Bolsonaro disse à PF em depoimento que mandou chefe da Receita informar sobre joias sauditas
CNN obteve acesso aos esclarecimentos do ex-presidente prestados no dia 5 de abril
A CNN obteve acesso ao depoimento que Jair Bolsonaro (PL) prestou à Polícia Federal (PF) no dia 5 de abril para esclarecimentos sobre o caso das joias recebidas da Arábia Saudita. As informações são de Daniela Lima, âncora da CNN.
Entre os principais pontos destacados pelo ex-presidente está que ele teria tomado conhecimento dos presentes um ano após o recebimento por Bento Albuquerque e a retenção de um dos pacotes pela Receita Federal, mas que não recorda quem o contou.
Além disso, teria acionado o ajudante de ordens Coronel Cid para que buscasse informações sobre o caso — o que teria sido sua “única ordem” sobre o assunto. Também ressaltou que ligou para o então chefe da Receita para que ele estabelecesse contato com Cid, “salvo engano”.
Ainda assim, Cid não teria repassado informações, fazendo com que Bolsonaro desse o assunto como encerrado.
O secretário da Receita teria explicado, então, próximo do fim do mandato de Bolsonaro, que, se depois de 30 ou 90 dias ninguém reclama sobre algum bem retido na Receita Federal, ele entra em processo de “perdimento”, ou seja, pode ser leiloado.
Assim, a PF ouviu do ex-presidente que a tentativa de recuperar as joias da alfândega antes de sua viagem aos EUA tinha como objetivo não deixar qualquer pendência para o próximo governo e “evitar um vexame diplomático”.
Esse “vexame” seria por aparentar descaso com o presente de uma “nação amiga”, permitindo um leilão.
Entretanto, Bolsonaro disse que não ficou “cobrando” essa ação e que não sabe por que “Mauro [Cid] e Júlio [chefe da Receita]” se apressaram em tentar retirar as joias da alfândega, sendo que, pelo que entende, não sabia o que poderia ser feito para retirar as joias.
O ex-presidente também comentou que não foi ele quem teria decidido que as joias retidas deveriam ser retiradas e incorporadas ao acervo e que não sabe de quem veio essa decisão. Também não teria tomado qualquer decisão, de fato, sobre a classificação dos objetos — se era acervo público, interesse público ou para o acervo privado.
Demais pontos do depoimento
Bolsonaro afirmou que não recebeu nenhum presente de forma direta enquanto presidente da República, sendo que todos os que são ofertados a ele eram entregues via ajudante de ordens ou Itamaraty.
Além disso, destacou que todos os presentes são averiguados para apurar possível risco à integridade do chefe de Estado.
Outro ponto que o ex-presidente disse à PF é que toda viagem presidencial era realizada com dois aviões, sendo que o “avião reserva” é o que transporta os presentes. Ele sempre viajaria no que chamou de “primeiro avião” por “questão de segurança”.
O “segundo avião decola uma hora depois do primeiro”, o que aconteceria após ciência de que todos os objetos nele estão “ok” e que também está tudo certo no “primeiro avião”, segundo o depoimento.
Bolsonaro também ressaltou que não “coloca a mão” em qualquer presente, principalmente recebido dentro do Brasil. Além disso, pontuou que quando o objeto é recebido por um terceiro, ele vai diretamente para o gabinete adjunto de documentação histórica, onde seria cadastrado e classificado se é público, privado ou de interesse público.
Neste momento, o advogado do ex-chefe de Estado pediu para registrar que o órgão recebedor do presente encaminhou um ofício para esse gabinete e o trâmite segue conforme dito.
Ainda segundo Bolsonaro, o papel do ajudante de ordens nesse processo é de meramente receber o presente e encaminhá-lo para o gabinete de documentação histórica.
Outro ponto do depoimento destaca que “é praxe o recebimento de presentes quando de visitas ao Oriente Médio, não tendo um motivo específico para as joias terem sido ofertadas pelo governo da Arábia Saudita”.
Ele também não teria conversado com Bento Albuquerque, que já não era mais ministro de Minas e Energia quando teria tomado conhecimento das joias, segundo ele.
Também destaca que recebeu presentes de outros países e que tudo foi feito legalmente e cadastrado. Além disso, observou que nunca solicitou pessoalmente qualquer bem, sendo que não procede a informação de que alguns itens como espingarda e caneta de luxo receberam anotações específicas para ele.
Também é pontuado no depoimento que as joias teriam ficado armazenadas em um galpão e não foram levadas aos Estados Unidos. Também observou que nunca conversou com Marcelo da Silva Vieira, não sabe o motivo de seu envolvimento, que não chegou a falar com o sub-secretário-geral da Receita.
Além disso, em razão do “tumulto” que foram seus últimos dias de seu governo sequer teve “cabeça” para se preocupar com as joias.
Então, foi indagado sobre a indicação de Júlio César, o chefe da Receita acionado, para a embaixada em Paris. O ex-chefe de Estado respondeu que a decisão era do Ministério da Economia, e que também não tem relação com a indicação de José de Assis para os Emirados Árabes.
Sobre o motivo de não ter dito que recebeu um “segundo” pacote de joias, ele reiterou que não tomou conhecimento sobre os objetos.
Bolsonaro também observa que, depois de os fatos terem sido noticiados pela imprensa, conversou com Mauro Cid “e só” sobre os fatos, pois fala com ele esporadicamente, e que não teria contatado outros envolvidos.
Entenda o caso
A Arábia Saudita entregou ao governo brasileiro e a Bolsonaro três pacotes com joias durante o mandato do ex-chefe de Estado, entre 2019 e 2022.
Segundo a defesa de Bolsonaro, “os bens foram devidamente registrados, catalogados e incluídos no acervo da Presidência da República”. Além disso, os representantes afirmaram que todo o acervo de presentes será submetido à auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).
Em 2021, o príncipe Mohammed bin Salman Al Saud entregou dois estojos com joias ao então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que representou Jair Bolsonaro em agenda no país.
Os objetos, porém, não foram declarados como presentes de Estado – o que os eximiria de ter de pagar taxa na chegada ao Brasil, além de os regularizar e dar a devida destinação. A Receita Federal impõe que todos os produtos com valor superior a US$ 1.000 sejam declarados na entrada ao país.
O ex-ministro de Minas e Energia e a equipe de assessores dele viajaram em voo comercial e chegaram ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no dia 26 de outubro de 2021.
Um dos estojos, que estava com um dos assessores, que continha um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em R$ 16,5 milhões, foi localizado e apreendido pela Receita.
De acordo com o órgão, a incorporação ao patrimônio da União exige um pedido de autoridade competente, “com justificativa da necessidade e adequação da medida, como, por exemplo, a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu”.
Em comunicado, foi dito que isso não aconteceu. “Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público”, pontua.
A CNN questionou integrantes da equipe do governo Bolsonaro por que as joias não foram registradas antes de chegar ao Brasil. Interlocutores afirmaram que o assessor do Ministério de Minas e Energia deveria ter informado que se tratava de um presente do reino da Arábia Saudita para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o então presidente.
No segundo estojo havia uma caneta, um anel, um relógio, um par de abotoaduras e uma espécie de terço islâmicos, em valores oficialmente não divulgados, mas que está avaliado em R$ 500 mil. Este foi listado no acervo pessoal do ex-presidente Jair Bolsonaro, conforme o próprio confirmou à CNN.
No dia 28 de outubro de 2021, o gabinete do ex-ministro de Minas e Energia informou ao Departamento Histórico da Presidência da República que estava com os presentes entregues pelo governo da Arábia Saudita. Porém, omitiu-se que outros itens do primeiro estojo foram apreendidos pela Receita Federal.
Após um ano, em 29 de novembro de 2022, os itens do segundo estojo foram entregues ao Gabinete Histórico da Presidência da República, conforme a CNN confirmou em reportagem. No mesmo dia, os objetos foram incorporados ao acervo privado de Bolsonaro.
Decisão do TCU
O Tribunal de Contas da União (TCU) havia decidido que o segundo estojo de joias, listado no acervo pessoal do ex-presidente Bolsonaro, deveria ser entregue às autoridades, assim como um par de armas que o ex-mandatário trouxe do exterior.
O estojo retido pela Receita Federal também deveria ser encaminhado pela Receita Federal à Caixa Econômica Federal. Isso aconteceu no dia 24 de março.
As armas, um fuzil calibre 5,56 mm e uma pistola 9 mm que podem custar até R$ 57 mil, deveriam ser entregues à Polícia Federal, o que foi concretizado também no dia 24 do mês passado.
Além disso, foi determinada vistoria completa em todos os presentes que Jair Bolsonaro recebeu durante seu mandato.
*publicado por Tiago Tortella, da CNN