Roberto Dinamite e o tempo da delicadeza
Na despedida do maior da história do Vasco, o abraço de vencedores e vencidos lembra o país de que a civilidade é possível
A estátua fincada no gramado emula, os vídeos apresentam para os mais novos como eu, mas só quem viu tem certeza que, por mais de 700 vezes, seus braços em festa após um gol conseguiram tocar o céu e o sorriso realmente teve o tamanho do Maracanã inteiro.
Há um mundo antes e outro depois que Duque de Caxias (RJ) entregou Roberto Dinamite ao mundo para, como um navegador, conduzisse ele o Vasco da Gama pelos gramados do país.
O último ato dessa transformadora passagem se deu nesta terça-feira (10), quando Carlos Roberto, o Dinamite de tantos milhões de sorrisos, voltou a ser apenas “Calu” e foi sepultado ao lado dos pais em sua cidade natal.
Antes, em cerimônia histórica, todos os gritos de gol e de festa que ele provocou em vida viraram um uníssono “obrigado”. No país que digere todos os dias tanta destruição e desunião, Roberto uniu o Brasil e o Rio de Janeiro em tributo e saudade: da rede antiga do Maracanã, de um outro tipo de amor à camisa e de um tempo em que se brigava, existia rivalidade, mas não havia tanto ódio.
A despedida desta terça teve multidão e cortejo em Caxias, mas seu primeiro ato se deu em uma histórica segunda-feira em São Januário, o estádio do Vasco e morada de Roberto, imortalizado para sempre em bronze atrás de uma das balizas. Zico, o maior ídolo do Flamengo e tantas vezes rival de Dinamite, falou sobre a amizade de 50 anos dos dois.
Júnior, multicampeão pelo grande adversário vascaíno, abraçou a família. Ambos se emocionaram, relembraram histórias e contribuíram para comprovar que certo sempre está Paulinho da Viola (também presente em São Januário) quando canta e nos diz que “a vida não é só isso que se vê – é um pouco mais”.
Os recordes são muitos, mas ajudam a dar sua dimensão: no país de Pelé, Romário, Zico e tantos outros, é de Roberto Dinamite o recorde absoluto em número de gols no Campeonato Brasileiro, 190. Só ele no Vasco, o Rei, no Santos, e Rogério Ceni, no São Paulo, jogaram mais de 1.000 jogos com a mesma camisa –e depois do Atleta do Século, ninguém no Brasil marcou mais gols que ele jogando no mesmo time.
No Campeonato Carioca, que em sua época era tão disputado como a Copa do Mundo tantos eram seus craques, ele também é o maioral. Contra os rivais da cidade, absoluto: ninguém marcou mais que ele em clássicos.
Este jornalista chegou ao velório já perto dos momentos finais da cerimônia. Por certo que ombreei muitos homônimos do ídolo, batizados em sua intenção ao nascerem, ou que sob aquela chuva fina também tornaram-se Roberto por um dia, como se camisa, clube e torcida tivessem se fundido.
Esticando o pescoço em determinado momento vi, no meio da multidão, uma camisa em homenagem a um outro Roberto. A camisa 10 do Fluminense de Rivellino, também herói do Corinthians, em mais um sinal, de tantos reportados, do gigante respeito de rivais e adversários pelo Dinamite do Vasco.
“Depois de te perder; te encontro com certeza; talvez no tempo da delicadeza”, escreveu o tricolor Chico Buarque sobre o sentimento.
Roberto Dinamite e todo amor que recebeu, de quem derrotou e de quem o venceu, lembra o Brasil em sua despedida de que é possível um país um pouco mais civilizado e cortês –em que as cores escolhidas possam ser defendidas, sim, mas sempre com respeito e com um grande sorriso no rosto, na alegria e na dor.