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    Em meio a posições divergentes sobre guerra da Ucrânia, Lula busca reenergizar laços econômicos com a China

    Chineses se abstiveram de votações na ONU que condenaram a invasão da Ucrânia pela Rússia, enquanto Brasil votou a favor em quase todos os casos; presidente brasileiro embarca para país asiático no dia 11

    Lourival Sant'Anna

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visita a China em um momento delicado do ponto de vista geopolítico, ainda mais considerando a posição ambígua do Brasil com relação à guerra na Ucrânia.

    Lula foi precedido pelos presidentes da França, Emmanuel Macron, e da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que se reuniram com Xi Jinping em Pequim na quinta-feira (5).

    Assim como o presidente brasileiro, esses dois líderes europeus também têm interesse em reenergizar as relações econômicas com a China, depois de três anos de lockdown que desaceleraram a atividade chinesa e impediram os contatos presenciais. Macron viajou com 50 empresários e novos acordos comerciais foram negociados.

    Mas há uma diferença fundamental em relação à atitude brasileira frente à China. A França, em particular, e a União Europeia, em geral, têm dado importante apoio político, militar, financeiro e humanitário à Ucrânia, e impuseram pesadas sanções contra a Rússia por causa da agressão não-provocada.

    Macron e Von der Leyen têm exigido na ONU e em outras instâncias a retirada das forças russas.

    A reaproximação com a China foi apresentada por Macron e Von der Leyen como incentivo para que o governo chinês não forneça ajuda militar à Rússia e pressione Vladimir Putin a sair da Ucrânia.

    A China se absteve de votações na ONU que condenaram a invasão da Ucrânia, enquanto o Brasil votou a favor em quase todos os casos. Essa é uma diferença importante.

    Entretanto, o plano de 12 pontos proposto por Xi, assim como as declarações do governo brasileiro, não exigem a retirada das forças russas da Ucrânia como precondição para uma negociação de paz.

    Ao lado de Xi, depois do encontro bilateral, Macron declarou: “A agressão na Ucrânia deu um golpe à estabilidade internacional. Sei que posso contar com o senhor para reconduzir a Rússia à razão e todo o mundo à mesa de negociações.”

    Segundo a agência Reuters, França e China concordaram sobre a necessidade de excluir o uso de armas nucleares do conflito – uma ameaça reiterada de Putin.

    Mesmo assim, Macron e Von der Leyen foram criticados pela visita, apenas duas semanas depois de Xi reforçar a “parceria sem limites” e assinar 14 acordos com Putin em Moscou.

    Para os críticos, uma visita como essa teria de ser emoldurada por claras ameaças, ainda que no plano econômico, para a China, se mantiver ou ampliar o apoio à Rússia.

    O comércio bilateral entre os dois países cresceu 30% no ano passado, chegando a US$ 190 bilhões. A China comprou US$ 50,6 bilhões em petróleo bruto da Rússia de março a dezembro, um aumento de 45% em relação ao mesmo período do ano anterior.

    As importações de carvão aumentaram 54%, para US$ 10 bilhões. As compras de gás natural, incluindo gás canalizado e liquefeito, dispararam 155%, para US$ 9,6 bilhões.

    Metade do petróleo vendido pela Rússia é comprado pela China – e outros 20%, pela Índia; 40% do petróleo consumido pela China é russo. A energia que a Rússia deixou de vender para a Europa foi deslocada para esses dois gigantes asiáticos, que se beneficiaram de descontos nos preços das commodities.

    A Índia aumentou em astronômicos 384% suas importações da Rússia em 2022.

    A China tem aceitado rublos, a moeda russa, e pagado com yuans, a moeda chinesa, ajudando assim a Rússia a driblar as sanções financeiras e sua exclusão do sistema Swift de transações financeiras.

    As moedas digitais emitidas por bancos centrais, adotadas por China, Rússia e Índia, e agora também pelo Brasil, devem facilitar essas transações entre os membros dos Brics, sem passar pelo dólar, euro ou libras. Tudo isso interessa não só à Rússia mas também à China, no contexto do acirramento das disputas com os Estados Unidos.

    Além disso, empresas chinesas venderam US$ 12 milhões em drones e partes de drones para a Rússia, segundo reportagem do “The New York Times”, e 1.000 fuzis, partes de drones e coletes à prova de balas, de acordo com investigação do site “Politico”.

    Brasil intensifica comercio com a Rússia

    O Brasil também intensificou o comércio com a Rússia no ano passado. As importações, sobretudo de fertilizantes, aumentaram 38%, para US$ 7,85 bilhões, em 2022. As exportações brasileiras para a Rússia cresceram 23%, para US$ 1,96 bilhão.

    No fim do mês passado, nas vésperas do que seria a ida programada de Lula a Pequim, cerca de 300 empresários brasileiros estiveram na capital chinesa, e se reuniram com cerca de 200 empresários chineses. Acordos de comércio e investimentos foram assinados. Lula acabou tendo de adiar a viagem por causa de um problema de saúde.

    É inegável que a diplomacia presidencial pode ajudar a remover obstáculos comerciais. As relações ruins entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e Xi Jinping não ajudaram quando a China reteve insumos farmacêuticos ativos necessários para a fabricação da vacina contra covid no Brasil no auge da pandemia.

    A identificação de dois casos simultâneos de mal da vaca louca em 2021 levou a uma suspensão de quase quatro meses da importação da carne brasileira pela China – um recorde. No início do ano, o registro de um caso provocou um embargo de um mês, levantado em 23 de março, uma semana antes da ida de Lula prevista inicialmente.

    Entretanto, o Brasil precisa ter em mente que tecnologias estratégicas, que envolvem semicondutores (chips) e inteligência artificial, por exemplo, são cada vez mais alvo de barreiras ditadas por interesses geopolíticos.

    Os Estados Unidos adotaram regulações e uma política industrial destinadas a privar a China e suas empresas dessas tecnologias.

    A Huawei, gigante chinesa de equipamentos de telefonia celular, amargou queda de 69% de seu lucro líquido no ano passado por causa de sanções americanas e europeias. O TikTok está sendo restringido em países ocidentais e asiáticos.

    O presidente Lula precisará tomar cuidado com as palavras em Pequim, se quiser evitar que o Brasil seja visto como um país que discursa em favor da democracia e da soberania, mas, na prática, se alia a ditaduras e não faz o que está a seu alcance para desencorajar invasões.

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