Mulheres negras devem fazer rastreamento para câncer de mama mais jovens, diz estudo
Grupo de pesquisa internacional sugere estudos aprofundados para investigar se diretrizes de triagem devem recomendar exames a partir dos 42 anos, em vez de 50
Um novo estudo sobre mortes por câncer de mama levanta questões sobre se as mulheres negras devem fazer exames mais cedo.
Uma equipe internacional de pesquisadores escreveu no estudo, publicado nesta quarta-feira (19) na revista JAMA Network Open, que podem ser necessários ensaios clínicos para investigar se as diretrizes de triagem devem recomendar que mulheres negras comecem a triagem em idades mais jovens, por volta dos 42 anos, em vez de 50.
A Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos – um grupo de especialistas independentes cujas recomendações ajudam a orientar as decisões de médicos – recomenda a triagem bienal para mulheres a partir dos 50 anos. Mas muitos grupos médicos, incluindo a American Cancer Society e a Mayo Clinic, já enfatizam que as mulheres têm a opção de iniciar a triagem com uma mamografia todos os anos a partir dos 40 anos.
No Brasil, o Ministério da Saúde orienta que a mamografia de rastreamento é indicada para mulheres de 50 a 69 anos de idade, uma vez a cada dois anos.
Embora as mulheres negras tenham uma taxa de incidência de câncer de mama 4% menor do que as mulheres brancas, elas têm uma taxa de mortalidade por câncer de mama 40% maior.
“A mensagem para os médicos e formuladores de políticas de saúde dos EUA é simples. Os médicos e radiologistas devem considerar a raça e a etnia ao determinar a idade em que o rastreamento do câncer de mama deve começar”, disse Mahdi Fallah, autor do novo estudo e líder do Grupo de Prevenção do Câncer Adaptado ao Risco no Centro Alemão de Pesquisa do Câncer em Heidelberg, Alemanha, em um e-mail.
“Além disso, os formuladores de políticas de saúde podem considerar uma abordagem adaptada ao risco para o rastreamento do câncer de mama para abordar as disparidades raciais na mortalidade por câncer de mama, especialmente a mortalidade antes da idade recomendada para o rastreamento da população”, disse Fallah, que também é professor visitante na Universidade de Lund, na Suécia, e professor adjunto na Universidade de Berna, na Suíça.
O que dizem as diretrizes de triagem
Os exames de câncer de mama são normalmente realizados usando a mamografia, que é uma imagem de raio-X tirada da mama que os médicos examinam para procurar sinais precoces de desenvolvimento de câncer.
“As diretrizes para triagem na verdade já recomendam basear o tempo de uma mulher para iniciar a triagem no risco de desenvolver câncer, embora raça e etnia não sejam fatores tradicionais que entram nessas decisões”, afirmou Rachel Freedman, oncologista de mama no Dana-Farber Cancer Institute, que não esteve envolvida no novo estudo, em um e-mail.
A American Cancer Society atualmente recomenda que todas as mulheres considerem exames de mamografia para risco de câncer de mama a partir dos 40 anos de idade – e para mulheres de 45 a 54 anos, é recomendável fazer mamografias todos os anos. Aquelas com 55 anos ou mais podem mudar para a triagem a cada dois anos, se assim o desejarem.
Mas “estamos no processo de atualização de nossas diretrizes de rastreamento de câncer de mama e examinamos a literatura científica para saber como as diretrizes de rastreamento podem diferir para mulheres em diferentes grupos raciais e étnicos e por outros fatores de risco, de forma a reduzir as disparidades com base no risco e nas disparidades nos resultados”, disse Robert Smith, vice-presidente sênior de triagem de câncer da American Cancer Society, que não esteve envolvido no novo estudo, em um e-mail. “Estamos examinando essas questões de perto.”
As recomendações da American Cancer Society parecem estar alinhadas com as descobertas do novo estudo, pois a pesquisa destaca como as diretrizes de triagem não devem ser uma “política de tamanho único”, mas sim ajudar a orientar as conversas que pacientes e seus médicos têm juntos.
“Nós, aqui da American Cancer Society, recomendamos fortemente que todas as mulheres considerem uma mamografia de rastreamento a partir dos 40 anos de idade, e isso significa ter uma discussão com seu médico”, disse Arif Kamal, diretor da American Cancer Society, que não estava envolvido no novo estudo.
“Os autores destacam que os 50 anos podem ser um pouco atrasados”, disse Kamal sobre as descobertas do estudo sobre quando iniciar o rastreamento do câncer de mama. “Estamos de acordo com isso, especialmente para as mulheres que podem estar em risco ligeiramente maior.”
Risco de câncer de mama por idade e raça
Os pesquisadores – da China, Alemanha, Suécia, Suíça e Noruega – analisaram dados de 415.277 mulheres nos Estados Unidos que morreram de câncer de mama entre 2011 e 2020. Esses dados sobre as taxas de mortalidade por câncer de mama invasivo vieram do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde e foram analisados com o software estatístico SEER do Instituto Nacional de Câncer.
Quando os pesquisadores examinaram os dados por raça, etnia e idade, descobriram que a taxa de mortes por câncer de mama entre mulheres na faixa dos 40 anos era de 27 mortes por 100.000 pessoas-ano para mulheres negras, em comparação com 15 mortes por 100.000 em mulheres brancas e 11 mortes por 100.000 em mulheres indígenas-americanas, nativas do Alasca, hispânicas e asiáticas ou das ilhas do Pacífico.
“Quando a taxa de mortalidade por câncer de mama para mulheres negras na faixa dos 40 anos é de 27 mortes por 100.000 pessoas-ano, isso significa que 27 em cada 100.000 mulheres negras com idade entre 40 e 49 anos nos EUA morrem de câncer de mama durante um ano de acompanhamento. Em outras palavras, 0,027% das mulheres negras de 40 a 49 anos morrem de câncer de mama a cada ano”, disse Fallah no e-mail.
Em geral, para as mulheres nos Estados Unidos, o risco médio de morrer de câncer de mama na década seguinte aos 50 anos, dos 50 aos 59 anos, é de 0,329%, de acordo com o estudo.
“No entanto, esse nível de risco é alcançado em diferentes idades para mulheres de diferentes grupos raciais/étnicos”, disse Fallah. “As mulheres negras tendem a atingir esse nível de risco 0,329% mais cedo, aos 42 anos. As mulheres brancas tendem a alcançá-lo aos 51 anos, as indígenas-americanas ou nativas do Alasca e as mulheres hispânicas aos 57 anos, e as mulheres asiáticas ou das ilhas do Pacífico mais tarde, aos 61 anos.”
Assim, os pesquisadores determinaram que, ao recomendar o rastreamento do câncer de mama aos 50 anos para as mulheres, as mulheres negras deveriam começar aos 42 anos.
No entanto, “os autores não tinham nenhuma informação sobre se as mulheres incluídas neste estudo realmente fizeram rastreamento mamográfico e com que idade. Por exemplo, é possível que muitas mulheres neste estudo realmente tenham feito rastreamento entre 40 e 49 anos”, disse Rachel, do Dana-Farber Cancer Institute.
“Este estudo confirma que a idade da mortalidade por câncer de mama é mais jovem para mulheres negras, mas não confirma por que e se o rastreamento é mesmo a principal razão. Não temos informações sobre os tipos de câncer que as mulheres desenvolveram e qual tratamento elas tiveram, ambos com impacto na mortalidade por câncer de mama”, disse a especialista.
Riscos e benefícios da triagem precoce
O dano de se iniciar mamografias em uma idade mais jovem é que aumenta o risco de um resultado de triagem falso positivo – levando a testes subsequentes desnecessários e estresse emocional.
Mas os pesquisadores escreveram em seu estudo que “o risco adicional de falsos positivos de exames anteriores pode ser compensado pelos benefícios” associados à detecção precoce do câncer de mama.
Eles também escreveram que os formuladores de políticas de saúde devem buscar a equidade, não apenas a igualdade, quando se trata de rastreamento do câncer de mama como uma ferramenta para ajudar a reduzir as taxas de mortalidade pela doença.
Igualdade no contexto do rastreamento do câncer de mama “significa que todos são rastreados a partir da mesma idade, independentemente do nível de risco. Por outro lado, equidade ou rastreamento adaptado ao risco significa que todos recebem rastreamento de acordo com seu nível de risco individual”, escreveram os pesquisadores. “Acreditamos que um programa de triagem justo e adaptado ao risco também pode estar associado à alocação otimizada de recursos”.
O novo estudo é “oportuno e relevante”, dada a maior taxa de mortalidade geral por câncer de mama em mulheres negras e que as mulheres negras têm maior probabilidade de serem diagnosticadas em uma idade mais jovem em comparação com outros grupos étnicos, afirmou Kathie-Ann Joseph, oncologista cirúrgica do Perlmutter Cancer Center da NYU Langone e professora de cirurgia e saúde da população na NYU Grossman School of Medicine, em um e-mail.
“Embora alguns possam argumentar que a triagem precoce pode levar a um aumento de novas consultas e de biópsias desnecessárias, as mulheres são chamadas para exames de imagem adicionais em cerca de 10% das vezes e as biópsias são necessárias em 1-2% dos casos, o que é bastante baixo”, disse Kathie-Ann, que não estava envolvida no novo estudo.
“Isso deve ser comparado com as vidas salvas de mamografias anteriores”, disse ela. “Também gostaria de salientar que, embora certamente desejemos evitar mortes, a triagem precoce pode trazer outros benefícios, permitindo que mulheres de todos os grupos raciais e étnicos façam cirurgias menos extensas e menos quimioterapia, o que afeta a qualidade de vida”.
Viés implícito e sistêmico
O câncer de mama é o câncer mais comum entre as mulheres nos Estados Unidos, com exceção dos cânceres de pele. Este ano, estima-se que cerca de 43.700 mulheres morrerão da doença, segundo a American Cancer Society, e as mulheres negras têm a maior taxa de mortalidade por câncer de mama.
Embora as mulheres negras tenham 40% mais chances de morrer da doença do que as mulheres brancas, Kamal, da American Cancer Society, disse que a disparidade nas mortes não é resultado de mulheres negras que não seguem as diretrizes atuais de mamografia.
Em vez disso, o viés implícito na medicina desempenha um papel.
“Nos Estados Unidos, em todo o país, não há diferenças nas taxas de rastreamento de mamografia entre mulheres negras e brancas. Na verdade, em todo o país, o número é de cerca de 75%. Vemos cerca de 3 em cada 4 mulheres – negras , brancas, hispânicas e asiáticas – estão em dia com suas mamografias”, disse Kamal.
No entanto, existem vários momentos após o diagnóstico de câncer de mama em uma paciente, em que ela pode não receber a mesma qualidade de atendimento ou acesso a serviços de saúde que seus pares.
“Por exemplo, é menos provável que as mulheres negras recebam uma oferta de inscrição em um ensaio clínico. Isso não é devido a uma diferença declarada de interesse. Na verdade, a taxa de inscrição em ensaios clínicos é igual entre mulheres negras e mulheres brancas, se elas forem convidadas”, disse Kamal.
“O que temos que entender é onde podem existir os preconceitos implícitos e sistêmicos mantidos por pacientes, cuidadores e suas famílias – aqueles que são mantidos dentro dos sistemas de saúde e até mesmo políticas e práticas que impedem que todos tenham acesso justo à saúde e cuidados de alta qualidade”, disse.
Além disso, as mulheres negras têm um risco quase três vezes maior de câncer de mama triplo negativo. Esses tipos específicos de câncer tendem a ser mais comuns em mulheres com menos de 40 anos, crescem mais rapidamente do que outros tipos de câncer de mama invasivo e têm menos opções de tratamento.
As mulheres negras também tendem a ter tecido mamário mais denso do que as mulheres brancas. Ter tecido denso na mama pode tornar mais difícil para os radiologistas identificar o câncer de mama em uma mamografia, e mulheres com tecido mamário denso têm maior risco de câncer de mama.
Mas essas diferenças biológicas entre as mulheres representam apenas uma pequena parte de uma discussão muito maior sobre as disparidades raciais no câncer de mama, disse Kamal.
“Existem questões sistêmicas, questões de acesso a cuidados que realmente vão além da biologia”, disse ele. “A realidade é que o câncer afeta a todos e não discrimina. A discriminação às vezes ocorre após o diagnóstico, e é nisso que realmente precisamos nos concentrar.”