Ex-aliados, Trump e Pence avançam para confronto em 2024
Ex-presidente e ex-vice dos EUA, que planejam candidatura à Casa Branca na próxima eleição, estiveram em Washington pouco depois da última reunião que investiga ataque ao Capitólio
A última batalha entre Donald Trump e Mike Pence está ocorrendo sob a sombra de como terminou o tempo em que passaram juntos no cargo: a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021.
O ex-presidente e seu ex-vice-presidente, que está cada vez mais emergindo como um rival, estiveram em Washington nesta terça-feira (26). No caso de Pence, esta é a sua segunda visita em uma semana, enquanto ele prepara as bases para uma possível candidatura à Casa Branca em 2024. E, para Trump, é sua primeira visita a Washington desde que deixou o cargo há um ano e meio.
Os discursos de Trump e Pence acontecem poucos dias após a última audiência do comitê seleto da Câmara que investiga o 6 de janeiro de 2021. E suas aparições, focadas em suas visões divergentes para o Partido Republicano, mostram como essa investigação está sendo ignorada e descartada por eleitores e políticos republicanos, enquanto duas das figuras mais proeminentes do partido avançam para as primárias presidenciais de 2024.
Essa dissonância – um partido voltando sua atenção para a próxima corrida presidencial em uma cidade que ainda tenta entender como a última terminou – frustrou o pequeno número de republicanos que quer ver a nação levar em consideração o que aconteceu no Capitólio, onde os manifestantes, estimulados pelas mentiras de Trump sobre fraude eleitoral, gritavam o que queriam para condenar Pence por sua recusa em rejeitar os votos eleitorais dos principais estados.
O deputado Adam Kinzinger, Illinois, que é um dos dois republicanos no comitê da Câmara que investiga o ataque, disse nesta terça-feira que está frustrado porque atos potencialmente criminosos descobertos pela investigação não levaram a um processo pelo Departamento de Justiça do presidente Joe Biden.
Mas Kinzinger disse à CNN que ficou satisfeito com a revelação de que Marc Short, ex-chefe de gabinete de Pence, e confirmou que testemunhou na semana passada diante de um grande júri que investiga a insurreição.
“Houve muita frustração, meio que pessoalmente, pelo último, eu acho, ano e meio, tipo, o que o Departamento de Justiça está fazendo?”, disse Kinzinger. “Acho que nossa investigação, embora não seja uma investigação criminal, certamente trouxe à tona algumas coisas que o Departamento de Justiça está observando, e entre isso e alguns dos mandados de busca que foram cumpridos e algumas outras coisas que estamos vendo, me parece que eles estão avançando”.
Ele acrescentou: “acho importante para o Departamento de Justiça saber qual é a criminalidade do que aconteceu e, se houver crimes, processá-los. Porque não podemos viver em um país onde enviamos uma mensagem de que um presidente está acima da lei, desde que falhe em uma tentativa de golpe”.
No entanto, a posição de Kinzinger parece fora de sintonia com a base republicana. Os eleitores do partido ficaram do lado de Trump, abraçando suas mentiras sobre a eleição de 2020 ser roubada e apoiando candidatos em todo o país que fizeram o mesmo. E a maioria dos principais republicanos, mesmo aqueles que se recusaram a repetir as mentiras de Trump, evitaram confrontar diretamente o ex-presidente.
Trump e Pence estiveram em Washington na terça-feira para discursos que foram anunciados como políticas muito focadas em suas visões para o Partido Republicano.
Pence estava inicialmente programado para falar na Heritage Foundation na segunda-feira (25), mas, devido ao atraso de seu voo por fator climático, ele entregou uma versão abreviada na terça-feira, que ofereceu vislumbres de suas diferenças com Trump. Pence fez referências veladas ao seu desejo de superar as mentiras de Trump sobre o resultado das eleições de 2020 e orientar o partido em direção ao que ele chamou de “agenda da liberdade”.
“Agora, algumas pessoas optam por se concentrar no passado”, disse ele. “Mas eleições são sobre o futuro. E acredito que os conservadores devem se concentrar no futuro para reconquistar a América”.
Mas a divisão entre os antigos companheiros de chapa estava na mente da multidão de jovens conservadores. Quando perguntado sobre a divisão por um membro da audiência na segunda-feira, o ex-vice-presidente minimizou a ideia de que havia alguma ruptura dentro do movimento conservador mais amplo, dizendo que “não poderia estar mais orgulhoso do histórico do governo Trump-Pence”.
Mas Pence reconheceu uma diferença de “foco” entre ele e Trump.
“Não sei se o presidente e eu diferimos em questões, mas podemos diferir no foco”, disse Pence. “Eu realmente acredito que as eleições são sobre o futuro. E é absolutamente essencial, em um momento em que tantos americanos estão sofrendo, tantas famílias estão lutando, que não cedamos à tentação de olhar para trás. Mas acho que chegou a hora de oferecermos uma agenda ousada e positiva para trazer a América de volta, e continuarei levando essa mensagem por toda a nação”.
Pence também está escrevendo um livro, programado para ser publicado em novembro, e que cobrirá “o rompimento do relacionamento do presidente Trump em 6 de janeiro de 2021, quando Pence manteve seu juramento à Constituição”, segundo a editora Simon & Schuster.
Outros republicanos minimizaram a influência de Pence dentro de um Partido Republicano em que Trump continua sendo a figura dominante e disseram que não há eleitorado para ele em uma corrida presidencial de 2024.
No domingo, em um discurso na conferência Turning Point USA Student Action, o deputado da Flórida, Matt Gaetz, atacou Pence.
“Nossa América é orgulhosamente ultra MAGA [Make America Great Again – slogan usado por Trump], não um safári RINO [Republican In Name Only] de baixo consumo de energia”, disse Gaetz, referindo-se a um termo depreciativo para os chamados republicanos moderados. “Nessa nota, deixe-me dizer o que todos aqui sabem: Mike Pence nunca será presidente. Cara legal, mas não é um líder”.
Enquanto isso, a ampla rejeição dos republicanos ao júri da Câmara que investiga a invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021 foi exibida na campanha de meio de mandato de 2022 – e particularmente em comícios que Trump organizou para candidatos que ele endossou nas principais primárias, a maioria dos quais se aliou a ele em seus pedidos para que os estados revertam os resultados de 2020 e tornem a votação mais difícil, impondo novas restrições à votação por correio, caixas de entrega e muito mais em eleições futuras.
“Acho que eles são um bando de idiotas”, disse Wanda Schoenberner sobre as audiências de 6 de janeiro. Ela é uma apoiadora de Trump, que participou de seu comício no fim de semana no Arizona.
“Você tem os dois lados, ou está ouvindo apenas um lado da história?”, disse. Ela alegou que a insurreição foi “um sujo trabalho por alguém interno”.
Trump, em sua primeira viagem a Washington desde que deixou o cargo em 20 de janeiro de 2021, fará o discurso principal em uma cúpula organizada pelo America First Policy Institute, um grupo que pode servir como uma espécie de campanha para desenvolver um plataforma para uma corrida presidencial de 2024.
Espera-se que o discurso de Trump se concentre na “lei e ordem”, de acordo com o porta-voz dele, Taylor Budowich.
“O presidente Trump vê uma nação em declínio que é impulsionada, em parte, pelo aumento do crime e pelas comunidades se tornando menos seguras sob as políticas democratas”, disse Budowich. “Suas observações destacarão as falhas políticas dos democratas, ao mesmo tempo em que apresentarão uma visão da América em primeiro lugar para a segurança pública que certamente será uma questão definidora durante as eleições intermediárias e para além disso”.
Os aliados de Trump dizem à CNN que esperam que o ex-presidente use o discurso para olhar para o futuro e se concentrar em definir uma agenda republicana antes das eleições de meio de mandato. Como Trump provocou publicamente uma candidatura de 2024, assessores e conselheiros o encorajaram a esquecer a eleição de 2020 e mudar o foco para políticas que eles acreditam que poderiam colocá-lo de volta no cargo, como economia, currículo escolar e crime.
Até agora, Trump ainda não mudou de rumo, usando discursos para alegar que a eleição de 2020 foi fraudada, criticando os republicanos que ele considera desleais e atacando o comitê seleto. Uma fonte próxima a Trump expressou frustração pelo fato de o ex-presidente parecer ainda estar obcecado com o passado e diz que está preocupado que isso possa prejudicar suas chances em uma campanha presidencial em 2024.
*Com informações de Mike Warren, Kristen Holmes, Dan Merica, Donie O’Sullivan, Annie Grayer e Veronica Stracqualursi, da CNN.