Racismo motiva pessoas negras a montar o próprio negócio, aponta pesquisa
62% dos entrevistados já sofreram algum tipo de discriminação racial ou racismo no mercado de trabalho. É o que mostra uma pesquisa do Google em parceria com a Box 1824, feita entre julho e outubro deste ano.
O preconceito no mercado de trabalho influencia diretamente na decisão de pessoas negras na criação de um negócio próprio. 92% dos respondentes negros disseram que esse cenário pesou na iniciativa. Ao todo, 1.000 empreendedores de todo o Brasil participaram da pesquisa, sendo 500 deles brancos e 500 negros (somando pretos e pardos que se identificam como afrodescendentes).
A gerente de Marketing para Pequenas e Médias empresas no Google e fundadora do AfroGooglers, Christiane Silva Pinto, diz que o afroempreendedorismo é fruto de um Brasil que exclui os negros do mercado de trabalho, mas não só isso. “O afroempreendedorismo também é fruto da necessidade de sobrevivência. No cenário brasileiro, empreender não é uma conversa apenas sobre negócios, fato que também se comprova na pesquisa”, afirma.
Ainda segundo o estudo, “#CoisaDePreto: uma pesquisa sobre a real jornada dos afroempreendedores brasileiros”, 41% dos entrevistados negros cresceram em lares onde o chefe de família tinha estudado apenas até o ensino fundamental. Já entre os brancos, 38% cresceram em lares em que a pessoa responsável pela família tinha nível superior completo ou mais.
“Vale ressaltar que decidir começar a empreender não livra os empreendedores negros do racismo – escutamos, inclusive, histórias de empresários negros que, em princípio, não são reconhecidos como donos em eventos públicos. Empreender, então, se desenha como uma das vias de oportunidade que a pessoa negra encontra diante de muitas dificuldades de entrar e se manter em um cargo de liderança no mercado de trabalho”, ressalta Christiane.
Presente e futuro
Iniciar o próprio negócio é um passo, o outro é mantê-lo. Para a fundadora do AfroGooglers, a pessoa negra tem mais dificuldade de manter o próprio empreendimento. “Atualmente, a maioria (brancos 85%, negros 84%) afirmam que um aporte financeiro seria o que mais ajudaria a superar os desafios, porém o sistema de crédito, todo ancorado em ‘scores’ (termo usado para indicar para o mercado se a pessoa é um bom pagador), é mais cruel com as pessoas negras. Nosso estudo confirmou essa dor com 28% dos afroempreendedores apontando que conseguir crédito/financiamento é um dos maiores desafios, enquanto apenas 21% dos brancos têm esta percepção”, explica.
O estudo também mostrou que, apesar das dificuldades financeiras e do impacto da pandemia nos negócios, a maioria se mantém otimista com a retomada econômica — 73% dos entrevistados negros e 74% dos brancos acham que seus negócios vão crescer nos próximos meses. Destaque para 45% dos negros que acreditam que vai crescer muito.
Os maiores desafios dos empreendedores brasileiros de acordo com os dados são: atrair ou manter os clientes e lidar com a imprevisibilidade das vendas, ou seja, a flutuação do caixa.
Recorte de gênero
Outra realidade é a diferença entre os gêneros – 55% das mulheres empreendedoras não têm nenhum funcionário, mesmo que informal ou eventual. Para eles, essa proporção cai para 46%, uma diferença de 9%. Eles também estão mais conectados aos grupos que fazem parte do bairro ou região onde vivem. 40% dos entrevistados negros têm funcionários que moram na mesma região ou bairro.
O sentimento de solidão no negócio atinge 39% delas, que deram notas de 1 a 6 (para 1 significando ‘me sinto totalmente sozinho’). Entre os homens, 38% deram notas 9 ou 10 (para 10 o significado é ‘não me sinto nada sozinho’).
Papel das empresas na diversidade e inclusão
Para Christiane, as grandes instituições possuem um papel fundamental, seja para apoiar os funcionários ou fortalecer a diversidade e inclusão. Para que isso aconteça, ela destaca que é preciso focar em programas de aceleração, cursos e treinamentos.
“Os debates sobre o tema estão avançando nas organizações e conquistando cada vez mais o engajamento das lideranças, que já entenderam o papel central da diversidade, equidade e inclusão para a sustentabilidade dos negócios. Avançamos muito nos últimos anos, especialmente em relação a processos seletivos e à entrada de profissionais negros, porém ainda há muito a se fazer no quesito progressão de carreira e continuidade desses talentos”, finaliza.