Fernando Molica: Richarlison e a possibilidade de resgate da camisa da Seleção
Gols do craque que não vacila em dar opinião sobre temas como racismo e violência policial ajudam a pacificar a relação com a Amarelinha
A decisão de organizadores de atos golpistas de atacar a Copa do Mundo –temem que os jogos desmobilizem as manifestações diante de quartéis– e os gols de Richarlison, jogador de posições progressistas, começam a quebrar uma resistência de setores da esquerda à Seleção, particularmente, à camisa amarela tão identificada com manifestações bolsonaristas e com as que pediam o impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Uma prevenção ainda mais ampla que a registrada em 1970, no auge da ditadura.
Grupos armados de esquerda chegaram a promover reuniões para discutir a possibilidade de torcer contra o time nacional.
As jogadas de Pelé, os dribles gols de Jairzinho e os chutes de Rivellino trataram de derrubar, na prática, a posição desses setores mais radicais –vitórias da Seleção Canarinho eram comemoradas até no cativeiro do embaixador da Alemanha, Ehrenfried Von Holleben, sequestrado durante a Copa do Mundo e que seria libertado em troca da soltura de 40 presos políticos.
Para muitos dos eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), desta vez o sequestro foi da camisa amarela, que, de uns anos para cá, envergada por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), passou a aparecer no turbilhão de concentrações de brasileiros que, nas avenidas, cantavam refrões bem menos inocentes que os da marchinha “Florisbela”, citada no belíssimo samba “Camisa amarela”, de Ary Barroso.
Passado quase um mês do segundo turno, muitos continuam em nada indecisos cordões, desfilando na porta de quartéis com faixas golpistas na mão.
Mas aí começaram as mensagens no WhatsApp e no Telegram pedindo para que os aliados bolsonaristas não trocassem os atos pelas partidas da Copa. Houve até quem insinuasse que técnico Tite seria de esquerda (ele já deixou de convocar um jogador que não tinha completado o ciclo de vacinas contra a Covid).
E, na estreia da Seleção, houve os dois gols de Richarlison –um deles, espetacular.
Teve gente que identificou na foto do belíssimo voleio a formação da letra “L” pela perna e pelo braço direitos do artilheiro.
Em minutos, o tal “L” ganhou a companhia de letras que completavam o nome de Lula, o presidente eleito, em memes que pipocaram nas redes sociais.
Logo depois, brasileiros ficaram sabendo que Richarlison, diferentemente da grande maioria de seus colegas de Seleção, costuma se posicionar contra o racismo e a violência policial contra negros.
Também não ficou calado diante do desaparecimento do jornalista Dom Philips e o indigenista Bruno Pereira na Amazônia –assassinados, seus corpos foram encontrados dias depois.
“Quando tiver uma causa importante, eu sempre vou botar a cara, ainda mais jogando na Seleção e na Inglaterra”, declarou o craque numa antiga entrevista.
Destacou que fazia questão de aproveitar sua visibilidade para compensar a falta de “voz e vez” das pessoas que vivem de onde ele veio –teve uma infância pobre no Espírito Santo.
A atuação discreta do bolsonarista Neymar e a contusão que pode tirá-lo do próximo jogo aumentaram o protagonismo de Richarlison e o carinho de torcedores pelo novo xodó –os gols e suas posições fora de campo foram recebidos por muita gente como os incentivos que faltavam para liberar o amor até então contido pela Seleção brasileira.
Resta agora fazer as pazes com a camisa amarela. Num gesto de marketing político, Lula deu sua contribuição ao ver o jogo vestido com a amarelinha decorada com o 13 do PT.
Para muitos eleitores de esquerda, a camisa que deu à Seleção o apelido de Canarinho ainda está de castigo, como o protagonista da música de Ary Barroso, anda chumbada, atravessada, cambaleante.
Como se também tivesse voltado para casa ruim de fato, despertado mal-humorada, querendo partir pra briga.
No fim do samba, a pacificação doméstica é marcada pelo gesto do farrista de queimar a própria camisa amarela, testemunha de tantas estripulias.
Que não seja assim com a nossa Amarelinha. Símbolo de tantas conquistas, marco da possibilidade de união em um país desigual e, hoje, tão dividido, a camisa da Seleção Brasileira é nossa, de todos nós, que volte a ser bem-vinda. Citando mais uma vez Ary Barroso, ela é a tal.
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Alisson cumprimenta Mitrovic em jogo do Brasil contra a Sérvia pela Copa do Mundo no Catar • Reprodução/FSS
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Richarlison disputa bola contra Veljkovic em partida entre Brasil e Sérvia pela Copa do Mundo no Catar • Reprodução/FSS
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Neymar chuta bola sob os olhares de Tadic em jogo do Brasil contra a Sérvia pela Copa do Mundo no Catar • Lucas Figueiredo/CBF
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Vinícius Júnior tenta sair de marcação da Sérvia contra o Brasil em jogo pela Copa do Mundo no Catar • Lucas Figueiredo/CBF
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Thiago Silva procura espaços em jogo do Brasil contra a Sérvia pela Copa do Mundo no Catar • Lucas Figueiredo/CBF
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Richarlison corre para receber a bola em jogo do Brasil contra a Sérvia pela Copa do Mundo no Catar • Lucas Figueiredo/CBF
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Richarlison corre para comemorar gol do Brasil contra a Sérvia pela Copa do Mundo no Catar • Lucas Figueiredo/CBF
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Richarlison comemora gol do Brasil contra a Sérvia pela Copa do Mundo no Catar • Lucas Figueiredo/CBF
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Richarlison comemora gol do Brasil contra a Sérvia pela Copa do Mundo no Catar imitando um pombo • Lucas Figueiredo/CBF
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Alex Sandro corre com a bola em jogo do Brasil contra a Sérvia pela Copa do Mundo no Catar • Lucas Figueiredo/CBF
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Richarlison chuta de voleio para marcar o segundo gol do Brasil contra a Sérvia • Yukihito Taguchi/USA TODAY Sports
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Seleção Brasileira comemora gol de Richarlison contra a Sérvia em jogo pela Copa do Mundo no Catar • Lucas Figueiredo/CBF
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Neymar recebe atendimento em campo durante partida entre Brasil e Sérvia • Kai Pfaffenbach/Reuters