Atuação do ministro da Defesa reforça falas de Bolsonaro sobre “meu exército”
Paulo Sérgio Nogueira não pode colaborar para fomentar uma revolta que, no limite, caberá a ele controlar
As reiteradas e indevidas intromissões do ministro das Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, no processo eleitoral mostram que o presidente Jair Bolsonaro não estava errado ao falar em “meu exército”. Desde o início de seu mandato que as Forças Armadas praticam uma ligação com o Palácio do Planalto que ultrapassa suas funções constitucionais.
Não custa repetir: assim como outras instituições públicas e privadas – entre elas, universidades e a Policia Federal -, as Forças Armadas foram convidadas pelo Tribunal Superior Eleitoral para apresentar sugestões com o objetivo de aprimorar o processo eleitoral. O convite foi para sugerir, não para assumir o comando das eleições.
As FFAA apresentaram observações dentro e fora do prazo, boa parte delas foi acolhida. Nenhuma ficou sem resposta do TSE. Mesmo assim, o Ministério da Defesa insiste: alinhado com os ataques sem evidências de Bolsonaro às urnas eletrônicas, quer por que quer determinar como devem ser feitas as eleições, numa atitude que atropela a Justiça Eleitoral, a legislação e o bom senso.
Mais, a repetição das críticas fortalece a tensão e a desconfiança em relação ao processo, aumenta o risco de tumulto e protestos violentos no dia da votação. A bomba jogada em comício do PT, o ataque ao carro do juiz que mandou prender o ex-ministro Milton Ribeiro e o assassinato de um petista no Paraná deveriam servir como alertas para a necessidade de não estimular conflitos. Forças Armadas, que podem ser chamadas para garantir a lei e a ordem, não podem fazer gestos que estimulem o desrespeito a esses princípios.
As urnas eletrônicas foram desenvolvidas e adotadas para acabar com as fraudes, comuns no tempo da votação em cédulas. Havia um processo viciado, urnas sumiam, votos em branco eram preenchidos na apuração, havia muita adulteração dos relatórios que deveriam registrar a vontade do eleitor. O sistema favorecia os partidos mais fortes, que dominavam a politica de cada cidade.
A proposta do voto impresso, derrotada no Congresso Nacional, embutia um grande risco. De posse da cópia física de seu voto, eleitores interessados em tumultuar o processo poderiam alegar que aquele registro não correspondia à opção digitada, o que geraria um caos, induziria à apuração manual em uma quantidade incalculável de seções eleitorais – e voltaria a valer a lei do mais forte.
Na semana passada, Nogueira de Oliveira apresentou outra proposta, a de criação de um teste de integridade. A Defesa sugeriu que houvesse, em algumas seções eleitorais, duas votações adicionais, apenas para teste: o eleitor votaria também num modelo de urna eletrônica e numa cédula de papel. Isto, para que os dois votos simulados fossem comparados.
Além de não estar prevista em lei, a proposta se baseia em algo que o TSE já faz – a diferença é que a justiça eleitoral utiliza câmeras que registram tudo. Quem participa da simulação – representantes de partidos políticos – não tem como mentir, dizer que digitou um número na urna eletrônica e escreveu outro no papel. Para ser confiável, a ideia da Defesa teria que ocorrer uma outra ilegalidade, a quebra o sigilo do voto de eleitores, pessoa comuns, que não representariam partidos políticos.
O general Nogueira de Oliveira ocupa um cargo político, o de ministro de Estado. Mas não se trata de uma função com a de seus colegas de ministério – ele exerce a direção superior das Forças Armadas, que a ele estão subordinadas. A situação fica ainda mais delicada pelo fato de ele ser um oficial-general que há até pouco tempo estava no serviço ativo.
A nomeação de militares para o Ministério da Defesa, iniciada no governo Michel Temer, representa uma distorção, algo a ser evitado – o cargo foi pensado para ser exercido pelo poder civil e isso deveria ser mantido. O histórico de intervenções militares na história brasileira apenas reforça a necessidade deste afastamento. Já passou da hora de as Forças Armadas deixarem de atuar como tutoras do processo político-institucional.
Cabe ao Ministério da Defesa tratar de operações das Forças Armadas, inclusive as destinadas à Garantia da Lei de da Ordem quando instituídas pelo presidente da República. A legislação diz que que ao ministério atuar, quando couber, na garantia da votação e da apuração eleitoral – votação e apuração, não organização do pleito, vale frisar.
Até pela quantidade de poderes em suas mãos, o ministro da Defesa tem que se manter afastado da vida político-partidária. Sua atuação apaixonada e insistente em prol da tese propagada pelo presidente da República é um fator de desequilibro do pleito, algo que soa como ameaça, que aumenta o grau de tensão e insegurança. Mais: o ministro da Defesa não pode colaborar para fomentar uma revolta que, no limite, caberá a ele controlar.
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