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    Da crise de Suez à Guerra da Ucrânia, Elizabeth II vivenciou 70 anos de história

    Nesse longo período de soberania, a rainha acompanhou a ascensão de 6 papas, assistiu a 18 Olimpíadas de Verão e presenciou vários conflitos políticos internacionais

    Layane Serranoda CNN , em São Paulo

    A rainha Elizabeth II morreu nesta quinta-feira (8) na Escócia, aos 96 anos. A monarca tornou-se a sexta mulher a ascender ao trono britânico em fevereiro de 1952, após a morte de seu pai, o rei George VI. Foi a rainha mais velha de todos os tempos somando 70 anos de reinado.

    Nesse longo período de soberania, Elizabeth II acompanhou a ascensão de 6 papas, assistiu a 18 Olimpíadas de Verão e vivenciou vários conflitos políticos internacionais.

    Em entrevista à CNN, o professor de Relações Internacionais da FGV e da FAAP, Vinícius Vieira, comentou alguns desses eventos que entraram para a história da política britânica e internacional.

    Crise de Suez

    A primeira grande crise vivenciada pelo reinado de Elizabeth foi a do canal de Suez, de 1956, em que o Egito, sob inspiração do nacionalismo árabe, tomou o canal que era de uma empresa franco-britânica.

    Em resposta, o Reino Unido e a França pensaram em mandar tropas para a retomada do canal, mas foram bloqueados pelos Estados Unidos.

    O fracasso provou que o Reino Unido não teria mais como manter o seu império colonial — reino já tinha perdido a Índia, o sul da Ásia e a Índia britânica, que incluiu o Paquistão e Bangladesh, em exatamente 1947.

    Descolonização de alguns países da África

    Elizabeth também presenciou a descolonização em geral da África, o que inclui a retirada do Reino Unido de colônias como Gana e Nigéria. Esse é um momento importante da história internacional porque finalmente o mundo não ocidental se livra do jogo do colonialismo.

    Em termos econômicos, os anos 70 foram ruins para o Reino Unido. O principal fator que deve ser apontado é a estagflação, que levou a um descontentamento durante o inverno de 75, com revoltas populares e até o lançamento da famosa canção de protesto Sex Pistols — “God Save The Queen”, uma versão nada elogiosa do hino britânico, que faz referência à falta de esperança de oportunidades dos anos 70.

    Implantação do neoliberalismo

    No fim dos anos 70, sob a liderança de Margaret Thatcher, o neoliberalismo, ou seja, desregulação, privatização e abertura comercial, foi implantado no Reino Unido.

    O processo britânico aconteceu antes mesmo do avanço do neoliberalismo nos Estados Unidos com Ronald Reagan, que entrou em cena em 1981, enquanto Thather assumiu o poder em 1979.

    Ambos formaram uma dupla que, para o bem ou para o mal, peitou os regimes socialistas do Leste Europeu. Essa movimentação seguiu em direção a maior abertura econômica, desregulamentação e toda uma série de ações que moldou o mundo globalizado.

    Guerra Fria

    O mundo da globalização se consolida com o fim da Guerra Fria. Durante a guerra do Golfo, a monarca realizou um pronunciamento chave para a população britânica, claramente se afastando de suas funções da política como chefe de estado.

    Nos anos 90, com o fim da Guerra Fria e da União Soviética, Elizabeth começa a testemunhar uma crescente oposição à imagem da realeza, em grande parte em função do que se passa com a Diana, Princesa de Gales, que acaba falecendo em 97.

    A partir de então, rainha começa a se adaptar e recuperar a popularidade. Segundo relatos da família real, Elizabeth percebeu que precisa ser muito popular ainda que não fosse tão bem recebida pela população.

    Crise de 2008

    Além de presenciar a globalização se consolidar, a rainha também viu o início da crise do sistema, em 2008. Elizabeth acompanhou seu próprio país se recuperando economicamente, primeiro com a Margareth, depois com a redistribuição de recursos e melhores serviços públicos nos anos de Tony Blair, do New Labor no poder.

    Isso, porém, caiu por terra com os maus presságios da política, começando com o referendo da Escócia, afirma o professor Vinícius Vieira.

    Referendo Escócia

    O referendo foi uma consequência da ascensão do Partido Nacionalista Escocês ao governo regional da Escócia, no começo dos anos 2010.

    Então, é pedido um referendo. David Cameron, na época primeiro-ministro do Reino Unido, aceita o pedido de Alex Salmo. Com isso, nasce um desafio à unidade do Reino Unido, entidade que existe desde o século XVIII, tendo a Escócia e a Inglaterra como o coração dessa união.

    Na época, a monarquia não externou sua opinião sobre a independência da Escócia. Algumas fontes vazadas nos tabloides indicavam que obviamente a rainha seria contra, mas que para ela não seria um problema, já que a Escócia queria continuar sendo uma monarquia.

    Ou seja, a Escócia se tornaria um país soberano sem vínculos com Londres, com política e militares próprios, mas manteria Elizabeth como uma chefe de Estado. Logo, se tornaria mais um reino, o que para a coroa não seria um problema, explica o professor de Relações Internacionais.

    Hoje, esse momento é visto como começo, até mais do que o Brexit, da decadência que o Reino Unido enfrentou e enfrentava muito antes da morte da rainha.

    Brexit

    Conversas de bastidores de tabloides indicavam que a rainha não se oporia ao Brexit, mas a monarquia atuou diretamente por meio de um efeito indireto.

    Segundo interpretação do professor Vinícius Vieira, a rainha Elizabeth II fez um se declínio controlado do Reino Unido, que saiu do status de principal potencial mundial para uma potência secundária perante gigantes, primeiro os Estados Unidos e União Soviética e, depois da Guerra Fria, EUA, Rússia e China, que hoje têm mais proeminência territorial, militar do que o Reino Unido, a França e companhia.

    Os britânicos, principalmente as gerações mais velhas que acompanharam a descolonização, cresceram achando que o Reino Unido, por mais que tivesse perdido status de império, ainda tinha grande prestígio internacional. Esse grande prestígio internacional, não é uma consequência direta da rainha, mas, em grande parte, pode ser atribuído à leitura que as pessoas fazem de Elizabeth como alguém respeitada globalmente.

    Essa imagem acabou contribuindo para que as pessoas entendessem o Brexit como algo que era viável, ou seja, que o Reino Unido de fato continuaria a ter força fora da Europa. Hoje se vê, no entanto, que o Reino Unido passa por muitas dificuldades que não podem ser atribuídas apenas à pandemia e à guerra da Ucrânia.

    Pandemia

    Na pandemia, Elizabeth II atuou com um bom exemplo, estimulando o distanciamento e a vacinação.

    Ao longo do tempo, a monarquia trouxe prestígio para o Reino Unido, mesmo após ter deixado de ser um império colonial. Graças a essa nobreza, o Reino Unido até hoje tem uma das melhores universidades do mundo.

    Devido a uma tradição de pesquisa acadêmica na área de biologia, sobretudo medicina, eles desenvolveram uma das principais vacinas contra a Covid-19, o imunizante da Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca.

    No Brexit, há um efeito indireto negativo da manutenção da monarquia, mas, no caso do desenvolvimento de vacinas, essa capacidade científica do Reino Unido, é uma consequência muito positiva do país, avalia Vieira.

    Guerra da Ucrânia

    O professor da FGV relembra que há uma herança dos tempos imperial, porque foi o Reino Unido que estimulou a fragmentação do leste europeu.

    “Inclusive, os russos até hoje se ressentem por causa das tentativas de promover independência da Ucrânia no contexto da Revolução Russa. No fim, a Ucrânia acabou aderindo à União Soviética e passou por uma revolução comunista. Então temos uma espécie de legado dos antepassados da Elizabeth”, aponta Vieira.

    Ou seja, uma questão territorial mal resolvida que precede a própria Guerra Fria, que é a questão da autodeterminação dos povos.

    “Muitas vezes [a autodeterminação dos povos] foi usada pelos britânicos não para defender esses povos incondicionalmente, mas para criar Estados que fossem de seu interesse. E claramente uma Ucrânia independente beneficiaria bastante ali o Reino Unido dos seus interesses, assim como os interesses dos europeus”, acrescenta o especialista.

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