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    “Às vezes jantamos, às vezes não”: crise alimentar afegã se torna dilema para Ocidente com Talibã

    Segundo o Comitê Internacional de Resgate, 43% da população afegã vive com menos de uma refeição por dia; preços dos alimentos mais que dobrou no último ano

    Clarissa WardBrent SwailsScott McWhinnieda CNN , Cabul, Afeganistão

    Ao meio-dia, Shakeela Rahmati começa uma longa caminhada a partir de sua casa, localizada em um bairro pobre nas colinas acima da capital afegã, Cabul.

    Ao longo do caminho, outras mulheres silenciosamente se juntam à jornada. Elas levarão três horas para chegar ao centro da cidade. Mas a cada dia, elas são movidas por uma fome corrosiva e pela necessidade de alimentar seus filhos.

    O destino delas é uma padaria, uma das muitas em Cabul, onde multidões de mulheres começaram a se reunir no final da tarde, esperando pacientemente por clientes que pudessem lhes dar um pouco de pão.

    “Às vezes jantamos, às vezes não”, diz Rahmati. “A situação está ruim há três anos, mas este último ano foi o pior. Meu marido tentou ir ao Irã para trabalhar, mas foi deportado”.

    As Nações Unidas dizem que quase metade do país enfrenta fome aguda. De acordo com um relatório de maio do Comitê Internacional de Resgate (CIR), 43% da população do Afeganistão vive com menos de uma refeição por dia, com 90% dos afegãos entrevistados relatando que a comida é sua principal necessidade.

    São estatísticas preocupantes que resumem o primeiro ano de volta ao regime do Talibã, com a nação isolada e cada vez mais empobrecida. Quando os Estados Unidos e seus aliados deixaram o país, eles impuseram sanções, congelaram US$ 9 bilhões em fundos do banco central e suspenderam a ajuda externa que antes constituía quase 80% do orçamento anual do Afeganistão.

    Do lado de fora do Ministério das Relações Exteriores, um grande mural, um dos poucos escritos em inglês, alardeia a posição oficial do governo Talibã: “O Emirado Islâmico do Afeganistão quer relacionamentos positivos e pacíficos com o mundo”.

    No entanto, após um ano de governo, o Talibã ainda não foi reconhecido por um único país do mundo, com o financiamento internacional ainda congelado em grande parte. Uma das principais questões para os países ocidentais tem sido a marginalização de minorias e mulheres pelo novo governo, que inclui uma proibição do ensino secundário para meninas.

    As repetidas promessas do Talibã de permitir que as meninas voltem à escola ainda não foram cumpridas. No final de junho, o líder supremo do Talibã, Haibatullah Akhundzada, recuou contra a pressão internacional, dizendo que o Afeganistão faria suas próprias regras.

    Um posto de controle de veículos em Cabul, no Afeganistão / Brent Swails / CNN

    “O fato é que os Estados Unidos estão tentando encontrar justificativas morais para a punição coletiva do povo do Afeganistão, congelando os bens e aplicando sanções ao Afeganistão como um todo”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Abdul Qahar Balkhi, à CNN no sábado (13).

    “Não acredito que devam ser estipuladas quaisquer condições para a liberação de recursos que não me pertencem, que não pertenciam ao governo anterior, e que não pertenciam ao governo anterior ao outro. Este é o dinheiro coletivo do povo do Afeganistão”.

    Em meio a temores de uma fome total no inverno passado, os EUA – por meio do Banco Mundial – liberaram mais de US$ 1 bilhão em financiamento de ajuda.

    “Esse é um exemplo de uma área em que queremos continuar a ter um diálogo pragmático com o Talibã”, disse à CNN um funcionário do alto escalão do Departamento de Estado americano. “Vamos conversar com eles sobre o acesso à ajuda humanitária, sobre medidas que acreditamos que podem melhorar a estabilidade macroeconômica do país.”

    Mas um coro crescente de trabalhadores humanitários e economistas diz que não é o suficiente e que o contínuo congelamento dos fundos do Afeganistão está tendo um efeito devastador.

    “Esta é uma mensagem que ninguém quer ouvir”, disse Vicki Aken, diretora do Comitê Internacional de Resgate no Afeganistão, à CNN. “Essas políticas estão colocando as mulheres em risco aqui. Em nome das políticas feministas, estamos vendo mulheres morrerem de fome”.

    Mulheres se aglomeram do lado de fora de uma padaria em Cabul, no Afeganistão, esperando receber esmolas dos clientes / Brent Swails / CNN

    De acordo com um funcionário do alto escalão do Departamento de Estado, os EUA não estão perto de recapitalizar o banco central afegão. Embora tenha havido discussões sobre o assunto, o funcionário disse que ainda há profundas preocupações sobre a possibilidade de os ativos serem desviados para o terrorismo.

    “Não temos confiança de que essa instituição tenha as salvaguardas e o monitoramento para administrar os ativos de forma responsável e inclusiva. Desnecessário dizer que o abrigo talibã do líder da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, reforça as profundas preocupações que temos há muito tempo em relação ao desvio de fundos a grupos terroristas”, disseram.

    O Talibã se recusa a reconhecer que al-Zawahiri, que foi morto em um ataque de drone dos EUA no início deste mês, estava na capital afegã, complicando ainda mais os esforços para normalizar as relações com o Talibã.

    Nos mercados de Cabul, as barracas estão cheias de frutas e produtos frescos. O problema, dizem os fornecedores, é que a maioria das pessoas não pode comprá-los.

    “O preço da farinha dobrou. O preço do óleo de cozinha mais que dobrou”, diz um vendedor.

    A alguns metros de distância, um menino vasculha uma lixeira, coletando resíduos de plástico para revender.

    “A ajuda humanitária só ganha tempo. Ela não se desenvolve, não aumenta a renda, não cria empregos”, diz Anthony Cordesman, presidente emérito de estratégia da organização bipartidária de pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, nos EUA.

    A proibição de fato do Talibã à educação secundária de meninas continua em vigor no Afeganistão / Brent Swails / CNN

    Cordesman adverte que o declínio econômico geral do Afeganistão não começou com o retorno do Talibã ao poder, nem a dependência do país de ajuda externa.

    “Se pudermos encontrar maneiras de negociar um processo de ajuda eficaz, onde sabemos que o dinheiro irá para as pessoas, onde será distribuído amplamente, onde não irá simplesmente apoiar o governo talibã, então essas são iniciativas de negociação que devemos buscar com a maior força possível”.

    “Mas construir um tecido de mentiras – o equivalente a um processo de ajuda baseado em um castelo de cartas – pegar esse dinheiro, que poderia ir para muitos outros países, que podem usar a ajuda de forma eficaz, não faz sentido”.

    À medida que as noites de Cabul começam a esfriar e seus dias ficam mais curtos, o medo entre os trabalhadores humanitários é que este inverno seja ainda pior que o anterior.

    “Não é do interesse americano ver a economia implodir”, disse o funcionário do alto escalão Departamento de Estado americano. “Reconhecemos que a crise humanitária continua séria e terrível”.

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