Sucesso do aumento do etanol na gasolina depende dos preços internacionais do açúcar, dizem especialistas
Entidade representativa das principais unidades produtoras no país alega que não existe risco de falta do insumo para elevar a 30% percentual na gasolina comum
Dentro de um pacote do governo federal de medidas que visam a transição energética, o Ministério de Minas e Energia pretende aumentar ainda neste ano a mistura do etanol na gasolina.
Antes disso, será necessário oficializar a criação de um grupo de trabalho para estudar o aumento dessa adição, o que deverá ocorrer na próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em data a ser definida.
Especialistas estimam, no entanto, que o sucesso da proposta a longo prazo depende da oscilação internacional dos valores do açúcar. Entre as vantagens, conforme especialistas, estão o potencial para a diminuição das emissões de gases do efeito estufa e mais estímulo para o setor sucroalcooleiro. As usinas, em geral, podem produzir etanol ou açúcar.
Neste ponto, o economista Tiaraju de Freitas, especializado no setor de combustíveis e professor da Universidade Federal do Rio Grande, destaca que o valor do açúcar como commodity precisa ser levado em consideração.
“A produção regular do etanol depende do valor internacional do açúcar. Conforme a cotação, pode haver estímulos no mercado internacional e as usinas poderão optar por produzir mais açúcar para exportação, isso já aconteceu algumas vezes. O cenário atual é positivo a não ter este problema porque o preço internacional do insumo tem mantido tendência de queda no mercado internacional, com expectativa de manutenção do etanol mais vantajoso em relação à gasolina”, destaca.
Na safra 2022/2023 foram produzidos 31,2 bilhões de litros de etanol no Brasil, sendo 28,9 bilhões de litros na região Centro-Sul. Desse total, 4,43 bilhões de litros foram produzidos a partir do milho, equivalente a 15,3% do total produzido pelo Centro-Sul ou 14,0% do total produzido pelo Brasil, conforme dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica).
O presidente da entidade representativa das principais unidades produtoras de açúcar, etanol (álcool combustível) e bioeletricidade da região Centro-Sul do Brasil, Evandro Gussi, diz que o setor está plenamente preparado para aumentar o eventual aumento da mistura à gasolina.
“Sempre teremos produção suficiente de etanol, inclusive nas últimas décadas o setor atendeu à altura todas as demandas por etanol. Ainda que o preço internacional do açúcar aumente, a resolução 67 da ANP determinando o estabelecimento de contratos com um ano de antecedência dão a garantia de fornecimento do produto”, ressalta.
Já o consultor de energia da CNN, Adriano Pires, ressalta que o estabelecimento de um piso — e não somente um teto para o aumento da adição de álcool anidro à gasolina poderá resolver a questão da produção. Atualmente, a mistura é de 27% e a intenção do governo federal é a elevação para 30%.
“É uma boa ideia, mas não se pode achar que vai ficar o tempo todo com 30%. Depende da safra, é necessário haver a flexibilidade. Estica o teto para 30%, mas quando a safra for ruim baixa para 25%, 27%. Sempre tem que ter flexibilidade. Ou se cairá no erro do biodiesel que só teve teto e quando ficou muito caro, o governo precisou reduzir a mistura”, ressalta.
Com a elevação da cotação do biodiesel, o governo de Jair Bolsonaro determinou a diminuição da mistura do biodiesel ao diesel para 10%. Após a acomodação dos preços, é que o governo Lula retomou a elevação da mistura de 10% para 12%.
Um ano depois, em 2024, o percentual subirá para 13%. A proposta do Ministério de Minas e Energia, exposta pelo ministro Alexandre Silveira na semana passada, também visa a segurança energética e a diminuição gradativa dos combustíveis fósseis, estima economista-chefe da Consultoria ES Petro, Edson Silva.
“À medida que o Brasil passe a produzir combustível automotivo alternativo à gasolina, estamos falando de segurança de suprimento. No atual contexto internacional de preços elevados, reservas e guerra, a segurança passou a ser um elemento de grande relevância para o planejamento energético dos países. Somos praticamente autossustentáveis na produção de gasolina, mas ainda há importação de petróleo”, disse.
Conforme a Agência Nacional de Petróleo (ANP), o país produz cerca de 3 milhões de barris de petróleo por dia, consome 2,5 milhões e importa 300 mil barris por dia. O que explica isso são os diferentes óleos produzidos, alguns de qualidade que não viabilizam a produção de gasolina.
Questões ambientais
O governo federal defende que a mistura vai trazer benefícios ambientais e contribuir para uma transição energética mais sustentável. O professor Paulo Brack, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, lembra a estratégia teoricamente é boa, mas a forma de plantio também é importante para evitar que a solução de um lado se torne um problema.
“O problema são os monoplantios que demandam, com uso intensivo de maquinário e energia, efeitos sobre a disponibilidade de água e nascentes d’água. Estamos procurando possibilidade que não sejam dependentes somente da cana-de-açúcar e da soja para viabilizar os combustíveis não-fósseis.
No caso da cana, se usa muito o bagaço dela. Antigamente joga-se o restante da planta no lixo ou nos rios, e hoje já aproveita para geração de energia. Casca de arroz e madeira também geram energia”, disse Brack, que é mestre em Botânica.
Brack ainda destaca que palmeiras como a macaúba produz por hectare, de quatro e cinco vezes mais óleo do que a soja, por exemplo, no entanto ela demora a crescer. Há outras espécies de palmeiras possíveis, mas ainda faltam pesquisas.
“O petróleo vai acabar e já está cada vez mais caro buscar as reservas. Especialistas já dizem que o caminho será o colapso energético se o quadro não for revertido. Por isso, alternativas como plantas que produzam óleos são questão estratégica que precisa ser aproveitada por um país como o Brasil, que tem muitas terras e enorme produção agrícola”, finaliza.