Risco de crise de crédito pode antecipar queda da taxa de juros
Relatório do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), do BC, mostra que houve desaceleração no ritmo de crescimento do crédito
Em sua última reunião, o Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), órgão do Banco Central, destacou a questão dos juros no país na avaliação do cenário econômico e financeiro.
O Comef apontou que houve desaceleração no ritmo de concessão de crédito tanto para empresas como para o consumidor pessoa física. O dinheiro mais caro, com juros subindo para o cliente, diz o Comitê, apesar de a taxa Selic estar estacionada desde agosto do ano passado em 13,75%, também faz com que as instituições fiquem mais criteriosas para a concessão de crédito.
Uma parte desse movimento das instituições vem da situação da Americanas, que ajudou a mudar as perspectivas para o mercado de crédito no país
Aod Cunha, comentarista de Economia da CNN, avalia que a continuidade do atual patamar da taxa de juros deve gerar uma situação desafiadora no mercado de crédito.
“A permanência de uma taxa elevada, o prolongamento dessa taxa, evidentemente, em algum momento, iria gerar uma situação de restrição de crédito mais aguda. Precisamos reduzir a taxa de juros. Precisa ser feito de maneira correta, para que uma redução mal feita depois não nos leve a uma subida adicional de juros e uma restrição de crédito maior”, explica.
Em relatório enviado aos clientes nesta semana, a consultoria Verde Asset apontou que existem sinais incipientes de uma possível crise de crédito atingindo a economia brasileira e que, por isso, será necessário “boas políticas públicas” para administrar a situação.
Na vida prática das empresas, os juros altos indicam a necessidade de se ter mais dinheiro para pagar dívidas, muitas vezes, contraídas num cenário em que a taxa estava perto da mínima, como era em 2021.
Vale dizer também que o Brasil tem os juros reais (que descontam a inflação) mais altos do mundo, de 7,4%, perdendo apenas para a Argentina, um desafio relevante para os negócios.
Remédio amargo
Os juros são a ferramenta usada pelo Banco Central para conter a inflação.
Apesar dos efeitos colaterais que podem ter na economia, deixando o crédito mais caro e reduzindo o ritmo da atividade de forma geral, economistas defendem que é um remédio necessário e uma redução forçada das taxas teria o efeito contrário nos preços.
Em entrevista recente à CNN, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sócio fundador da Tendência Consultoria, explica esse efeito indesejado.
“A percepção (caso o BC reduzisse os juros “na marra”) seria de que acabou a independência do Banco Central.
Os juros futuros subiriam muito, impactando o custo do Tesouro Nacional e o crédito na economia, e isso desaceleraria ainda mais o crescimento. A fuga de capitais provocaria depreciação forte do câmbio, que ampliaria a aceleração da inflação. Ou seja, um completo e perfeito desastre”, diz.
Juros futuros
Ao longo dos últimos dias, foi possível observar um movimento no mercado de juros futuros.
Os últimos números mostram que o contrato para janeiro de 2024, contabilizados em 14 de dezembro, estavam em 14,07%. Em 13 de fevereiro, o índice registrou queda e chegou a 13,80%. Já nesta quinta-feira, os juros futuros estão em 13,05%.
A avaliação é de que este movimento começa a indicar alguma queda dos juros. Economistas entendem que cresce a possibilidade de o BC começar a cortar os juros em maio ou junho.
Essa análise ocorre pelo contexto de risco no mercado de crédito, mas também pela perspectiva que existe em Brasília para as novas regras que irão pautar e servir de referência para as contas públicas.
Aod Cunha explica que uma boa proposta apresentada pelo governo pode auxiliar para que ocorra uma queda na taxa Selic.
“A regra fiscal não pode ser só uma meta projetada para a dívida. Ela precisa mostrar uma regra clara sobre como vai ser o controle do crescimento do gasto público. Sabemos que não vai ser uma proposta como era o teto de gastos, mas tem de ser uma regra que mostre que o crescimento do gasto não vai gerar um crescimento acentuado da dívida pública. Se isso for feito, as expectativas de juros caem”, disse.
*Publicado por Pedro Zanatta, com informações de Fernando Nakagawa.