O legado das eleições 2022 para o Brasil
Temas como até onde a Justiça pode ou deve interferir em narrativas políticas ou sobre o que é ou não fake news deverão ser analisados por ministros do TSE, estabelecendo parâmetros para próximos pleitos
É relativamente comum que episódios ocorridos em uma eleição sirvam como aprendizado para as disputas seguintes, seja pelos aspectos políticos, seja no âmbito do direito eleitoral, para não dizer da perspectiva histórica.
São as marcas que ficam de um processo que obrigatoriamente termina com vitoriosos e derrotados.
As eleições de 2022 não foram diferentes, mas, certamente, considerando todos os 14 pleitos nacionais ocorridos desde a redemocratização, seus impactos tendem a perdurar por muito mais tempo em comparação com disputas anteriores.
Dois aspectos nesse sentido precisam ser considerados. A utilização de fake news e da máquina pública como estratégia central de campanha.
No primeiro caso, ocorreu uma evolução da disseminação de desinformação em relação a outras eleições.
O que se via até então eram as clássicas mentiras utilizadas sem virem acompanhadas de uma forte estrutura digital para sua proliferação.
Em 2014, por exemplo, quando a campanha de Dilma Rousseff (PT) acusou Marina Silva (Rede) de encampar um programa de governo que resultaria em maior inflação, não havia por parte do petismo uma estratégia digital que acompanhasse a bem sucedida veiculação dos comerciais sobre o assunto na TV, muito menos filmetes em grupos de WhatsApp para levá-los a toda a população.
Ainda assim, a estratégia foi bem sucedida, e Marina derreteu na campanha.
Em 2018, o próprio contexto histórico de uma eleição pós-Operação Lava Jato ajudou o “outsider” Jair Bolsonaro (então no PSL) a se eleger com uma eleição de baixo custo, ainda que ali já houvesse um exército de apoiadores atuando nas redes sociais.
Em 2022, porém, o bolsonarismo já era uma estrutura de Estado, o que lhe permitiu uma força digital muito maior.
Para agravar a situação, a campanha oposicionista encontrou no deputado Andre Janones (Avante-MG) alguém disposto a promover uma contraestratégia que petistas nunca se arriscaram a fazer, devolvendo na mesma moeda os ataques de fake news que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sofria.
O resultado foi uma eleição em que assuntos alheios ao dia-a-dia do eleito, como canibalismo e satanismo, acabaram tomando conta da agenda (e dos trending topics das redes), ao passo que temais do país real como emprego, inflação, e fome foram muitas vezes colocados de lado.
Importante frisar que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — comandado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes — até que tentou, mas foi incapaz de, durante o processo eleitoral, de deter as fake news (Moraes é relator de inquéritos para combater milícias digitais).
O tema, porém, permanece na corte. E esse é o ponto pelo qual pode se ver algo positivo diante de tanta negatividade trazida à baila pelas eleições de 2022.
Isso porque a campanha de Lula ajuizou uma ação contra Bolsonaro apontando a existência de um ecossistema da desinformação.
Bolsonaro apresentará a contestação e certamente a corte utilizará a decisão como jurisprudência já para as próximas eleições.
Temas como até onde a Justiça (e, portanto, o Estado) pode ou deve interferir em narrativas políticas ou quem define o que é ou o que não é uma informação fraudulenta deverão entrar na análise dos ministros do TSE e, assim, estabelecer parâmetros para as próximas eleições.
Nesse mesmo sentido, também poderá a Corte dizer os limites da utilização da máquina pública em uma eleição.
É inconteste que o governo Bolsonaro abriu a caixa de ferramentas para tentar a reeleição, muitas vezes sob o argumento de que a população necessitava ter acesso a recursos e programas.
Pelo menos dez dessas medidas foram incluídas em outra ação judicial promovida pelo PT contra Bolsonaro.
Assim como na ação sobre as fake news, o TSE poderá também neste caso apontar até onde o estado pode ir nesses casos, ainda que no presente caso tenha havido a ajuda de outro poder, o Congresso Nacional, e da oposição, o próprio PT, para aprovar essas medidas.
Um pacote aprovado pelo Congresso com apoio da oposição, que claramente beneficia o incumbente em uma disputa eleitoral, pode ser configurado como abuso de poder político ou econômico? Estará aí, nesta resposta, outro legado das eleições de 2022.