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    Análise: candidatos para substituir Boris Johnson preferem não falar sobre Brexit

    Por mais que o partido conservador tente não abordar o assunto, os problemas sentidos pela população mostram que ele não ficou para trás

    Luke McGeeda CNN

    Há uma coisa que Liz Truss e Rishi Sunak, os dois candidatos que ainda disputam para ser o próximo primeiro-ministro do Reino Unido, concordam: o Brexit não tem nada a ver com os problemas que o país enfrenta agora.

    Isso ficou claro a partir de uma resposta a uma pergunta em um debate televisionado na semana passada, que ocorreu após a impasse na abordagem do assunto do porto de Dover.

    Localizado no sudeste da Inglaterra, ele é porta de entrada para o continente para milhões de turistas e um terço de todo o comércio do Reino Unido todos os anos, mas apresenta atrasos — e o Brexit seria uma causa dos problemas.

    Questionando se a saída da União Europeia (UE) é a razão para os transtornos, ambos enfáticos na resposta: Não.

    Sunak, um apoiador comprometido do Brexit, dificilmente poderia ter dito outra coisa. Mas Truss, que fez campanha para que o Reino Unido permanecesse no bloco, se reinventou como uma convertida à saída. Nenhum indício de heresia ao partido conservador pode ser permitido.

    Ambos estão travados na batalha para conquistar os membros do partido, que estão entre os defensores do Brexit mais comprometidos do país.

    A verdade inconveniente, como confirmou o chefe do porto de Dover, é que o caso contribuiu de fato para o caos. Com o Reino Unido com status rebaixado nas relações comerciais, o que antes era um processo relativamente contínuo na fronteira deu lugar a burocracia significativa com potencial para grandes atrasos.

    “Estamos em um ambiente pós-Brexit, o que significa que o tempo de liberação através das fronteiras vai demorar mais porque os passaportes precisam ser verificados e carimbados”, disse Doug Bannister à rádio LBC.

    Especialistas jurídicos concordam: “Antes do Brexit, não havia exigência de carimbo. Assim, quando havia maior fluxo em Dover, tudo o que você precisava fazer era acenar com seu passaporte. Encontrar uma página e carimbar fisicamente o documento obviamente atrasa as coisas”, pontua Catherine Barnard, professora de direito europeu no Trinity College, em Cambridge.

    E foi realmente isso que aconteceu na semana passada: enormes filas de caminhões e carros que congestionaram as estradas no condado de Kent e causaram transtornos para as famílias.

    No entanto, a relutância dos candidatos a primeiro-ministro em falar mal do Brexit não é surpreendente.

    Foi o Partido Conservador sob a gestão Johnson que finalmente quebrou anos de impasse para uma resolução em 2019, conquistando a maioria parlamentar com a promessa de “concluir o Brexit” com um “acordo pronto”, o que ele garantiu pessoalmente depois de anos de negociações tortuosas com a União Europeia.

    Mas, em 2022, as coisas parecem muito diferentes. O Brexit está longe se estar no passado, se considerarmos os argumentos constantes sobre a fronteira irlandesa e o caos em Dover.

    “Embora seja verdade que o Brexit acabou e as medidas que tomamos para deixar a UE sejam irreversíveis, as consequências dele permanecem”, observa Dominic Grieve, ex-parlamentar conservador e ex-procurador-geral.

    Essas consequências vão além dos turistas presos no trânsito e do colapso político na Irlanda do Norte. O Office for Budget Responsibility (OBR), analista econômico independente oficial do governo do Reino Unido, prevê que a produtividade a longo prazo será reduzida em 4%, em comparação com a permanência do país na UE.

    O OBR também prevê que o comércio seja reduzido em 15% no longo prazo e que novos acordos comerciais com países não pertencentes ao bloco econômico “não terão impacto material, e qualquer efeito será gradual”.

    O Brexit, o evento político mais significativo da história britânica moderna, tem estado notavelmente ausente dos discursos das campanhas para suceder Johnson.

    Além de vagas referências sobre os benefícios da saída da UE e tentativas de manter uma postura cética, nem mesmo os impactos econômicos estão sendo mencionados, apesar da crise de custo de vida que os britânicos estão sofrendo atualmente.

    Há, sem dúvida, coisas que o governo pode fazer fora da União que trarão benefícios econômicos em algumas áreas.

    Liz Truss, em particular, fala sobre a perspectiva de rasgar os regulamentos que o Reino Unido herdou do bloco para liberar dinheiro que poderia ser usado para investir na infraestrutura do país.

    “O governo poderia reverter os regulamentos sobre a administração de fundos de pensão e seguros, por exemplo, o que criaria o potencial para esse dinheiro ser investido em projetos de infraestrutura”, destaca Vicky Pryce, ex-chefe conjunta do Serviço Econômico do Governo do Reino Unido.

    Ela acrescenta, no entanto, que “esses benefícios podem ser superados por todas as outras coisas negativas que podem estar acontecendo no curto e médio prazo, como a falta de produtividade que dificulta o crescimento e os custos extras para empresas e consumidores por causa do Brexit”.

    Os conservadores moderados estão silenciosamente desanimados com o fato de que, por um lado, o Brexit precisa urgentemente de conserto, mas, por outro, ninguém é corajoso o suficiente para dizer isso por medo de uma reação dos eleitores, de seus colegas conservadores e da mídia de direita.

    “A base não vai tolerar ninguém falando mal. Mesmo sabendo em particular que não está funcionando como previsto”, ressalta um influente parlamentar conservador.

    “O triste é que existem maneiras de corrigi-lo, mas ninguém tem confiança para admitir isso”, adiciona o parlamentar.

    Existem maneiras de limitar o impacto do Brexit, mas a maioria delas envolve uma associação mais próxima com a União Eueropeia, o que é politicamente tóxico para os conservadores que apelam para sua própria base agora.

    O que preocupa outros moderados é que Truss – a mais provável de vencer a disputa – fez campanha contra o Brexit em 2016. Desde então, ela tem sido uma das figuras mais céticas em relação a isso no governo e conquistou o apoio de alguns dos mais fervorosos defensores da saída do bloco.

    Como resultado, aqueles que temem que o impacto no Reino Unido piore pensam que, para manter seus apoiadores, é muito improvável que Truss adote um tom mais suave.

    Sunak, por outro lado, poderia melhorar as relações com a Europa após ter apoiado o distanciamento do país. No entanto, até mesmo seus apoiadores acham que Truss o ultrapassou com sucesso a tal ponto que, mesmo que ele vença, ele não ousará arriscar a ira dos membros partidários se rebelando.

    O Partido Trabalhista, de oposição, notou a dificuldade em abordar o assunto dos conservadores. No início deste mês, o líder trabalhista Keir Starmer fez um discurso no qual prometeu que seu governo “faria o Brexit funcionar”.

    No entanto, ele deixou claro que os trabalhistas não voltariam a se juntar a nenhuma das instituições da UE, mercado único ou união aduaneira.

    É claro que deixar a União Europeia foi uma decisão totalmente democrática e é razoável que o próximo primeiro-ministro, quem quer que seja, esteja comprometido em manter o Reino Unido separado do bloco.

    É, no entanto, uma perda para o debate que nenhum dos dois esteja disposto a reconhecer o impacto que ele causou no país. E por mais que evitar a questão do Brexit possa ser eficaz ao apelar para sua base, o próximo primeiro-ministro pode enfrentar uma situação delicada quando enfrentar o público nas próximas eleições gerais.

    Especialmente se as contas de alimentos e energia continuarem subindo.

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