BCE aumenta taxa de juros da zona do euro em 0,5 p.p., primeira alta desde 2011
Autarquia iniciou ciclo de alta de taxas para conter inflação recorde ligada aos efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia
O Banco Central Europeu (BCE) anunciou nesta quinta-feira (21) que elevou a principal taxa de juros da zona do euro em 0,5 ponto percentual, iniciando com isso um ciclo de alta para conter níveis recordes de inflação. Com isso, a taxa de depósito passa a ser de 0%, ante -0,5% anteriormente.
Em junho, a inflação da região, formada por 19 países, atingiu o maior valor da história, com um acumulado de 12 meses de 8,1%. Desse total, quase metade está ligada a preços recordes de energia.
O banco central havia sinalizado em junho que faria uma elevação de 0,25 p.p., mas muitos investidores defendiam que o BCE precisaria ser mais agressivo na elevação, defendendo um aumento de 0,5 p.p. Alguns dirigentes da autarquia, considerados mais linha dura, também defenderam o movimento.
O BCE busca equilibrar um esforço de combate à inflação via taxa de juros sem, entretanto, estabelecer níveis que desacelerariam excessivamente a economia, jogando a zona do euro em uma recessão.
As outras duas taxas da zona do euro, de refinanciamento e de empréstimo, também tiveram altas de 0,5 p.p., passando a valer, respectivamente, 0,5% e 0,75%.
Em comunicado após a decisão, o BCE afirmou que a medida busca “garantir o retorno da inflação à meta de 2% no médio prazo”, e que passou a ser apropriado adotar um movimento mais forte de alta do que o sinalizado anteriormente devido à conjuntura econômica.
Segundo a autarquia, a decisão foi baseada na avaliação atualizada de riscos inflacionários e no apoio “reforçado fornecido pelo instrumento de proteção para efetiva transmissão da política monetária”, se referindo a um instrumento que buscará reduzir os impactos negativos da alta para países mais vulneráveis do grupo.
Os dirigentes disseram ainda que a saída das taxas de juros do território negativo permitirá uma ‘transição para uma abordagem reunião a reunião sobre decisões de juros”.
O ciclo de alta de juros começa meses depois do de outras grandes economias, como os Estados Unidos e o Reino Unido, e após meses de resistência de diversos dirigentes da autarquia, incluindo a presidente do BCE, Christine Lagarde. O argumento contrário à alta era de que a inflação seria temporária e ligada a problemas de oferta, e que a alta nas taxas não resolveria o problema e acabaria desacelerando a economia da região.
Entretanto, o quadro foi piorado com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, com as sanções ocidentais e a reação russa limitando o fornecimento de gás natural. Com isso, os preços de energia dispararam na região. A expectativa de analistas é que a inflação na zona do euro suba ainda mais, com uma continuidade do conflito.
A demora em iniciar a alta de juros foi mal vista pelo mercado, o que contribuiu para uma desvalorização do euro. A moeda teve uma tendência de desvalorização, e atingiu uma paridade em relação ao dólar pela primeira vez em 20 anos, chegando inclusive a valer menos que a moeda norte-americana. Após a decisão, o euro acelerou uma alta na sessão.
Paula Magalhães, economista-chefe da AC Pastore Associados, afirma que a decisão de subir juros aumenta o risco de uma recessão global, o que acaba influenciando o dólar e levando a uma alta da moeda, o que se mistura com um quadro doméstico negativo e acaba prejudicando o Brasil.
“O Brasil tem duas forças puxando o dólar. De um lado, a taxa de juros mais alta mesmo com elevações nos Estados Unidos, mas o câmbio está depreciando em grande parte por conta de um risco fiscal que leva investidores a saírem do Brasil. Enquanto não resolver a questão fiscal, é difícil falar em apreciação do real”, diz Magalhães.
A alta de juros na zona do euro já era esperada, e muito desse movimento foi precificada previamente no mercado, segundo André Perfeito, economista-chefe da Necton. Ele considera, entretanto, que o quadro econômico global mais negativo, com risco de recessão, pode contribuir para piorar as expectativas de câmbio e, consequentemente, de juros, o que pode prejudicar a economia brasileira, mas é difícil determinar o quanto cada fator externo ou interno está afetando esses elementos.
Já Rodrigo Natali, estrategista-chefe da Inv, avalia que o principal efeito do movimento de alta na Europa é que o euro “se torna mais atraente na margem”, o que pode mudar a dinâmica de apreciação de dólar ao redor do mundo.
“Além disso, o BCE entrando em campo, ajuda a melhorar a percepção de risco do mercado como um todo, beneficiando os ativos financeiros em geral”, afirma.
*Com informações da Reuters