Após cinco meses, Câmara deixa de lado apuração sobre tragédia em Petrópolis
Comissão criada na Casa se reuniu por 3 horas e está parada desde o início de maio
A comissão externa da Câmara dos Deputados criada para acompanhar as investigações e os desdobramentos da calamidade vivida por Petrópolis após as enchentes e os deslizamentos de terra que atingiram a cidade em fevereiro se reuniu, ao todo, por pouco mais de três horas e está parada desde maio.
A comissão também tinha o objetivo de propor sugestões para evitar futuras tragédias.
O colegiado foi criado no fim de fevereiro e contou com encontros esvaziados. A primeira reunião aconteceu em 16 de março para a apresentação do plano de trabalho. Durou oito minutos e contou apenas com quatro deputados: o coordenador do colegiado, Gurgel (PL-RJ), e três parlamentares não-membros.
“A missão desta comissão é buscar mecanismos para que isto aconteça [reerguer Petrópolis e ajudar a população] e, como representante do povo, firmamos esse compromisso com Petrópolis, de reerguer, reestruturar e ajudar em tudo o que for possível para que esta tragédia seja logo uma página virada e que não aconteça outras. Que a gente se prepare para que isso não ocorra outras vezes”, declarou Gurgel na ocasião.
Na época, ele disse também que a comissão tinha a intenção de fazer uma visita institucional a Petrópolis, o que não saiu do papel até o momento. Alguns deputados do colegiado foram à cidade, mas por conta própria.
Além do deputado Gurgel, integram a comissão os deputados Daniel Silveira (PTB-RJ), Gutemberg Reis (MDB-RJ), Hugo Leal (PSD-RJ), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Glauber Braga (PSOL-RJ), Marcelo Freixo (PSB-RJ), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Paulo Ganime (NOVO-RJ).
Gutemberg Reis, Sóstenes Cavalcante e Marcelo Freixo faltaram a todas as reuniões, de acordo com os registros da Câmara.
O plano de trabalho apresentado afirma ter os objetivos de apresentar proposições para o aperfeiçoamento da legislação nacional referente a áreas de encostas e à prevenção de desastres, além de elaborar sugestões de ações a serem realizadas por órgãos e entidades da administração pública e entes privados.
Fala ainda em enviar o relatório a autoridades competentes.
Desde então, a comissão se reuniu outras três vezes. A segunda reunião durou 15 minutos e foi voltada à votação de requerimentos, como a realização de audiências e o envio de pedidos de informação a órgãos públicos.
A mais longa foi a terceira, com duas horas de duração, para ouvir o prefeito de Petrópolis, Rubens Bomtempo, a secretária municipal de Educação de Petrópolis, Adriana de Paula, o secretário municipal de Saúde de Petrópolis, Marcus Curvelo, o secretário chefe da Secretaria de Defesa Civil do Município de Petrópolis, tenente coronel Gil Kempers, a coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, Carla de Carvalho, e a coordenadora da região serrana da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, Lívia Miranda.
O último encontro foi em 3 de maio. Durou 42 minutos e foi presidido pelo deputado federal Daniel Silveira. Foram ouvidos o representante do Ministério do Desenvolvimento Regional Paulo Falcão, o coordenador-geral do Departamento de Transportes Rodoviários da Secretaria de Transportes Terrestres, Anderson Santos Bellas, e o representante do Corpo de Bombeiros Militar e da Secretaria de Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro, coronel bombeiro militar Alexandre Silveira.
Segundo o portal da transparência da Câmara, destas cerca de três horas totais de trabalho da comissão, 93% do tempo foram dedicados a audiências públicas e os 7% restantes foram dedicados a votações.
A prefeitura de Petrópolis respondeu a questionamentos da comissão, como o cadastro de vítimas e quais os terrenos da União no município.
Até o momento, no entanto, não foram apresentados pareceres e propostas pela comissão para evitar novas tragédias na cidade.
Procurado pela CNN, o deputado Gurgel afirmou ter enfrentado algumas dificuldades para a atuação do colegiado.
Por exemplo, falta de vaga em salas da Câmara para fazer audiências públicas e agendas cheias dos membros que não se adequavam aos horários da comissão, além do funcionamento e das discussões de pautas da Câmara em ano eleitoral.
Ele disse, porém, que os membros da comissão se ajudaram e procuraram encaminhar emendas para a área de saúde de Petrópolis.
Os trabalhos da comissão agora dependem do retorno regular das atividades da Câmara, de espaço físico na Casa e da disponibilidade dos deputados em atuar no caso.
“Eu desejaria que a gente tivesse um plano concreto de proteção a esses locais para impedir essas tragédias e um planejamento emergencial no caso de tragédia”, declarou Gurgel à reportagem.
Gurgel ainda citou a vontade de viabilizar maior capacitação de funcionários de prefeituras e de pessoas que possam ser mobilizadas em áreas com risco de desastre, a compra de mais equipamentos de ponta para localizar pessoas soterradas e um projeto de lei que obrigue as operadoras de telefonia a mandarem alertas para os telefones em locais sob risco.
No entanto, se ainda sair um relatório, este deverá ser um trabalho complementar ao do Senado, reconheceu.
Comissão do Senado apresentou relatório com 95 recomendações
O Senado também criou uma comissão em 14 de março para avaliar a situação de Petrópolis depois da tragédia e propor novas políticas públicas, como a da Câmara. Senadores integrantes do colegiado, porém, foram à cidade e apresentaram relatório de 188 páginas com série de recomendações para a prevenção de novas tragédias.
O documento foi aprovado pelo colegiado em 12 de maio.
O relatório contém 95 recomendações a serem atendidas para reverter os estragos na cidade e mitigar os riscos de que novas tragédias aconteçam, diz.
São 43 recomendações para a prefeitura de Petrópolis, 20 para o governo federal, 14 para o governo do Estado do Rio de Janeiro, 12 para o Poder Legislativo, duas para a Caixa Econômica Federal, duas para entidades de arquitetura e engenharia, uma para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e uma para Universidade Federal Fluminense (UFF).
O que disseram os demais membros da comissão da Câmara
A CNN procurou todos os deputados membros da comissão, diretamente ou por meio das respectivas assessorias.
Sóstenes Cavalcante afirmou que “quiseram politizar” a comissão e resolveu ajudar Petrópolis por meio de emendas.
“Não me envolvi porque acabaram querendo fazer política por conta do governador do Estado. Um dos membros da comissão era o Freixo, que é candidato a governador contra o Cláudio Castro. Não gostei de nada disso. Preferi só fazer meu gesto de solidariedade através da minha emenda e não politizar o assunto”, disse.
Daniel Silveira informou que, “enquanto a comissão estava acontecendo, estava em campo nos desastres”. “Em tempo, sou o relator do parecer. Ademais, não presido a comissão e as reuniões ficam a par do presidente que as convoca”, completou.
Talíria Petrone disse que a primeira reunião “foi encerrada pelo presidente, infelizmente, em menos 10 minutos”. Sua assessoria estava presente e não houve tempo de ela chegar à reunião, falou.
“Na segunda estive presente, aprovando 3 requerimentos relevantes. Na terceira reunião, estava de atestado médico com minha filha de 2 anos com covid-19. E, na quarta reunião, por problemas de voos, só cheguei em Brasília no final da tarde. É preciso ressaltar que minha assessoria esteve em todas as reuniões.”
Ela acrescentou que “não parece haver interesse de todos em adotar encaminhamentos concretos sobre essa tragédia anunciada”.
Defendeu ainda que houve o envio de R$ 3 milhões em recursos para Petrópolis, a apresentação de um projeto de lei para auxílio emergencial a vítimas de secas e enchentes e que esteve na cidade mais de uma vez.
Jandira afirmou que visitou Petrópolis logo após a tragédia e participou de audiências públicas, uma pedida por ela. A deputada disse que a comissão ficou “muito espremida” pela instalação de comissões permanentes da Câmara, com falta de espaço para sua realização, como alegou Gurgel.
A deputada disse que ações importantes foram tomadas por meio da bancada do Rio de Janeiro com a destinação de recursos.
Em sua avaliação, a legislação atual para a prevenção de desastres é completa, mas falta o cumprimento maior dela. “O que nós deveríamos ter feito emergencialmente, nós fizemos. A comissão externa foi mais para ouvir e para acompanhar no médio e no longo prazo o desdobramento da situação.”
Glauber Braga criticou os holofotes em cima da tragédia assim que acontece e, depois, o distanciamento dos políticos. “No início, com os holofotes, várias autoridades acompanham, dizem estar prestando socorro, mas, com o passar do tempo, principalmente o investimento em prevenção, fica escasso. É isso que a gente não poderia deixar acontecer e esse é um dos motivos que levaram ao esvaziamento também da comissão na Câmara.”
Ele também disse que faz o acompanhamento da situação de Petrópolis e tem se dedicado ao funcionamento pleno de instituições de ensino na cidade.
A assessoria de Hugo Leal reforçou dificuldades da coordenação da comissão de marcar reuniões “devido à pesada agenda legislativa do primeiro semestre em ano eleitoral” e ressaltou ter sido relator-geral do Orçamento da União 2022.
“O deputado Hugo Leal, entretanto, trabalhou intensamente por Petrópolis como vem fazendo desde o início do mandato. Logo após a tragédia, ele liderou mutirão da bancada que destinou R$ 28 milhões em emendas para Petrópolis e foi o parlamentar que mais garantiu recursos”, informou, ao acrescentar a realização de agendas com autoridades para o encaminhamento de demandas.
Paulo Ganime afirmou que entrou mais tarde na comissão e, apesar da falta de reuniões, “não ficou de braços cruzados”.
Ele citou encontros com secretários municipais, a permissão para que a prefeitura usasse recursos de suas emendas individuais para minimizar os danos causados pelas fortes chuvas e a apresentação de um projeto de lei que propõe autorizar partidos políticos a renunciar aos recursos dos fundos eleitoral e partidário para ajudar entes federativos em caso de situação de emergência ou estado de calamidade pública.
“Sem dúvida, juntos podemos fazer muito mais, mas quando o trabalho não anda, não podemos cruzar os braços e deixar a população à mercê da própria sorte”, concluiu.
Os deputados Gutemberg Reis e Marcelo Freixo não responderam aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.