Obra de arte é encontrada debaixo de natureza-morta inédita de Luis Meléndez
Raio-x revelou uma figura masculina com uma criança em quadro do século 18; especialistas acreditam que obra pode chegar a R$ 500 milhões
Uma tela do maior pintor espanhol do século 18 esconde um grande mistério. A obra de Meléndez foi comprada em um antiquário no bairro do Bixiga, em São Paulo, há mais de 50 anos.
O valor não passou de 20 mil reais na época, mas especialistas acreditam que, agora, o preço da peça deva chegar a R$ 500 milhões.
Três raio-x revelaram uma pintura por baixo da natureza-morta: uma figura masculina que segura uma criança em seus braços.
Segundo registros da vida de Luis Meléndez, o artista havia pintado por cima de três obras. As outras duas estão desaparecidas.
O pintor nasceu na Itália, em 1715, mas passou a maior parte da vida na Espanha. Ele se especializou no gênero da natureza morta, que consiste em pintar composições com objetos inanimados. Chegou a trabalhar para o Rei Carlos IV da Espanha, mas morreu na pobreza.
O processo até a descoberta da obra subjacente foi longo, começando em 2020.
Primeiro, foi feita a perícia. Assim que a pintura chegou ao escritório de Douglas Quintale, o perito quis garantir a legalidade do trabalho.
“Eu prezo pelo meu cliente, mas prezo primeiro pela obra de arte”, diz ele. “Recorremos a mais de 50 instituições para garantir que a tela não havia sido roubada ou traficada: FBI, Museus Americanos, obras perdidas durante o Holocausto, são infindáveis.”
Com a conclusão de que ela estava dentro da legalidade, a obra começou a ser estudada.
Foram feitas análises físicas, químicas e estéticas. A equipe de peritos constatou inscrições contemporâneas, datadas do século 19, no chassi da tela que remetiam a Luis Meléndez.
Quanto à aparência do quadro, algumas especificidades foram observadas.
“A pintura tem uma técnica muito firme, se assemelha muito ao mestre espanhol em alguns pontos, como as frutas e as cestas”, diz Douglas. “Em outros pontos ela é completamente inovadora, temos o varão pendurado, por exemplo.”
Reconhecida sua importância, a obra foi restaurada. Por se tratar de um trabalho feito há mais de 200 anos, marcas de envelhecimento estavam nítidas, mas não estavam fora da normalidade.
Segundo o restaurador Raul Carvalho, diversos retoques já haviam sido feitos na obra antes dela ter sido adquirida há 50 anos. Um deles estava grosseiramente feito e, no processo de retirada, foi possível vislumbrar a obra escondida.
“Em uma das partes do vaso foi identificada uma forma que não fazia parte da composição do quadro de natureza-morta”, diz Raul. “Esse elemento nos remete a um braço que, no caso, pertence à figura masculina. É raro ver uma obra subjacente tão bem acabada desse jeito”.
Segundo Raul, existem técnicas que conseguiriam separar as duas pinturas, mas o risco de degradação é grande, visto a idade avançada de ambas as obras.
Porém, uma pergunta permanece: por que Meléndez pintou por cima do retrato?
Ambos os especialistas têm suas teorias: reutilização de material, uma encomenda que deu errado, esconder uma pintura que desagradou o artista…
Não se sabe a autoria da obra subjacente, talvez seja do próprio Meléndez, talvez não. Apenas testes mais profundos na obra irão dizer.
A empresa dona da obra optou por parar as análises na tela e ainda não se decidiu sobre a comercialização do trabalho.
Por enquanto, o mundo da arte se contenta com uma bela tela de natureza morta de um dos maiores pintores espanhóis do século 18, uma radiografia e um grande mistério, o principal motor de toda descoberta artística.
