Já se questionou se é um adulto? Especialistas explicam sensação
Definições de vida adulta passam por nuances como equilíbrio financeiro, mudanças de perspectiva e de comportamento e de relacionamentos
Morar sozinho. Ter um carro. Casar. Quando ainda somos crianças e adolescentes, a ideia que temos de nós mesmos como adultos pode ser bem diferente da realidade. Após o término da adolescência, a fase de “jovem adulto” reúne um conjunto de vivências como a faculdade, estágios e a inserção no mercado de trabalho.
Com a correria do dia a dia, é possível entrar direto para a vida adulta sem perceber exatamente qual foi o ponto de transição. O conceito de “ser adulto” passa por nuances como equilíbrio financeiro, mudanças de perspectiva e de comportamento e de relacionamentos. Mas você certamente já se perguntou: será que sou mesmo um adulto?
A chamada “adolescência tardia” é quando adultos permanecem com sensação de idade mental de adolescentes, não passando por uma maturidade psicológica e inteligência emocional. Isso os leva a ter determinadas atitudes sociais que destoam do comum esperado para aquela idade.
A estudante de psicologia Julia Ravizzini, de 32 anos, de Niterói, no Rio de Janeiro, afirma que já teve a sensação de que não é uma adulta.
“Quando me deparo com algumas responsabilidades e obrigações que ainda não tive contato, como por exemplo, passar uma conta de luz para o meu nome ou quando pesquiso apartamentos para morar e não faço a menor ideia do processo burocrático ou do que é relevante para a tomada de decisão”, afirma.
Ela conta que, quando mais nova, imaginava a vida adulta um pouco diferente. “Eu não gostei de ser criança porque não tinha autonomia pra nada, então queria muito virar adulta pra fazer as coisas que eu queria fazer, correr atrás das minhas próprias experiências, me conhecer através delas. Eu não pensava muito na ‘parte chata’ e desafiadora”, conta.
A associação à vida adulta também está relacionada à autonomia financeira, estabilidade na carreira, mudança de casa, casamento ou filhos. Para Julia, essa referência começou a aparecer e se reforçar conforme ela foi amadurecendo.
Abandonei algumas graduações, comecei a fazer psicologia com 25 anos e era a idade que as minhas amigas estavam se formando, saindo de casa e seguindo a própria vida. Foi quando eu comecei a me comparar e me sentir ‘menos adulta’ por não ter uma carreira definida, ainda morar com minha mãe, não ter carteira de motorista e não ter experiências com burocracias que todas as minhas amigas já tiveram em algum momento
Julia Ravizzini, estudante de psicologia
“Além disso, o fato de eu ter muito menos capacidade para resolver problemas sozinha – tenho que pedir ajuda muitas vezes –, sou muito menos independente e autossuficiente do que eu achava que seria quando tivesse 32 anos também contribuem muito pra essa sensação de não ser adulta”, completa.
Para pessoas LGBTQIA+, a adolescência pode ser um problema ainda maior, como explica o psicólogo e especialista em Diversidade e Inclusão, Pedro Augusto Pinto.
“A adolescência é um momento de muitas transformações físicas, psíquicas, sociais e comportamentais. É um momento onde muitos adolescentes têm as suas primeiras experiências afetivo-sexuais, além da descoberta e transformações no corpo. Durante muito tempo a comunidade LGBTQIA+ ainda carecia de uma representatividade positiva na mídia e em outros espaços. Durante anos vimos nas histórias que essa comunidade trazia algo trágico ou cômico, o que normalmente não era retratado com outras sexualidades”.
De acordo com especialistas, as dificuldades enfrentadas por adolescentes LGBTQIA+, incluindo o medo do preconceito, contribuem para atrasos em experiências típicas do período da adolescência.
Afinal, o que é ser adulto?
Legalmente, adulto é aquela pessoa que atingiu seus 18 anos de idade. Do ponto de vista biológico, é aquele indivíduo que chegou ao ápice do seu crescimento e funções biológicas. No entanto, ser adulto também está ligado a questões emocionais, intelectuais e sociais. Por isso, muitas vezes, jovens adultos não se sentem efetivamente adultos.
Um estudo australiano de 2018, publicado na revista científica Lancet Child & Adolescent Health, afirma que a adolescência vai até os 24 anos. Cada vez mais, jovens têm se dedicado aos estudos, como graduação e pós-graduação, adiado casamentos e a constituição de uma família.
“É compreensível essa nova conformação considerando alguns contextos. Vemos que em algumas famílias os jovens têm saído mais tarde de casa, uma experiência significativa para o alcance da autonomia, responsabilidade e maturidade. No entanto, devemos refletir sobre as condições sociais, físicas e materiais de cada indivíduo, haja vista que em alguns contextos onde a maturidade vem mais cedo, seja por uma mudança de cidade, por causa dos pais ou por condições materiais, essa configuração [dos 24 anos] não se aplica”, avalia Marina Celestino Soares, psicóloga e mestre em Processos Cognitivos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Pesquisadores avaliam que a sensação de sentido de uma vida adulta também está associada a aspectos culturais e sociais de cada geração. Enquanto é mais comum para a geração Z e os millennials maior tempo dedicado à formação e aos estudos, gerações anteriores tiveram que se deparar com os desafios do mercado de trabalho mais cedo.
“Hoje, ainda temos uma superproteção dos pais, que não deixam os filhos ‘irem para o mundo’, então preferem que fiquem morando em casa e se dediquem aos estudos. O contato com o mercado de trabalho também influencia muito e muitos cursos de graduação ainda não proporcionam isso”, explica Denise Tardeli, psicóloga e doutora em psicologia escolar e desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP).
Especialistas explicam que o conceito de adulto é um sentimento que pode oscilar. Muitos jovens deixam a casa dos pais ou sua cidade natal em busca de um emprego ou estudo acabam se sentindo adultos para algumas ocasiões, como ir a festas, ter liberdade e morar sozinho, mas não têm esse sentimento quando precisam ir a um banco ou médico, por exemplo. De acordo com Denise, isso acontece muitas vezes por insegurança.
“Ser sozinho é diferente de ser solitário. Por isso, muitas vezes, mesmo morando só e tendo liberdade, ainda temos medo de fazer coisas burocráticas e acabamos chamando algum amigo para tirar um documento juntos ou fazer compras. Relações são fundamentais, só não podem se tornar algo obrigatório e que impeçam nossa independência”, afirma a psicóloga.
Medo do envelhecimento
O medo de envelhecer tem um nome técnico: gerascofobia. O problema, potencializado pela influência das redes sociais, pode gerar transtornos físicos e psicológicos.
O sentimento de angústia pode afetar pessoas de diversas idades, sendo mais comum no término do Ensino Médio, que marca um momento de decisão sobre o futuro, e entre os 35 e 40 anos, quando os indivíduos tendem a fazer um balanço das conquistas alcançadas e do que pode ter ficado definitivamente para trás.
A psicóloga Marina Soares detalha diferenças entre ser adulto e ter maturidade, que consiste no acúmulo de experiências vividas que proporcionam algum tipo de aprendizado e experiência.
“Ser adulto é um constante processo de amadurecimento de suas situações sociais, responsabilidades e autoconhecimento que, apesar de apresentarem marcadores físicos, é um processo fluido e dinâmico. Busque entender de quais formas é possível ganhar mais autonomia e se desafiar. Todos estão no caminho, por isso, busque aprender com quem já trilhou um pouco mais que você e se apodere desses ensinamentos, eles serão úteis”, afirma.
(Com informações de Gabriel Reis e Túlio Daniel do Portal Comunica UFU)