Cérebro bem preservado de 319 milhões de anos é descoberto dentro de fóssil de peixe
Material pode ser o mais antigo já descoberto do tipo; ao contrário de ossos e dentes duros, cientistas raramente encontram tecido cerebral – que é mole – preservado em fósseis de vertebrados
Uma varredura do crânio de um peixe fossilizado de 319 milhões de anos levou à descoberta do exemplo mais antigo de um cérebro de vertebrado bem preservado, lançando uma nova luz sobre a evolução inicial dos peixes ósseos.
O fóssil do crânio pertencente ao extinto Coccocephalus wildi foi encontrado numa mina de carvão na Inglaterra há mais de um século, segundo os investigadores do estudo publicado na quarta-feira (1º) na revista Nature.
O fóssil é o único espécime conhecido da espécie de peixe, então cientistas da Universidade de Michigan nos EUA e da Universidade de Birmingham no Reino Unido usaram a técnica de imagem não destrutiva da tomografia computadorizada (TC) para olhar dentro de seu crânio e examinar seu interior.
Ao fazer isso, veio uma surpresa. A imagem da tomografia mostrou uma “bolha não identificada”, disse um comunicado de imprensa da Universidade de Michigan.
O objeto 3D distinto tinha uma estrutura claramente definida com características encontradas em cérebros de vertebrados: era bilateralmente simétrico, continha espaços ocos semelhantes em aparência a ventrículos e tinha filamentos que se estendiam que se assemelhavam a nervos cranianos.
“Esta é uma descoberta tão emocionante e inesperada”, disse o coautor do estudo Sam Giles, paleontólogo de vertebrados e pesquisador sênior da Universidade de Birmingham, à CNN na quinta-feira (2), acrescentando que eles “não tinham ideia” de que havia um cérebro dentro quando decidiram estudar o crânio.
“Foi tão inesperado que demoramos um pouco para ter certeza de que realmente era um cérebro. Além de ser uma curiosidade de preservação, a anatomia do cérebro neste fóssil tem grandes implicações para a nossa compreensão da evolução do cérebro em peixes”, acrescentou.
Preenche “lacunas importantes” no conhecimento
C. wildi era um peixe primitivo com nadadeiras raiadas – possuindo uma espinha dorsal e barbatanas sustentadas por hastes ósseas chamadas “raias” – que se acredita ter de 15 a 20 centímetros de comprimento, nadava em um estuário e comia pequenos animais aquáticos e insetos aquáticos, segundo os pesquisadores.
Os cérebros dos peixes vivos com nadadeiras raiadas exibem características estruturais não vistas em outros vertebrados, principalmente um prosencéfalo que consiste em tecido neural que se dobra para fora, de acordo com o estudo. Em outros vertebrados, esse tecido neural se dobra para dentro.
C. wildi não possui essa característica marcante dos peixes com nadadeiras raiadas, com a configuração de uma parte de seu prosencéfalo chamada “telencéfalo” mais parecida com a de outros vertebrados, como anfíbios, aves, répteis e mamíferos, de acordo com os autores do estudo.
“Isso indica que a configuração do telencéfalo vista em peixes vivos com nadadeiras raiadas deve ter surgido muito mais tarde do que se pensava”, disse o principal autor do estudo, Rodrigo Tinoco Figueroa, estudante de doutorado no Museu de Paleontologia da Universidade de Michigan.
Ele acrescentou que “nosso conhecimento sobre a evolução do cérebro dos vertebrados é principalmente restrito ao que sabemos das espécies vivas”, mas “este fóssil nos ajuda a preencher importantes lacunas no conhecimento, que só poderiam ser obtidas a partir de fósseis excepcionais como este”.
Preservação do cérebro
Ao contrário de ossos e dentes duros, os cientistas raramente encontram tecido cerebral – que é mole – preservado em fósseis de vertebrados, de acordo com os pesquisadores.
No entanto, o estudo observou que o cérebro de C. wildi estava “excepcionalmente” bem preservado. Embora existam cérebros de invertebrados de até 500 milhões de anos que foram encontrados, eles são todos achatados, disse Giles, que acrescentou que esse cérebro de vertebrado é “o mais antigo cérebro fóssil tridimensional de qualquer coisa que conhecemos”.
O crânio foi encontrado em camadas de pedra-sabão. Baixa concentração de oxigênio, soterramento rápido por sedimentos de granulação fina e uma caixa craniana muito compacta e protetora desempenharam papéis importantes na preservação do cérebro do peixe, de acordo com Figueroa.
A caixa craniana criou um microambiente químico em torno do cérebro fechado que poderia ter ajudado a substituir seu tecido mole por um mineral denso que manteve os detalhes finos das estruturas 3D do cérebro.
Giles disse: “Os próximos passos são descobrir exatamente como características tão delicadas como o cérebro podem ser preservadas por centenas de milhões de anos e procurar mais fósseis que também preservem o cérebro”.