“Não estamos com medo”: chanceler de Taiwan diz que ilha enfrentará China
Após visita da presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Pequim aumentou pressão sobre Taiwan com penalidades econômicas, exercícios militares e lançamento de mísseis sobre a ilha
A ameaça da China a Taiwan é “mais séria do que nunca”, mas a ilha permanecerá firme para proteger sua liberdade e democracia, inclusive acolhendo aqueles que apoiam o país, disse o chanceler de Taiwan, Joseph Wu, em entrevista à CNN na segunda-feira (8).
A mensagem desafiadora de Wu veio quando a China disse que deu continuação aos exercícios militares em torno da ilha autônoma, depois de uma demonstração de força de quatro dias após a viagem da presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a capital Taipé na semana passada.
“A China sempre ameaça Taiwan há anos e isto está ficando mais sério nos últimos anos”, disse Wu. “Quer a presidente da Câmara, Pelosi, visite Taiwan ou não, a ameaça militar chinesa contra Taiwan sempre existiu e é com esse fato que precisamos lidar”.
Receber amigos estrangeiros na ilha foi uma parte fundamental da estratégia de Taiwan para combater as tentativas da China de isolá-lo da comunidade internacional, independentemente da potencial reação de Pequim, disse Wu.
“[A China] não pode ditar a Taiwan que não devemos receber ninguém que queira vir e mostrar apoio a Taiwan”, disse Wu, que atua como ministro das Relações Exteriores de ilha desde 2018.
A viagem de Pelosi a Taiwan – a primeira de um presidente da Câmara em exercício à ilha em 25 anos – foi veementemente contestada pelo Partido Comunista da China, que vê Taiwan como seu território, apesar de nunca tê-lo controlado.
Após a visita de Pelosi, Pequim aumentou a pressão sobre Taiwan, inclusive por meio de penalidades econômicas, lançamento de mísseis sobre a ilha pela primeira vez e exercícios que Taipé disse que pretendiam “simular” um ataque contra sua ilha principal e sua marinha.
Embora esses exercícios fossem originalmente esperados para terminar no domingo (7), eles continuaram em torno de Taiwan nesta segunda-feira, de acordo com um anúncio dos militares da China.
Mas, a medida que os exercícios de tiro real aumentaram os temores globais de um possível conflito militar, o clima em Taiwan permaneceu calmo e a vida seguiu como de costume, com restaurantes e transporte público lotados.
Para Wu, a ameaça tornou ainda mais importante que Taiwan continue construindo suas relações internacionais e mostre que não tem medo.
“Eu me preocupo que a China possa realmente lançar uma guerra contra Taiwan”, disse ele. “Mas o que está fazendo agora é tentar nos assustar e a melhor maneira de lidar com isso [é] mostrar à China que não estamos com medo”.
Pelosi em Taiwan
Embora sua viagem tenha sido muito discutida e controversa, as autoridades taiwanesas receberam a confirmação apenas pouco tempo antes de sua chegada, disse Wu.
“Como a viagem dela está sempre sujeita a muitas considerações, especialmente questões de segurança, […] não conseguimos a confirmação até o último momento em que ela finalizou seu plano”, disse Wu, acrescentando que Taipé conhecia o itinerário de antemão há alguns dias, mas não o momento exato de sua chegada.
A visita da presidente da Câmara e de uma delegação que a acompanhava incluiu reuniões na legislatura de Taiwan e no escritório da presidente taiwanesa Tsai Ing-wen, onde Pelosi disse que veio para enviar uma “mensagem inequívoca” de que “os Estados Unidos estão com Taiwan”.
Wu disse que sua impressão mais memorável da viagem foi cumprimentar Pelosi e a delegação no aeroporto, onde ela “mostrou seu charme” ao dizer que estava ansiosa por sua visita há muito tempo.
“E quando ela foi embora, ela não apenas se despediu de mim, mas também se despediu da equipe de funcionários, do pessoal de segurança e das pessoas que estavam cuidando da administração do aeroporto, uma a uma”, disse Wu.
Quando perguntado se os Estados Unidos aumentariam seu apoio a Taiwan após a visita, Wu disse que os EUA sempre foram “altamente favoráveis” a Taiwan, mas o apoio atual é “sem precedentes”.
Em uma entrevista exclusiva à CNN em outubro passado, a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, confirmou que alguns treinadores militares dos EUA estavam em Taiwan – a primeira vez que um líder taiwanês admitiu esse tipo de presença desde que Washington e Taipé romperam relações diplomáticas em 1979.
Mas as percepções do apoio americano provocaram a ira de Pequim contra a visita da presidente da Câmara dos Deputados, com o Ministério das Relações Exteriores da China emitindo uma declaração logo após a chegada de Pelosi, na noite da última terça-feira (2), dizendo que sua viagem teria um “severo impacto na base política das relações China-EUA” e “mina gravemente a paz e a estabilidade em todo o Estreito de Taiwan”.
Pequim anunciou os exercícios militares em larga escala no que disse serem seis zonas ao redor da ilha de Taiwan logo após a chegada de Pelosi, em resposta ao que considerou uma violação da “soberania e integridade territorial” da China.
Embora os EUA e muitos de seus aliados tenham criticado os exercícios, a China defendeu suas ações como “legítimas e justificadas”, dizendo que eram os EUA, não a China, que era “o maior sabotador e desestabilizador da paz no Estreito de Taiwan”, onde a China reivindica “direitos soberanos e jurisdição”.
‘Destruindo’ o status quo
Taiwan e China são governados separadamente desde o fim de uma guerra civil há mais de sete décadas, na qual os nacionalistas derrotados fugiram para Taipé. Taiwan passou de um regime autoritário para uma democracia na década de 1990 e agora é classificado como uma das jurisdições mais livres da Ásia pela Freedom House, uma organização sem fins lucrativos sediada nos EUA.
Nos últimos anos, à medida que seu poder cresceu, o líder chinês, Xi Jinping, deixou claro suas ambições de “reunificar” a ilha – pela força, se necessário.
Wu acusou a China de tentar mudar o status quo no Estreito de Taiwan, inclusive realizando exercícios militares nos últimos dias na linha mediana, o ponto intermediário entre a ilha e a China continental, que anteriormente era uma fronteira de controle informal, mas amplamente respeitada entre Pequim e Taipé.
Dezenas de aviões de guerra chineses cruzaram a linha mediana entre quinta e domingo, segundo relatos do Ministério da Defesa de Taiwan. Embora a linha mediana informal tenha preservado amplamente a paz no Estreito de Taiwan por décadas, a China agora nega abertamente sua existência.
“Esse tipo de comportamento está destruindo o status quo, está destruindo a paz e a estabilidade nesta região e não deve ser aceito”, disse Wu, acrescentando que a China tentou declarar o Estreito de Taiwan como suas águas internas por “algum tempo”, antes da visita de Pelosi.
Isso teve implicações além de Taiwan, já que a China busca expandir sua influência no Pacífico Ocidental, disse Wu. Mas ele acrescentou que continua otimista em relação ao futuro.
“A democracia vai prevalecer”, disse ele. “Se você olhar para o autoritarismo, ele não é resiliente. Pode parecer forte e pode parecer estar se expandindo. Mas não é resiliente e em algum momento vai quebrar”.
Quando perguntado se a situação poderia ser chamada de crise, Wu disse que, em última análise, dependia de Pequim. “Depende da vontade dos líderes chineses ver se eles querem manter as relações com Taiwan […] de maneira pacífica e estável”.
Wu disse que não sabe se os líderes chineses “já se decidiram” usar a força para tomar Taiwan, mas as autoridades taiwanesas estavam “analisando vários cenários diferentes”, em particular devido a preocupações de que Pequim poderia tentar desviar a atenção dos problemas internos criando uma crise no Estreito de Taiwan.
“O importante para nós é que precisamos estar preparados”, disse Wu. “Queremos defender a liberdade e a democracia que desfrutamos aqui. Ninguém pode tirar isso de nós”.