Mauricio Pestana: Brasil e Estados Unidos, às vezes parecidos
Mesmo com o recrudescimento do racismo e a pauta racial na ordem do dia, eleições brasileiras se parecem com as dos EUA de décadas atrás
Desde minhas primeiras viagens aos Estados Unidos — e olha que quase todas foram condicionadas a entender um pouco das similaridades e diferenças nas relações raciais de lá com o Brasil –, percebo estágios parecidos e às vezes mais avançados e mais retrógrados em vários aspectos da inclusão e exclusão de negros e negras de lá e daqui.
Se lá eles levaram séculos e muitas eleições para elegerem seu primeiro presidente negro, aqui é sempre bom lembrar tivemos um bem antes, no início do século passado, Nilo Peçanha, entre 1909 e 1910. Embora tenha ocupado o cargo por meses, Peçanha continua sendo a única referência de alguém negro que ocupou a Presidência do Brasil.
Voltando aos nossos tempos, mais precisamente a estas eleições, percebo algumas similaridades na trajetória do discurso racial que levou Barack Obama a ser o primeiro presidente negro daquele país e o momento que vivenciamos.
É importante frisar a caminhada e o discurso racial da falta de representatividade negra nas eleições e nos espaços de poder político estadunidense por conta do regime de segregação racial que aquele país viveu e só começou a mudar depois da luta intensa pelos diretos civis, sobretudo na segunda metade do século 20.
A eleição do primeiro presidente negro só aconteceu depois de muitas tentativas de outras lideranças negras terem se lançado mesmo que sem suporte econômico, popular e até partidário, o que foi minando a resistência tanto dos democratas como dos republicanos — e com uma forte aliança dos negros cada vez com mais poder político e econômico, foram arquitetando espaços para se chegar até uma candidatura como a de Obama.
Quando analiso as eleições deste ano, percebo novamente nossas similaridades, porém, infelizmente, mesmo com o recrudescimento do racismo e a pauta racial estando na ordem do dia, é impressionante como nosso pleito parece com o pleito americano de 40, 50 anos atrás, quando candidaturas como a do pastor Jesse Jackson entravam muito mais como protesto do que com chances reais de vencer.
Confirmando agora pelas convenções partidárias, até temos candidaturas negras, como as de Leonardo Pericles (UP), que terá uma vice também negra, Samara Martins, e de Vera Lucia Salgado (PSTU). O que eles têm em comum? As dificuldades econômicas e políticas, entre outras coisas, e o discurso também bastante carregado na questão racial.
Porém o cenário político e racial, embora estejamos no século 21, ainda faz lembrar os Estados Unidos do século passado, onde candidaturas negras entravam mais como forma de protesto.
A grande diferença é que estamos no segundo maior país negro do mundo, aqui a população negra é majoritária. Será que teremos que esperar mais meio século para eleger um presidente negro?
Este texto não representa, necessariamente, a opinião da CNN Brasil.