Temporada de balanços começa em meio a caso Americanas; veja calendário
Demonstrações financeiras com resultados do quarto trimestre e do ano de 2022 devem trazer impactos da alta dos juros, da valorização das commodities e de uma economia desacelerada, dizem especialistas
A temporada de balanços financeiros das empresas de capital aberto na bolsa de valores começa em meio ainda aos desdobramentos do caso da Americanas, uma das maiores e mais antigas varejista brasileira que, em 11 de janeiro, divulgou fato relevante sobre inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões em suas planilhas, o que resultou na abertura de um processo de recuperação judicial e dívidas reportadas de R$ 43 bilhões.
Segundo especialistas consultados pela CNN, o fator Americanas vai deixar investidores mais sensíveis às demonstrações contábeis da companhias, além de voltarem a atenção para aquelas mais sensíveis à taxa de juros alta.
O momento de desaceleração do varejo e o fortalecimento do minério de ferro também deve ficar no radar dos investidores neste início de ano, com base nas demonstrações do fim de 2022 apresentadas pelas companhias ligadas a esses setores.
Na quinta-feira (26), a Cielo iniciou o período de divulgações financeiras. A partir desta semana, começando pelo Santander, tem início a rodada dos bancos – Itaú, Bradesco e Banco Pan.
Veja a lista completa com as datas de divulgação de demonstrações financeiras das empresas que compõem a carteira do Ibovespa em 2023:
Cielo abre a temporada
O primeiro balanço do 4º trimestre de 2022, divulgado pelo Cielo, trouxe resultados operacionais satisfatórios na visão dos analistas de mercado. A empresa registrou lucro líquido recorrente de R$ 1,5 bilhão no ano passado inteiro, alta de 78,6% em comparação a 2021. Já em relação ao último trimestre de 2022, o avanço foi de 63,3% ante o mesmo período do ano anterior, com lucro de R$ 490,1 milhões.
“A Cielo finaliza o ano de 2022 demonstrando sua eficiência e capacidade operacional. Em nossa interpretação, de acordo com os consecutivos resultados positivos apresentados, o pior momento de sangria competitiva definitivamente já passou e o ano de 2023 deve ser de maior estabilidade”, destacaram os analistas do Banco do Brasil em documento aos investidores.
No entanto, especialistas ressaltaram que houve muita expectativa em relação à Cielo, o que é refletido na valorização de suas ações em 140% no ano passado, e isso pode ser sentido a curto prazo.
A Cielo fechou a sexta-feira (27), no primeiro pregão após a divulgação dos resultados, com queda de cerca de 2,5%, mesmo com registros positivos no quarto trimestre de 2022 e, consequentemente, no ano passado como um todo.
“O resultado que a Cielo apresentou foi bom, mas me parece que o mercado veio com muita expectativa, e isso pode acabar frustrando”, disse Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.
O mesmo é apontado por Alexandre Espírito Santo, economista-chefe e sócio da Órama Investimentos, que avaliou que a perspectiva de números ainda melhores pode ter custado as perdas da empresa na bolsa na sexta-feira (27).
Fator Americanas
A Americanas encerra a temporada de balanço das principais companhias abertas do país no dia 29 de março. E, apesar de suas ações terem sido excluídas do Ibovespa e dos outros 13 índices da B3, investidores continuam de olho nos comunicados da companhia e aguardam os resultados da empresa de 2022.
De acordo com os especialistas, as “inconsistências contábeis” que levaram à dívida de R$ 43 bilhões da Americanas farão com que os investidores fiquem mais atentos – e desconfiados – com as demonstrações dos resultados. Segundo eles, bancos e empresas de varejo devem ser as que mais vão sofrer com a “desconfiança”.
“Todo mundo vai passar a olhar os números com lupa, afinal todos foram pegos de surpresa. Após a porta ser arrombada, as pessoas começam a procurar onde os cadeados falharam. Portanto, as atenções vão aumentar significativamente, e acredito que as empresas de auditoria vão ter que buscar melhorar suas comunicações com o mercado”, avalia Espírito Santo.
Paulo Gala acrescenta que os acontecimentos recentes com a varejista podem impactar positiva e negativamente empresas do setor ou que estão envolvidas com as operações de “risco sacado”.
Na segunda-feira (23), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) questionou empresas de capital aberto sobre o modo como elas têm lidado com as operações de “risco sacado”.
“Neste ponto, vale destacar que boas empresas acabam sendo prejudicadas pela desconfiança do mercado, enquanto outras acabam ganhando por ocupar o espaço deixado pela Americanas, como é o caso da Magazine Luiza”.
A Magazine Luiza teve valorização de mercado subir R$ 8,8 bilhões, contando a partir do dia em que foi divulgado o fato relevante da Americanas apontando o rombo de R$ 20 bilhões em suas contas até a quarta-feira (25), segundo levantamento da TradeMap.
De olho nos bancos
Os analistas acreditam que, por um lado, as instituições financeiras devem registrar bons ganhos neste último trimestre de 2022 devido aos juros altos, mas, por outro, as perspectivas podem não ser das melhores em razão dos desdobramentos do caso Americanas.
“Como resultado do último período do ano passado, os bancos não terão impacto com relação a Americanas. Mas, a partir do primeiro trimestre de 2023, a coisa muda e eles devem sofrer”, afirmou Paulo Gala.
Flávio Conde, analista de Ações da Levante Ideias de Investimentos, diz que passa a ter uma dúvida sobre os bancos, se eles vão conceder ou não provisões para devedores duvidosos depois do que houve com a Americanas, uma das principais empresas do país e com acionistas majoritários respeitados e conhecidos.
“Vai haver um questionamento com todos a partir de agora. Vão querer entender como isso aconteceu, e, provavelmente, as instituições devem falar que questionavam a Americanas, mas a resposta que tinham era de que a dívida estava aumentando porque o banco em questão estava sendo priorizado em relação aos demais”, argumentou.
Commodities
Espera-se que o setor de commodities traga resultados positivos para o segmento de mineração – que registra uma trajetória de alta nos preços do minério de ferro, principalmente com a reabertura da China.
“A Vale deve apresentar um resultado bom, em linha com o que foi o resto do ano, nem muito melhor, nem prior. Já em relação às commodities agrícolas, o cenário é outro, provavelmente com um resultado apertado devido à demanda menor dos EUA por conta da desaceleração da economia”, adianta Flávio Conde, da Levante..
Mas Conde ressalta que, ainda que a reabertura da China tenha começado em novembro, a volta do país asiático aos negócios massivamente ocorre agora em janeiro, o que deve pesar mais no primeiro trimestre de 2023, e não no último de 2022.
Varejo
Já o varejo está em situação distinta das commodities, enfrentando a dura realidade imposta pelos juros elevados. “A notícia mais clara neste primeiro momento para prestar atenção é a desaceleração do setor de serviços, o que deve refletir em resultados mais fracos de algumas empresas ligadas ao setor”, diz Conde.
Para Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, o recuo de indicadores como o IBC-Br e as vendas no varejo corroboram a visão de que empresas ligadas diretamente a essas atividades devem reportar impactos.
“É preciso trabalhar com o arrefecimento da economia, com um PIB no ‘0 a 0’, e levando em consideração a política mais contracionista do Banco Central para controlar a inflação, mantendo os juros altos”, destacou Espírito Santo, da Órama.
Considerado a “prévia do PIB”, o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) caiu 0,55% em novembro de 2022 na comparação com o mês anterior. Já as vendas do varejo recuaram 0,6% na passagem de outubro para novembro, segundo o IBGE.
Outros setores
Para as petroleiras, o balanço deve ter mais um viés positivo, disse Flávio Conde. Na visão do analista, PetroRio, PetroReconcavo e 3R Petroleum provavelmente apresentarão bons resultados em razão da expansão da produção. Já a Petrobras deve manter números semelhantes aos do 3º trimestre do ano, segundo Conde.
Contudo, o analista avalia que o ambiente não é tão favorável para os setores de siderurgia, com um dos anos mais fracos para o preço do aço da história, lembra ele. Cenário negativo também é enfrentado pelas empresas de papel e celulose, que sofrem com a redução da demanda dos Estados Unidos.