e administração pública) – 23%
    • Saúde e educação – 22,5%

    Para chegar aos resultados, o levantamento “limpou” os efeitos das diferenças nos níveis de escolaridade que existem entre os gêneros e as raças, fazendo comparações diretas apenas entre trabalhadores com os mesmos graus de instrução, e também das diferenças populacionais entre os estados, que podem ter menos ou mais negros e mulheres.

    Além de Clara, também assina o estudo a economista e pesquisadora Patrícia Machado Couto.