Biden e Xi tentam evitar uma nova Guerra Fria em reunião presencial
Líderes se reuniram cara a cara pela primeira vez desde que o norte-americano se tornou presidente
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, teve uma conversa de três horas nesta segunda-feira (14) com o líder chinês Xi Jinping, no primeiro encontro presencial entre os dois desde que Biden assumiu o cargo, em 2021. Era a oportunidade que ambos os lados pareciam esperar para tentar melhorar as deterioradas relações entre os governos norte-americano e chinês.
Após a conversa, Biden disse a repórteres que estava “aberto e sincero” com Xi sobre os diversos assuntos em que Pequim e Washington discordam. Ele lançou dúvidas sobre uma invasão iminente da China no governo autônomo de Taiwan e parecia esperançoso que sua mensagem em torno da prevenção de um conflito total entre os dois países havia sido recebida.
Ainda assim, o presidente dos EUA foi franco ao dizer que ele e Xi não chegaram nem perto de resolver a série de questões que ajudaram a levar o relacionamento EUA-China ao seu ponto mais baixo em décadas.
“Não estou sugerindo que isso seja kumbaya”, disse Biden, usando uma expressão comum da política norte-americana para afirmar que as questões não serão encaradas e resolvidas de forma superficial. “Mas não acredito que haja necessidade de preocupação, pois um de vocês [repórteres] levantou uma questão legítima: uma nova Guerra Fria.”
Biden entrou nas negociações desta segunda-feira esperando uma oportunidade de fazer um balanço com Xi sobre o relacionamento bilateral mais importante do mundo. Ele descreveu Xi não como excessivamente conflituoso, mas “do jeito que ele sempre foi: direto e reto”.
“Ele foi claro, e eu fui claro sobre a nossa defesa dos interesses e valores americanos. Promoveremos os direitos humanos universais, defenderemos a ordem internacional e trabalharemos em sintonia com nossos aliados e parceiros”, disse Biden. “Vamos competir vigorosamente, mas não estou procurando conflito.”
Em um sinal de que os dois homens chegaram à reunião na esperança de melhorar o relacionamento azedo, Biden anunciou que seu secretário de Estado, Antony Blinken, visitaria a China e disse que as autoridades de cada país começariam a trabalhar juntos para resolver os problemas.
A Casa Branca informou, em um comunicado após a reunião, que Biden levantou preocupações sobre os direitos humanos e as provocações da China em torno de Taiwan. Mas eles encontraram pelo menos uma área de aparente acordo: que as armas nucleares não podem ser usadas na Ucrânia enquanto esse país está tentando combater uma invasão russa.
“O presidente Biden e o presidente Xi reiteraram seu acordo de que uma guerra nuclear nunca deve ser travada e nunca pode ser vencida”, disse o comunicado da Casa Branca, referindo-se à ameaça do uso de armas nucleares na Ucrânia.
Biden destacou áreas de potencial cooperação com Xi, inclusive sobre mudança climática, em negociações que se estenderam além do tempo esperado em um hotel de luxo em Bali.
E ele tentou convencer Xi de que uma Coreia do Norte com armas nucleares não era do interesse da China – particularmente porque mais testes de mísseis nucleares ou de longo alcance por Pyongyang poderiam levar Biden a aumentar a presença militar americana na região.
“É difícil determinar se a China tem ou não capacidade” de convencer Kim Jong Un a desistir de seus testes, disse Biden. “Estou confiante de que a China não está procurando que a Coreia do Norte se envolva em outros meios de escalada.”
‘Bom te ver’
A reunião começou no final da tarde, com Biden e Xi caminhando um em direção ao outro de lados opostos de um saguão de hotel e apertando as mãos em frente a uma fileira de bandeiras dos EUA e da China. Eles sorriram para as câmeras e Xi – por meio de um tradutor – apareceu para dizer: “Bom te ver”.
“Como líderes de nossas duas nações, compartilhamos a responsabilidade, na minha opinião, de mostrar que a China e os Estados Unidos podem administrar nossas diferenças, impedir que a concorrência se torne algo próximo de um conflito e encontrar maneiras de trabalhar juntos em questões globais urgentes que exigem nossa cooperação mútua”, disse Biden quando as negociações começaram.
“O mundo espera, acredito, que a China e os Estados Unidos desempenhem papéis-chave na abordagem dos desafios globais”, disse ele.
Falando depois, Xi parecia oferecer o que poderia ser interpretado como uma mensagem direta para seu colega, que passou mais de meio século no cenário mundial.
“Um estadista deve pensar e saber para onde liderar seu país”, disse Xi por meio de um tradutor. “Ele também deve pensar e saber como se dar bem com outros países e com o mundo em geral.”
As conversas dos dois líderes na segunda-feira podem ter consequências que se estendem por meses ou até anos, à medida que as maiores economias do mundo se voltam para relações cada vez mais hostis.
Os momentos passados juntos à margem da cúpula do Grupo dos 20 aqui representarão apenas uma fração do tempo que os dois homens estiveram na companhia um do outro desde 2011. Biden afirmou que, como vice-presidente, passou mais de 70 horas com Xi e viajou 17.000 milhas com ele pela China e pelos Estados Unidos – estimativas exageradas, mas que refletem um relacionamento que agora é talvez o mais importante do planeta.
China alerta EUA para não cruzar ‘linha vermelha’ sobre Taiwan
Xi afirmou que Taiwan é a “primeira linha vermelha” que “não deve ser cruzada” nas relações China-EUA, de acordo com o comunicado do Ministério das Relações Exteriores da China.
Referindo-se à “questão Taiwan” como “o cerne dos interesses centrais da China” e “a base da fundação política” das relações China-EUA, Xi afirmou que a paz e a estabilidade no estreito de Taiwan e a “independência de Taiwan” são “tão irreconciliáveis como água e fogo”.
O Partido Comunista da China há muito reivindica a democracia autogovernada de 24 milhões como parte inseparável de seu território, apesar de nunca tê-lo governado, e prometeu recuperá-la – pela força, se necessário.
Na reunião, Xi afirmou que as normas básicas das relações internacionais e os três comunicados conjuntos sino-americanos – que abordam a questão de Taiwan – são a “mais importante barreira e rede de segurança” para as relações bilaterais e são “de vital importância” para os dois lados para “gerenciar diferenças e desacordos e evitar confrontos e conflitos”.
“Esperamos que o lado dos EUA combine suas palavras com ação e cumpra a política de uma só China e os três comunicados conjuntos. O presidente Biden disse em muitas ocasiões que os EUA não apoiam a “independência de Taiwan” e não têm intenção de usar Taiwan como ferramenta para buscar vantagens na concorrência com a China ou para conter a China. Esperamos que o lado dos EUA aja de acordo com essa garantia com efeito real”, de acordo com o comunicado.
Xi também defendeu os registros de direitos humanos e o sistema de governança da China, dizendo que a China tem uma “democracia ao estilo chinês” que se encaixa em suas condições nacionais, de acordo com o comunicado. Ele reconheceu as diferenças entre a China e os EUA, mas enfatizou que elas não devem se tornar “um obstáculo para o crescimento das relações” entre os dois países.
“A nação chinesa tem a orgulhosa tradição de se defender. A repressão e a contenção apenas fortalecerão a vontade e aumentarão o moral do povo chinês”, dizia a leitura.
Um encontro há muito tempo em construção
A reunião de segunda-feira ocorreu em um momento notavelmente baixo nos laços EUA-China. Biden esperava que ficar cara a cara novamente depois de quase dois anos se comunicando apenas por telefone e videoconferência poderia produzir um resultado estrategicamente mais valioso, mesmo que tenha entrado nas negociações com pouca expectativa de que elas resultem em algo concreto.
As relações se deterioraram rapidamente em meio a disputas econômicas e um impasse cada vez mais militarizado sobre Taiwan. As tensões levaram a um declínio na cooperação em áreas onde os dois países compartilhavam interesses comuns, como no combate às mudanças climáticas e na contenção do programa nuclear da Coreia do Norte.
Em um documento de estratégia de segurança nacional divulgado no mês passado, Biden pela primeira vez identificou a China como o “desafio geopolítico mais consequente da América” e escreveu que o país era o “único concorrente com a intenção de reformular a ordem internacional e, cada vez mais, o poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para avançar nesse objetivo”.
Quase não havia expectativa entre as autoridades americanas de que qualquer uma dessas questões pudesse ser resolvida simplesmente colocando Biden e Xi na mesma sala. Apenas organizar a reunião em si exigia que as autoridades americanas e chinesas estabelecessem linhas de comunicação depois que Pequim cortou furiosamente a maioria dos canais após a visita da presidente da Câmara Nancy Pelosi a Taiwan no verão.
“Todos os assuntos associados a esta reunião, de telefonemas a logística, foram cuidadosamente considerados, negociados e engajados entre os dois lados”, disse um alto funcionário do governo dos EUA.
O planejamento para a reunião de segunda-feira antecedeu a viagem de Pelosi, e as discussões continuaram entre autoridades americanas e chinesas, apesar do furor de Pequim. O processo foi “sério, muito sustentado e profissional nas melhores tradições da diplomacia EUA-China”, disse o funcionário.
Um segundo funcionário reconheceu que as negociações que marcaram o encontro nem sempre foram amigáveis.
“Não vou dizer que as conversas não foram contenciosas porque obviamente há muitas áreas em que temos diferenças e desafios”, disse o funcionário. “As dezenas de horas que passamos conversando com nossos colegas chineses definitivamente trouxeram à tona muitas dessas questões.”
De sua parte, Biden leva reuniões como essa “incrivelmente a sério” e lê bastante antes. Em reuniões com conselheiros, ele percorre vários cenários de como a reunião pode ser.
“Ele passa por ‘se isso acontecer, então devemos lidar com isso dessa maneira'”, disse o primeiro funcionário. “Ele entende que esta é, em muitos aspectos, a relação bilateral mais importante. É sua responsabilidade gerenciá-lo bem e ele leva isso muito, muito a sério.”
Autoridades disseram na reunião de segunda-feira que esperavam que os conselheiros mais graduados de Biden o acompanhassem como parte de sua delegação oficial.
E eles disseram que esperavam que Xi se cercasse da mesma forma com os principais assessores, embora a equipe dos EUA tenha entrado na reunião esperando ver alguns novos rostos do lado chinês em meio a uma transição em andamento dentro do círculo interno de Xi.
Biden e Xi entraram na reunião impulsionados internamente
Para Xi, a viagem a Bali também marcou uma de suas primeiras viagens ao exterior desde o início da pandemia de Covid, que levou o governo chinês a impor bloqueios rígidos e restrições draconianas. O ressurgimento de Xi no cenário do mundo físico também vem logo após o Congresso do Partido Comunista da China em Pequim, onde ele garantiu um terceiro mandato como líder.
Mesmo uma semana atrás, a maioria dentro da Casa Branca esperava que Biden entrasse nas negociações comparativamente enfraquecido pelas perdas democratas nas eleições de meio de mandato.
Mas resultados melhores do que o esperado para os democratas deixaram o presidente com a sensação de estar entrando em suas reuniões esta semana com o vento nas costas, de acordo com os principais assessores.
“Sei que estou chegando mais forte, mas não preciso disso”, disse Biden, no sábado (12), sobre suas próprias vitórias políticas.
Autoridades dos EUA que analisaram previamente a reunião enfatizaram que o governo Biden não pretende sair dela com “entregáveis” específicos, incluindo uma declaração conjunta listando áreas de potencial cooperação. Em vez disso, o cenário visa oferecer a Biden e Xi uma oportunidade significativa de compartilhar melhor as metas e perspectivas de seus respectivos países.
“Xi não é um enigma para o presidente Biden”, disse um alto funcionário do governo à CNN. “Ele o conhece. E ele está atento para onde Xi está tentando levar a China. Ele vê a China como um concorrente e se sente confiante de que os EUA podem vencer essa competição”.
O isolamento da China na era da pandemia, dizem autoridades dos EUA, tornou relativamente mais difícil nos últimos anos ler as intenções de Pequim no exterior, já que Xi se recusou a viajar para fora da China. Mas eles acreditam que tudo está prestes a mudar.
“Podemos esperar que eles sejam mais assertivos no cenário mundial, mas é difícil saber o que isso significa agora”, disseram as autoridades.
Sullivan disse nesta semana que a substituição das videochamadas da era da pandemia por uma reunião presencial pela primeira vez desde que Biden assumiu o cargo “leva a conversa a um nível estratégico diferente e permite que os líderes explorem com mais detalhes o que cada um eles veem em termos de suas intenções e prioridades”.
*Com informações de Phil Mattingly, Wayne Chang, Betsy Klein e Allison Malloy