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    Guerra na Ucrânia se intensifica: veja o que esperar dos efeitos para a economia

    Tensão maior no Leste Europeu reflete no fornecimento de energia para a Europa e no preço do petróleo, além de levar os ucranianos à busca de empréstimos e aumentar a aversão a risco dos investidores no mundo

    Fabrício Juliãodo CNN Brasil Business , em São Paulo

    A guerra entre Rússia e Ucrânia se intensificou nas últimas semanas, com novos ataques aéreos, explosões e acusações de crimes de guerra dos dois lados. O aumento da tensão reflete diretamente em temores por parte do mercado, que age com cautela em razão de dependências energéticas da Europa com os russos, de investidas mais intensas contra países do Ocidente e por conta das ameaças nucleares.

    Um dos pontos que os países têm focado recentemente é a destruição da infraestrutura do inimigo. A ponte que liga a Crimeia à Rússia foi destruída no início do mês, o que levou a retaliações por parte de Moscou. A Rússia também destruiu 30% das usinas de energia e água da Ucrânia, segundo o presidente Volodymyr Zelensky. Mas foi o repentino rompimento dos gasodutos Nord Stream 1 e Nord Stream 2, as maiores rotas para o gás russo para a Europa, que preocuparam o Ocidente.

    Uma investigação preliminar de danos indicou que as danificações ocorreram por conta de “explosões poderosas”, mas o Kremlin nega ter sido o autor dos vazamentos e disse que as investigações foram montadas com a intenção de culpar falsamente a Rússia. Seja como for, fato é que os europeus vão enfrentar um inverno em meio às retaliações russas de corte de energia.

    “A Rússia teve as relações econômicas cortadas com os países da Europa, e devido ao que já foi feito acho difícil essa relação voltar nas próximas décadas. Mas a Europa vai conseguir enfrentar relativamente bem esse inverno, conseguiu se precaver a tempo e acumular energia o suficiente”, disse Roberto Attuch, CEO e fundador da OHM Research.

    Segundo ele, o fornecimento de gás aos europeus é mais preocupante a partir do próximo inverno, em 2023. A participação da Rússia nas importações de gás natural do bloco caiu de 36% em outubro passado para apenas 9% um ano depois, mostram dados da empresa de pesquisa Wood Mackenzie.

    Para Leonardo Trevisan, professor de geoeconomia internacional da ESPM, os impactos do alongamento da guerra fazem parte da estratégia de Vladimir Putin, que arrasta o conflito até um ponto no qual a Europa passa a encarar a realidade de não poder contar com as importações russas.

    “Os impactos no mercado internacional vão acontecer com a distância da mesa de negociações. Isso porque conforme o inverno europeu se aproxima, o preço da energia não vai ter nenhuma atenuação. Os países conseguiram gás suficiente para manter as casas iluminadas e aquecidas, mas não é possível abastecer a indústria na conjuntura atual”, destacou.

    Em meio às relações cada vez mais estremecidas, o professor acrescentou que até o próximo inverno os países europeus devem buscar soluções para conseguirem abastecer sua indústria.

    “Manter as residências plenamente em ordem não significa recuperar o gás necessário para a indústria. E com as restrições por conta guerra o gás pode chegar a preços estratosféricos, o que automaticamente impede que essas fortes indústrias europeias, como a alemã, britânica e francesa, consigam ser minimamente competitivas”, argumentou.

    Petróleo 

    O petróleo deve acabar impactado pelos conflitos entre a Rússia e os países do Ocidente, segundo os especialistas. Isso porque os russos estão entre os três maiores produtores de petróleo do mundo, somente atrás de Estados Unidos e Arábia Saudita. Com isso, o país do leste europeu tem um grande poder de barganha à medida que a commodity sobe.

    No início de outubro, a Organização dos Países Exportadores (Opep+), liderada pela Arábia Saudita e Rússia, anunciou que vai cortar a produção do petróleo em 2 milhões de barris por dia (bpd) a partir de novembro, reduzindo a oferta no mercado.

    “Eu acho que isso vai pressionar mais a commodity neste fim de ano, não vejo o petróleo ficando abaixo de US$ 80,00 o barril com a oferta menor, a não ser que o mundo tenha notícias piores sobre a economia global, como um impacto de recessão maior que o esperado”, afirmou Roberto Attuch.

    Após a decisão da Opep+, os Estados Unidos prometeram responder à atitude, vista como desafiadora. O presidente norte-americano Joe Biden fez uma intensa campanha para dissuadir seus aliados árabes do corte antes da decisão, que aparentemente não levou em consideração os interesses estadunidenses.

    “Estamos voltando a um período de hostilidade prolongada entre a Opep e os EUA”, disse David Goldwyn, que trabalhou em assuntos internacionais de energia nos departamentos de Energia e Estado durante os governos Clinton e Obama.

    “Um corte de produção deste tamanho – quando a inflação está devastando o crescimento global e a Europa está lutando para acessar oferta alternativa diante da agressão da Rússia contra a Ucrânia – é uma declaração de guerra econômica e diplomática”, pontuou Goldwyn.

    O resultado da decisão de cortar a produção de petróleo pode recair sobre o Brasil, conforme observou Leonardo Trevisan. “Com a produção menor, a commodity deve voltar a ser negociada a preços extremamente altos como vimos no começo do ano. Seguindo o mercado internacional, nossa gasolina será diretamente impactada, voltando a subir na bomba fortemente”, pontuou o especialista.

    Reconstrução

    Este ano será catastrófico para a Ucrânia em termos de crescimento. As projeções do FMI e do Banco Mundial são de que o país encolha cerca de 35% em 2022. O Banco Mundial destaca ainda que as necessidades de recuperação e reconstrução nos setores social, produtivo e de infraestrutura, são estimadas em cerca de US$ 349 bilhões, o que é mais de 1,5 vezes o tamanho da economia da Ucrânia em 2021, antes da guerra estourar.

    Para conseguir angariar esse valor bilionário, o presidente Volodymir Zelensky se reuniu em setembro com Laurence D. Fink, chefe da BlackRock, a maior gestora do mundo que supervisiona um total de US$ 8,5 trilhões investidos pelo mundo.

    O encontro foi feito para o fornecimento de “aconselhamento pro bono” da gestora ao governo ucraniano sobre como eles poderiam restaurar a economia por meio de um fundo.

    “A atratividade de investimento do nosso país é de particular importância. É importante para mim que uma estrutura como esta seja bem sucedida para todas as partes envolvidas. Somos capazes e queremos restaurar um clima normal de investimento”, disse Zelensky, na ocasião.

    De acordo com o Wall Street Journal, o Ministério das Finanças da Ucrânia tem entrado em contato com grandes empresas de Wall Street para financiar sua reconstrução. O intuito é conseguir investidores que aceitem realizar empréstimos com “férias de dívida” – basicamente um período mais longo para o pagamento das obrigações, com o objetivo de conseguir recursos no curto prazo sem precisar se preocupar de imediato com a quitação da dívida.

    Mercados globais despencam

    Os mercados despencaram logo após a Rússia invadir a Ucrânia e iniciar o conflito, em 24 de fevereiro deste ano. De lá para cá, as principais bolsas de valores do mundo registram variações negativas, algumas delas com recuos em mais de 10% no período.

    De acordo com levantamento da Austin Rating feito para o CNN Brasil Business, os três principais índices do mercado americano são exemplos da aversão a risco dos investidores desde que a guerra começou. O Nasdaq registra queda de 20,73% de 24 de fevereiro até 19 de outubro, enquanto o S&P 500 caiu 13,84% e o Dow Jones, 8,42%.

    Os mercados asiáticos também apresentam queda significante no período. Hong Kong (-27,90%), Taiwan (-26,25%), Coreia do Sul (-15,53%) e Singapura (-7,89%) viram seus mercados acionários despencarem desde que as tropas russas invadiram o território ucraniano. Já os dois principais índices da China, SZSE e CSI 300, tiveram queda de 16,79% e 16,62%, respectivamente.

    O levantamento contou com 80 países ranqueados, mas no gráfico acima só foram indicadas as variações das principais bolsas internacionais, para ilustrar o movimento dos investidores nos índices que mais movimentam capital.

    “As consequências do acirramento da guerra são as piores possíveis, pois só acelera a perspectiva de crise na Europa e nos Estados Unidos. Tem um risco de preço dos combustíveis se o petróleo disparar, enquanto o gás também deve subir muito para a Europa com a Rússia fora das negociações”, destacou Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

    “A situação preocupa bastante com esse acirramento, e os mercados acabam sendo impactados por isso. Temos perspectiva de crescimento menor, portanto menos lucro por parte das empresas e então o preço das ações acaba diminuindo”, explicou.

    Mesmo com o cenário adverso, o Ibovespa encontrou espaço para recuperação, apoiado nas perspectivas positivas para as commodities. O principal índice da bolsa de valores brasileira teve alta de 4,20% no período, o único com variação positiva ao comparar com os índices americanos, asiáticos e da União Europeia.

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