CNN no Plural+: Metanfetamina na comunidade LGBTQIAP+
“Cheguei a ficar quase uma semana inteira acordado. Eu pensava comigo mesmo: 'se eu dormir eu estou perdendo tempo'”, relata paciente que há mais de seis meses tenta se livrar do vício
Queria fazer um trato antes de a gente seguir com a coluna de hoje.
Vamos deixar todo preconceito de lado.
Vamos deixar toda a hipocrisia de lado.
Vamos nos focar no que realmente importa, porque o assunto é muito sério.
Ela é conhecida pelos mais diferentes nomes: rebite, bola, tina, cristal, tem gente que até chama de crack dos ricos… O que interessa é que todas elas são metanfetamina.
E por que eu estou trazendo esse assunto para a coluna do CNN no Plural+? Porque mais e mais essa droga tem circulado dentro da comunidade LGBTQIAP+.
Principalmente entre os gays e bissexuais, os homens que fazem sexo com homens (HSH).
Vamos combinar mais uma coisa? Não vamos estigmatizar. Essa não é uma droga consumida apenas pelos gays, mas tudo que começa nichado acaba sempre atingindo outros grupos.
Você sabe o que é chemsex?
A palavra tem origem na expressão chemical sex – sexo químico – em inglês. É quando as relações sexuais têm a ajuda de drogas psicoativas.
Desde a antiguidade a gente tem relatos de uso de droga e relações sexuais junto. Mas pensando na comunidade LGBTQIA+, que já tem que enfrentar desde sempre uma questão em relação à sua sexualidade – não porque seja um problema, mas porque a gente vive numa sociedade que é LGBTfóbica. Esse uso de drogas na relação sexual acaba sendo ou podendo ser um jeito de lidar melhor com essa questão, de desinibir, de aproveitar melhor o sexo, de deixar essas questões um pouco de lado
Bruno Branquinho, psiquiatra especializado em saúde mental LGBTQIAP+
A relação entre sexo e drogas não é novidade há tempos. O que a gente vê hoje é que a metanfetamina ganhou mais adeptos, principalmente por causa dessa prática.
“Até uns quatro anos atrás eu não tinha casos de metanfetamina no consultório. Eu, honestamente, mal ouvia falar de metanfetamina. Para mim, era uma coisa tipo Breaking Bad, sabe? Que tinha nos Estados Unidos e tudo mais. Eu sei que existia essa droga, mas não é algo que participava do meu dia a dia, não é algo que eu via na minha residência de psiquiatria, por exemplo, como um problema. E aí a partir de uns três anos para cá eu comecei a receber bastante caso no consultório e hoje em dia é um grande problema realmente”.
Quem deixa claro o aumento no número de pacientes no seu consultório é o psiquiatra Bruno Branquinho. O foco dos atendimentos é a população LGBTQIAP+.
Para quem não lembra, e o dr. Bruno mencionou, a metanfetamina ganhou visibilidade no mundo todo com a série americana Breaking Bad.
Confesso que quando assisti a um capítulo achei que era obra de ficção científica, mas hoje a realidade é outra. E ela é assustadora.
“É uma classe de substâncias que, de uma forma geral, produz uma ativação no organismo. Então você vai ficar muito eufórico, vai aumentar o seu prazer sexual, vai ter efeito de ativação no corpo com o aumento da frequência cardíaca, aumento da temperatura, vai ter uma desinibição. Isso faz com que você se solte mais, que não fique cansado, que tenha menos sono e menos fome”, explica o psiquiatra.
Com disposição e sem vontade de comer, quem usa a droga pode ficar dias sem dormir.
Não preciso explicar o resultado depois que tudo isso passa, né?
Eu já tinha ouvido falar sobre crystal (um dos nomes da metanfetamina). Um amigo meu do Rio de Janeiro tinha me contado. Ele me disse: ‘olha, isso é muito perigoso, eu tenho amigos que estão afundados. É bom, só que muito ruim, porque você acaba ficando meio dependente’. E eu disse a ele: ‘imagina, nunca vou usar uma coisa dessas, pelo amor de Deus, longe de mim, não sou idiota’
Quem deu esse depoimento para a gente é um rapaz que luta contra a dependência da tina –outro nome da metanfetamina. Como não vamos identificá-lo, vou chamá-lo de Roberto daqui para a frente.
Roberto não acordou um dia e pensou: ‘vou usar crystal’. Ele mesmo me contou que sempre foi aberto a usar o que lhe oferecessem, mas sempre, segundo ele, teve o controle para parar.
Cheguei a ficar quase uma semana inteira acordado, porque você fica imerso. Eu pensava comigo mesmo: ‘se eu dormir, eu estou perdendo tempo’. E foi junto com a metanfetamina que eu comecei a transar com muitos garotos de programa, tanto pagando quanto de graça. E eu conseguia isso porque eu usava a metanfetamina para atraí-los. Eu falava: ‘eu tenho tina, eu tenho crystal. Você quer? Vem cá, a gente curte’. Eu estava completamente louco
Roberto*, homem em tratamento do vício em metanfetamina
Horas, dias, e às vezes semanas acordado, atrás de mais prazer que a metanfetamina proporciona.
Do outro lado, a vida pessoal e profissional ruindo, porque é humanamente impossível ter as duas coisas juntas.
Roberto precisou da ajuda dos pais e amigos para conseguir aceitar que aquele “controle” que ele achava que tinha com as drogas era furada.
Hoje, ele está abstinente há exatos sete meses, mas não tem ideia de quando vai conseguir se livrar cem por cento da dependência.
Talvez seja uma luta eterna.
Como eu disse lá no início da nossa coluna, não vamos ser hipócritas.
Não estamos aqui para dizer o que você deve ou não fazer com a sua vida.
Mas como Roberto e tantos outros que eu converso sobre essa droga, a resposta é sempre a mesma.
Não. Não entre nessa, porque não sabemos como, quando e se vamos conseguir sair.
Eu pediria para as pessoas tomarem cuidado, se informarem, pelo menos. Porque muitas vezes a gente prova alguma coisa sem saber das consequências, sem saber dos efeitos. É quase como se ele estivesse assinando ali um contrato em branco, sabe? Uma coisa é você conscientemente ler todas as linhazinhas pequenas, e falar ‘eu concordo, eu vou tomar mesmo assim’. Outra coisa é você provar e não saber onde você está se metendo. Então, se você for um homem gay ou LGBTQIAP+, você conhece alguém que está usando ou que tem contato com isso. Está mais perto do que a gente imagina
Bruno Branquinho, psiquiatra especializado em saúde mental LGBTQIAP+
- Produção: Letícia Brito e Carol Raciunas