De 15 crianças indígenas adotadas em Roraima em 5 anos, apenas uma voltou para comunidade
Estatuto da Criança e do Adolescente diz que é obrigatório priorizar a etnia nos processos de adoção.
Apenas uma criança indígena que passou por processo de adoção entre 2018 e 2023 em Roraima voltou para a comunidade de origem.
O inciso II do parágrafo 6º do artigo 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que é obrigatório que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia.
Em cinco anos, 15 processos de adoção foram concluídos envolvendo crianças indígenas. 14 delas foram direcionadas a famílias de não-indígenas. Os dados constam em levantamento feito pela Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de Roraima, obtido com exclusividade pela CNN.
Segundo o relatório, 13 crianças adotadas no período são da etnia Yanomami, 1 da etnia Macuxi e 1 da etnia Wapixana.
Atualmente, há 29 processos de adoção em tramitação no Estado, seis deles envolvendo crianças indígenas. São quatro menores Yanomami, que estão em famílias substitutas mediante guarda judicial, um relativo a etnia Wai-wai e um relativo a etnia Pemon.
No documento, o Poder Judiciário de Roraima destaca que nenhuma criança foi retirada das famílias “do fluxo pendular para as cidades”, como apontou o Conselho Índigena de Roraima (CIR) em 30 de janeiro, em meio à crise humanitária que atinge o território Yanomami. Os casos teriam chegado ao conhecimento do CIR por meio de denúncias.
O Tribunal de Justiça alega ainda que as crianças colocadas em acolhimento institucional ou em família substituta foram “rejeitadas” pelas comunidades.
“Por aspectos culturais, notadamente por questões que envolvem graves problemas de saúde, como microcefalia, má-formação congênita, entre outros”, aponta o documento.
O órgão ressaltou que nunca houve qualquer denúncia sobre situações irregulares na tramitação de processos de adoção que envolvem indígenas.
O antropólogo do CIR, Emerson Rodrigues, disse à CNN que há um conflito de comunicação entre o Estado e os povos indígenas.
“De um lado há o mundo burocrático, tecnocrático, colonizador e coercitivo, que não reconhece a cultura, o sistema de família, as dinâmicas e a organização social dos indígenas. E do outro lado há os povos indígenas que não têm leitura desse mundo tecnocrático, que não conhecem a legislação, a máquina e a escrita, como é o caso dos Yanomami”, explicou.
Segundo ele, os povos indígenas têm uma hierarquia cultural de reinserção das crianças na própria comunidade que não é respeitada pela legislação.
“É muito fácil o Estado falar que a família abandonou o filho, mas é preciso apresentar as provas. Quando se esgotar todas as possibilidades de adoção dessa criança dentro da sua comunidade e no seu território indígena é que o Estado pode ser acionado. Essas crianças tem casa, tem família, tem sua roça, tem território, tem sua língua e merecem ser respeitados”, ressaltou Emerson.
Em nota, o Governo de Roraima diz que respeita os povos indígenas e as particularidades de cada etnia e cita que, quando a paciente gestante indígena se recusa a ficar com o recém-nascido e o mesmo se encontra sob o cuidado do Estado, o relatório sobre a criança é enviado ao Conselho Tutelar de Boa Vista e para a 1ª Vara da Infância e Juventude para que sejam adotadas as medidas de institucionalização.
A nota também afirma que o órgão judicial tenta viabilizar as chances de a criança ser acolhida por algum familiar, não havendo participação do Governo nesse processo.
A CNN também solicitou o posicionamento do Tribunal de Justiça de Roraima e aguarda resposta.