Recessão global não afasta otimismo de setores ligados às commodities
Patamar superior ao período pré-pandemia e volumes altos podem reduzir impacto sobre agronegócio e mineração
Depois de um 2021 e boa parte de 2022 com preços recordes de commodities, o agronegócio e a mineração podem lidar com um cenário diferente a partir de 2023, mas associações do setor ainda veem o quadro com otimismo, esperando um impacto limitado da perspectiva de desaceleração econômica global.
Do petróleo à soja, as commodities têm sua cotação definida internacionalmente, e seguindo uma das leis mais clássicas da economia, a de oferta e demanda. Em resumo, quanto maior a busca por esses produtos, que possuem quantidades limitadas na natureza, maiores os seus valores.
Em 2022, por exemplo, o petróleo chegou a ultrapassar os US$ 120 com um descompasso de oferta e demanda piorado pela guerra na Ucrânia. O conflito também fez preços de commodities agrícolas, como o trigo, dispararem.
Esse panorama é especialmente importante para o Brasil, já que as commodities ocupam um espaço cada vez maior na pauta de exportação, com um peso crescente na economia e ajudando, por exemplo, nos resultados do Produto Interno Bruto (PIB).
Desaceleração global e preços
Se desaceleração deve ser a palavra principal da economia internacional em 2023, inflação é a de 2022. E uma coisa deve levar à outra.
“Uma coisa é a análise do que ocorre em 2022, com resultados da economia bons. O problema é s inflação. E, com o Fed mais ativo e uma política monetária restritiva, naturalmente tem pressão sobre a economia global”, diz Luiz Carlos Correa Carvalho, presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
Os Estados Unidos iniciaram seu ciclo de alta de juros em março deste ano. A zona do euro, em julho. Países como Reino Unido e Canadá já sobem juros desde 2021, todos enfrentando os maiores níveis de inflação em 40 anos.
A tendência é que, conforme os juros sobem, o consumo reduza, desacelerando a inflação e a economia, até com risco de recessão. Nesse processo, a demanda por commodities tende a cair, consequentemente puxando seus preços para baixo.
Parte desse processo já começou a ser precificado pelo mercado. O petróleo voltou a ser negociado a valores abaixo de US$ 100, e o minério de ferro chegou a perder quase toda a valorização de 2022.
Mesmo assim, Carvalho afirma que a conjuntura pós-pandemia é diferente, com temas de segurança alimentar e energética ganhando força, e as commodities agrícolas tendo uma correlação cada vez maior com os preços de energia.
“Os preços ainda devem ser bons em 2022, iniciando queda de custos. Entrando em 2023, há tendência de preço ainda alto, segurando commodities, com inflação e custos caindo. Vejo o cenário com bons olhos mesmo com a pressão que deve ocorrer”, diz Carvalho.
Para ele, a redução de custos com a reorganização das cadeias de valor tende a compensar as quedas de preços das commodities. Além disso, mesmo que haja um recuo, Carvalho espera um patamar ainda maior que o pré-pandemia.
Com isso, o quadro seria de margens menores, mas ainda positivas.
Na visão da Abag, o quadro doméstico também demanda atenção. “Depende de chuvas entre setembro e outubro, para plantação de soja, mas do ponto de vista de pesquisa e desenvolvimento, o Brasil tem tido uma vantagem, buscando variedades mais resilientes em períodos de seca e procura de irrigação”.
Carvalho avalia que “adversidades são muitas, internas e externas, mas eu acho que, lá fora, todos contam com o Brasil, estão encantados com nossos aumentos de produção. O agro deve continuar muito forte, e investindo e crescendo”.
No caso da mineração, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) também vê o quadro com otimismo.
“A pandemia teve altas fora do comum, e o natural agora é uma acomodação de preços”, afirma Cinthia Rodrigues, Gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Ibram.
Ela destaca que a produção em minas não chegou a ser muito afetada pela pandemia, com volumes entregues altos, e o setor tem a vantagem de trabalhar com contratos de longo prazo.
“Conforme passa pela amenização da pandemia, os preços se acomodam para situações mais reais do antes da pandemia, é o esperado. É bom para o volume ter preço alto, mas o contrato casa preço e volume”, destaca.
Nesse cenário, Rodrigues observa que os preços ainda devem ter um valor alto pela demora de normalização das cadeias nas quais os minérios se inserem como matérias-primas, afetando produção e demanda de bens industriais.
“Tem toda uma pressão inflacionária no contexto pós-pandemia, mas o impacto da desaceleração não é tão grande por conta do volume, em contrato, estabelecidos a médio e longo prazo. O volume tem que continuar sendo entregue, independente do preço”, defende a gerente.
Rodrigues afirma que o impacto mais direto será no faturamento, que naturalmente será menor, mas será preciso considerar ainda elementos como a cotação do dólar, usado nas negociações e pagamentos.
Outra consequência, mais garantida, é uma diferença menor entre as exportações e importações do Brasil em valor, ou seja, uma balança comercial menor, algo que já tem sido notado pelo Ibram em 2022.
Mesmo assim, ela destaca que uma recessão nos Estados Unidos e Europa tenderia a ser pequeno. O cenário seria mais preocupante se piorasse em outro país: a China.
Fator China
Segunda maior economia do mundo, a China é especialmente importante para o Brasil. Além de ser o principal parceiro comercial, é o maior consumidor de commodities agrícolas e minerais, como a soja, carne bovina e o minério de ferro.
A inflação não é um problema no país, controlada pelo lado dos consumidores, mas a China mesmo assim tem dado cada vez mais sinais de uma desaceleração, alimentada por uma combinação de baixa consumo e os efeitos da política de Covid zero, com lockdowns e paradas na produção.
A gerente do Ibram explica que o consumo chinês em 2022 teve dois grandes momentos, com demanda menor durante a Olimpíada de Inverno no primeiro semestre e uma crise na construção civil, dois episódios que fizeram os preços do minério de ferro dispararem a US$ 160.
Desde então, o quadro de desaceleração dominou, com a cotação próxima aos US$ 100.
“A China desacelerando menos ajudaria, teria impacto menor pensando em preço, derrubaria menos. Quando tem China acelerada, outros países pegam carona, os países viram supridores para a China”, explica Rodrigues.
Nesse sentido, o Ibram vê com bons olhos o esforço do governo para estimular a economia. Se bem-sucedidos, um aquecimento da economia chinesa manteria uma demanda global, e os preços, em bons patamares.
Já Carvalho, da Abag, observa que a China tem procurado cada vez mais o Brasil e países africanos para garantir sua segurança alimentar, conforme sua relação com os Estados Unidos e outros países ocidentais piora, um quadro que deve continuar.
“O Brasil segue crescendo na produção, de modo que acabará sendo naturalmente procurado pela Ásia”, defende.
Ele destaca ainda a questão climática. Depois de três meses relativamente positivos, a China enfrenta agora sua maior crise hídrica em décadas, com uma seca derrubando a produção. Para garantir o fornecimento de alimentos, o país tende a recorrer mais a fornecedores como o Brasil, ajudando os preços a se manterem altos.
“A soma de todas essas questões naturalmente começam a mostrar que a questão do agro não é conjuntural, é estrutural, e o Brasil está nesse jogo com competência, e protagonismo”, afirma.
Entretanto, não dá uma garantia que o esforço do governo chinês dará certo. Livio Ribeiro, pesquisador do FGV-Ibre, observa que as medidas da China têm sido voltadas a setores de infraestrutura e construção civil, que não resolvem os problemas de consumo no país.
“As pessoas não estão prestando muita atenção nos detalhes, não há senso comum de que o problema está na demanda, então as medidas não vão estimular demanda, a ideia é que infraestrutura resolve, o ponto não vai ser esse”, avalia.
Mesmo que as medidas não resolvam a questão de demanda, e o cenário de médio prazo da economia, elas tendem a dar um impulso de curto prazo na demanda de minérios, ajudando nos preços.
Ele afirma que o mercado começa a dar sinais de precificação de uma desaceleração mais profunda na Europa e nos Estados Unidos. “Vai ter momento confuso, de desaceleração de preços, e pode tomar pancada negativa por problemas no meio da cadeia, com grande aumento”.
Apesar disso, Ribeiro avalia que nem todo o choque negativo de demanda está sendo precificado na cotação das commodities.
“Os preços de commodities devem cair, não em um colapso. Alguns apontaram possibilidade de superciclo [de commodities], mas sempre se falou que superciclo demanda estrutura de demanda crescente e de sustentação, e não teve”, destaca.
Para ele, o cenário tende a ser mais negativo para commodities de consumo, como soja e proteínas, enquanto as metálicas devem ser sustentadas por uma boa demanda chinesa. Se uma quebra de safra se confirmar, porém, esse cenário pode mudar, indicando a volatilidade do ambiente.
“Pro Brasil, o jogo é muito de China, mas precisa tomar cuidado com a Europa. A zona do euro inteira é maior do que dos Estados Unidos nas nossas exportações, com um perfil de comércio mais diversificado”, alerta.
Ribeiro considera também que, nos próximos 12 meses, os preços de commodities ainda devem se estabilizar em um patamar pré-pandemia, ou seja, ainda elevados e positivos para produtores.
“Os preços devem variar também dependendo do grau de sucesso na China, mas sou menos otimista quanto a isso”, diz o pesquisador.