Conselho para quem clama por ditadura militar no Brasil: vá para Cuba ou Venezuela
Ao pedirem intervenção diante de quartéis, manifestantes deixam evidente a intenção de um golpe
As dezenas de milhares de bolsonaristas que têm ido às portas de quartéis pedir golpe militar deveriam, por um mínimo de coerência, retirar as críticas que, durante a campanha, fizeram a ditaduras como as implantadas em Cuba, Venezuela e Nicarágua.
O caso da Venezuela é exemplar: lá, como desejam os golpistas daqui, militares sustentam o governo, têm grande poder, controlam setores estratégicos da economia e até a distribuição de alimentos e diversos produtos.
A oposição tem atuação limitada, eleições são manipuladas, e, graças a medidas tomadas pelo então presidente Hugo Chávez, a Corte Suprema virou um apêndice do Poder Executivo. Ah, na Venezuela a gasolina é baratíssima: tem um preço simbólico.
Falando de maneira clara: esses manifestantes se comportam como vivandeiras de quartéis –para usar a definição do marechal Castello Branco, primeiro presidente da ditadura implantada em 1964. Inconformados com a derrota nas urnas, querem a implantação de uma nova ditadura no país.
Não adianta usar eufemismos como “intervenção militar” ou “intervenção federal”. Se os referidos manifestantes de extrema direita têm dúvidas ou suspeitas sobre o resultado das urnas deveriam levar seus protestos aos tribunais eleitorais, ou mesmo, casas legislativas. Ao optarem pelo plantão diante de comandos militares eles revelam o que querem.
Também cometem infração legal. O artigo 286 do Código Penal prevê punições para os que incitem publicamente a prática de crimes. O parágrafo único do mesmo artigo é claro: “Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.
Já abandonada por suas óbvias pretensões golpistas, a expressão “intervenção militar” foi substituída pela tal da “intervenção federal”, algo que não faz o menor sentido. De acordo com a Constituição, a União pode, em determinadas condições, intervir em estados e no Distrito Federal –mas não pode intervir em si mesma.
É impensável a possibilidade de um governo decretar a intervenção no próprio governo – isso, pela lógica constitucional e democrática. A menos que houvesse um autogolpe, como o aplicado no Peru em 1992 pelo então presidente Alberto Fujimori, que, com o gesto, fechou o Congresso e a Suprema Corte e transformou-se em ditador.
Em 1996, da tribuna da Câmara, o então deputado Jair Bolsonaro (atualmente no PL) elogiou Fujimori e protestou contra a decisão dos presidentes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) de não o encontrá-lo em sua visita ao Brasil. O hoje presidente brasileiro chegou a defender a implantação, pelo peruano, de programa de planejamento familiar que incentivava a laqueadura de trompas e a vasectomia. Fujimori foi acusado de ter forçado a esterilização de 236 mil mulheres.
Ao clamarem por um golpe de Estado, os manifestantes revelam desprezo pela democracia e pelo resultado das urnas. Mais: demonstram que não confiam na capacidade de a sociedade brasileira escolher os próprios caminhos. Inseguros, carentes, recorrem a uma espécie de paizão autoritário para que este resolva as questões nacionais.
Querem alguém que dê ordens, que, como todo bom pai autoritário –defina horário de almoçar e jantar, que defina normas de comportamento social, que não admita supostos desvios, que reprima perigosos desejos de transgressão. Afasta de mim esses medos, pai –parecem clamar.
Ao invés de bater às portas de quartéis, esses manifestantes deveriam buscar ajuda a psicólogos e terapeutas. Quem sabe se, assim, aprenderiam a conviver melhor com seus desejos e limitações, e a perder. Talvez, enfim, tomassem consciência de que a lógica religiosa do bem e do mal não deve ser transplantada para a atividade política.
E, se não quiserem repensar as próprias atitudes e visões de mundo, só resta devolver a esses golpistas o mesmo conselho provocativo que eles, nos últimos anos, deram para pessoas de esquerda: que tratem de ir para Cuba, Venezuela ou Nicarágua. Nesses países, encontrarão governos ditatoriais e não democráticos, do jeito que indicam gostar (podem também optar pela Hungria, Polônia, governadas por extremistas de direita).