Talibã ordena aplicação de lei no Afeganistão que pode incluir execuções públicas
Interpretação do grupo sobre a Sharia, a lei islâmica, incluiu punições violentas na época em que o Talibã dominou o país, entre 1996 e 2001
O Talibã ordenou aos juízes no Afeganistão que apliquem plenamente a sua interpretação da Sharia, a lei islâmica, incluindo possíveis execuções públicas, amputações e castigos de flagelação. A medida é temida por especialistas, pois pode levar a uma maior deterioração dos direitos humanos no país.
O porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, disse que o líder supremo do Afeganistão, Alaiqadar Amirul Momineen, emitiu a ordem “obrigatória” após uma reunião com juízes para “investigar os casos de ladrões, sequestradores e rebeldes”.
“Os casos que cumprirem todas as condições da Sharia de limitação e retribuição são obrigados a emitir tal limitação e retribuição, porque esta é a ordem da Sharia… e é obrigatório agir”, tuitou Mujahid no domingo (13).
Kaheld Abou El Fadl, professor de Direito Islâmico na UCLA e uma das principais autoridades mundiais sobre a lei islâmica, afirmou à CNN que existe um vasto debate sobre a lei da Sharia e diversas interpretações de seu significado.
“Para cada ponto da lei, você vai encontrar 10 opiniões diferentes… A Sharia é muito aberta”, explicou.
Na jurisprudência islâmica, a lei da Sharia significa a “busca da vontade divina”, disse El Fadl à CNN. “Embora, tanto nos discursos ocidentais quanto nos nativos, seja comum utilizar a Sharia de forma intercambiável com a lei islâmica, a Sharia é um conceito muito mais amplo e abrangente, de acordo com uma declaração do site de El Fadl.
A implementação linha-dura da doutrina pelo Talibã quando o grupo esteve no poder pela última vez, entre 1996 e 2001, incluiu punições violentas, tais como execuções públicas, apedrejamento, flagelações e amputações.
El Fadl disse ainda que, nos 1.400 anos de tradição da Sharia, essas punições raramente foram aplicadas, porque a maioria dos juristas islâmicos ao longo da história não interpretou a lei da mesma maneira que o Talibã faz atualmente. “O Talibã tem uma abordagem particular da Sharia que não se pode ignorar”, acrescentou El Fadl. “Qualquer um que não se encaixe em sua definição pode ser possivelmente condenado à morte”.
Após tomarem o poder em agosto passado, os talibãs tentaram projetar uma imagem mais moderada para obter apoio internacional. Porém, nos meses seguintes, o grupo restringiu direitos e liberdades.
As mulheres no Afeganistão já não podem mais trabalhar na maioria dos setores e precisam de um tutor masculino para viagens de longa distância, e as meninas foram impedidas de voltar ao ensino médio.
Na semana passada, as mulheres também foram impedidas de entrar em parques de diversões na capital Cabul, depois do ministério da moralidade do Talibã ter dito que o acesso das mulheres aos parques públicos seria restrito.
Durante o primeiro período do grupo no poder, os talibãs baniram a maioria dos tipos de música como sendo não islâmica e, em agosto, em reflexo dessa política, o cantor popular afegão Fawad Andarabi foi tirado à força de sua casa e morto.
Farhan Haq, porta-voz adjunto do Secretário-Geral das Nações Unidas, disse à CNN que o anúncio recente do Talibã sobre a lei da Sharia era “preocupante”.
“Desde que assumiram como autoridade de fato, esperamos que cumpram sua promessa de acatar os compromissos de direitos humanos assumidos no Afeganistão”, comentou Haq. “Eles não têm cumprido esses compromissos. Continuaremos a pressioná-los nesse sentido. Somos contra a pena de morte em todas as suas formas”.
A situação de segurança no país também se deteriorou desde o retorno do grupo ao poder no ano passado, com a nação cada vez mais isolada e empobrecida.
Quase metade do país passa fome, de acordo com as Nações Unidas. Estima-se que 43% da população do Afeganistão viva com menos de uma refeição por dia, sendo que 90% dos afegãos afirmam que a alimentação é sua principal necessidade, segundo relatório de maio do Comitê Internacional de Resgate.