Nova vacina nasal contra Covid-19 mostra potencial após testes na Alemanha
Imunizante usa forma viva, mas enfraquecida, do coronavírus
Cientistas na Alemanha dizem que conseguiram produzir uma vacina nasal que pode interromper uma infecção por Covid-19 no nariz e na garganta, onde o vírus se estabelece pela primeira vez no corpo.
Em experimentos com hamsters, duas doses da vacina, que é feita com uma forma viva, mas enfraquecida, do coronavírus, impediu que o vírus se copiasse nas vias aéreas superiores dos animais – alcançando a chamada “imunidade esterilizante” e prevenindo a doença.
Embora esta vacina tenha vários outros obstáculos para superar antes de chegar a um consultório médico ou farmácia, outras vacinas nasais já estão em uso ou atingindo o final de ensaios clínicos.
A China e a Índia lançaram vacinas administradas por meio de tecidos nasais no ano passado, embora não esteja claro o quão bem elas estejam funcionando.
Estudos sobre a eficácia dessas vacinas ainda não foram publicados, deixando o mundo se perguntando se essa abordagem de proteção realmente funciona nas pessoas.
Vacinas de próxima geração
Os Estados Unidos chegaram a um impasse com a Covid-19. Mesmo com os dias mais sombrios da pandemia para trás, centenas de americanos ainda morrem diariamente, enquanto a infecção continua presente no retorno à vida normal.
Enquanto o vírus continuar a se espalhar entre pessoas e animais, sempre haverá a possibilidade de ele se transformar em uma versão mais contagiosa ou mais prejudicial de si mesmo.
E embora as infecções por Covid tenham se tornado controláveis para a maioria das pessoas saudáveis, elas ainda podem representar um perigo para grupos vulneráveis, como idosos e imunocomprometidos.
Os pesquisadores esperam que as vacinas de próxima geração, que visam desligar o vírus antes que ele tenha a chance de nos deixar doentes e, finalmente, impedir a propagação da infecção, possam fazer com que essa infecção respiratória não seja uma ameaça.
Uma maneira pela qual os cientistas estão tentando fazer isso é aumentando a imunidade da mucosa, reforçando as defesas imunológicas nos tecidos que revestem as vias aéreas superiores, exatamente onde o vírus chegaria e começaria a infectar nossas células.
É um pouco como colocar bombeiros sob o alarme de fumaça em sua casa, diz o autor do estudo Emanuel Wyler, cientista do Centro Max Delbruck de Medicina Molecular da Associação Helmholtz em Berlim.
A imunidade criada pelas injeções funciona em todo o corpo, mas reside principalmente no sangue. Isso significa que pode levar mais tempo para fornecer uma resposta.
“Se eles já estiverem no local, podem eliminar o fogo imediatamente, mas se estiverem a cerca de três quilômetros de distância, primeiro precisam dirigir até lá e, nesse momento, um terço da casa já está em chamas”, relacionou Wyler em entrevista à CNN.
As vacinas que atuam nas mucosas também são melhores para preparar um tipo diferente de resposta do que as injeções. Elas funcionam melhor ao convocar anticorpos IgA, que têm quatro “braços” para agarrar os invasores, em vez de apenas os dois “braços” que os anticorpos IgG em forma de “y” têm.
Alguns cientistas compreendem que os anticorpos IgA podem ser menos “exigentes” quanto aos seus alvos do que os anticorpos IgG, o que os torna melhor preparados para lidar com novas variantes.
Essa vacina nasal em questão adota uma nova abordagem para uma ideia muito antiga: enfraquecer um vírus para que ele não seja mais uma ameaça e depois administrá-lo às pessoas para que seu sistema imunológico aprenda a reconhecê-lo e combatê-lo.
As primeiras vacinas com essa abordagem datam da década de 1870, contra antraz e raiva. Naquela época, os cientistas enfraqueceram os agentes que estavam usando com calor e produtos químicos.
Os pesquisadores manipularam o material genético do vírus para dificultar a tradução das células. Essa técnica, chamada de desotimização de pares de códons, faz com que o vírus possa ser identificado pelo sistema imunológico sem deixar o corpo doente.
“Você pode imaginar ler um texto… e cada letra é uma fonte diferente, ou cada letra tem um tamanho diferente, então o texto é muito mais difícil de ler. E isso é basicamente o que fazemos na desotimização de pares de códons”, explicou Wyler em entrevista à CNN.
Resultados promissores em estudos com animais
Nos estudos com hamsters, publicados nesta segunda-feira (3) na revista Nature Microbiology, duas doses da vacina nasal que usa a forma viva, mas enfraquecida, do vírus criaram uma resposta imune muito mais forte do que duas doses de uma vacina baseada em mRNA ou uma que usa um adenovírus para transportar instruções da vacina nas células.
Os pesquisadores acham que a vacina “viva”, mas enfraquecida, provavelmente funcionou melhor porque imita de perto o processo de uma infecção natural.
A vacina nasal também apresenta o coronavírus completo para o corpo, não apenas suas proteínas spike, como fazem as vacinas atuais contra a Covid-19, de modo que os hamsters foram capazes de fabricar “armas imunológicas” contra uma gama mais ampla de alvos.
Por mais promissor que tudo isso pareça, os especialistas em vacinas ressaltam que é necessário cautela. Esse imunizante ainda precisa passar por mais testes antes de estar pronto para uso, mas eles pontuam que os resultados até agora parecem encorajadores.
“Eles fizeram um trabalho muito legal. Esta é obviamente uma equipe competente e atenciosa que fez este trabalho e impressionante no escopo do que fez. Agora só precisa ser repetido”, talvez em primatas e certamente em humanos antes que possa ser amplamente utilizado, disse o Dr. Greg Poland, que projeta vacinas na Mayo Clinic. Ele não estava envolvido na pesquisa em questão.
O estudo começou em 2021, antes da variante Ômicron existir, então a vacina testada nesses experimentos foi feita com a cepa original do vírus.
Nos experimentos, quando eles infectaram animais com a Ômicron, a vacina nasal “viva”, mas enfraquecida, ainda teve um desempenho melhor do que as outras, mas sua capacidade de neutralizar o vírus foi diminuída. Os pesquisadores acham que ela precisará de uma atualização.
O imunizane também precisa ser testado em humanos, e Wyler diz que eles estão trabalhando nisso. Os cientistas informaram que fizeram parceria com uma empresa suíça chamada RocketVax para iniciar os ensaios clínicos de fase um.
Outras vacinas estão mais adiantadas, mas o progresso tem sido “lento e hesitante”, observou Poland. Os grupos que trabalham com essas vacinas estão lutando para aumentar os altos custos de colocar um novo imunizante no mercado, e estão fazendo isso em um ambiente em que as pessoas pensam que essa disputa foi vencida e concluída.
Na realidade, estamos longe disso, ponderou Poland. Bastaria outra mudança no nível Ômicron na evolução do vírus e poderíamos voltar à estaca zero, sem ferramentas contra o coronavírus.
“Isso é tolice. Deveríamos estar desenvolvendo uma vacina pan-Coronavírus que induza a imunidade da mucosa e que seja de longa duração”, advertiu.
Outros imunizantes em desenvolvimento
Pelo menos quatro vacinas nasais para Covid-19 atingiram o estágio final de teste em pessoas, de acordo com o rastreador de vacinas da Organização Mundial da Saúde (OMS).
As vacinas nasais já em uso na China e na Índia dependem de adenovírus inofensivos para transportar suas instruções para as células, embora os dados de eficácia para elas não tenham sido publicados.
Dois outros imunizantes nasais estão com os estudos em humanos perto do fim.
Um deles, uma vacina recombinante que pode ser produzida a baixo custo em ovos de galinha, da mesma forma que muitas vacinas contra a gripe, está sendo testada por pesquisadores do Monte Sinai, na cidade de Nova York.
Outra, como a vacina alemã, usa uma versão viva, mas enfraquecida, do vírus. Está sendo desenvolvida por uma empresa chamada Codagenix. Os resultados desses estudos, que foram realizados na América do Sul e na África, podem sair ainda este ano.
A equipe alemã diz que está observando ansiosamente os dados da Codagenix. “Eles serão muito importantes para sabermos onde esse tipo de tentativa é basicamente promissora ou não”, destacou Wyler.
Mas eles têm motivos para se preocupar. As infecções respiratórias provaram ser alvos difíceis para as vacinas inaladas.
A FluMist, que usa uma forma viva, mas enfraquecida do vírus da gripe, funciona razoavelmente bem em crianças, mas não ajuda tanto os adultos. Acredita-se que o motivo seja que os adultos já têm memória imunológica para a gripe e, quando o vírus é injetado no nariz, a vacina aumenta principalmente o que já está lá.
Ainda assim, algumas das vacinas mais potentes, como a contra sarampo, caxumba e rubéola, usam vírus vivos atenuados, por isso é uma abordagem promissora.
Outra consideração é que as vacinas “vivas” não podem ser tomadas por todos. Pessoas com imunidade muito comprometida são frequentemente advertidas contra o uso de vacinas vivas porque mesmo esses vírus muito enfraquecidos podem ser arriscados para eles.