Aumentar IR dos mais ricos é caminho para sistema tributário menos desigual, diz FGV
Atualmente, os contribuintes com renda mais baixa acabam pagando valores proporcionalmente maiores
Em ano de eleições e com a votação da reforma tributária interditada no Congresso, o Observatório de Política Fiscal da Fundação Getulio Vargas (FGV) lançou um livro digital com propostas para tornar o Sistema Tributário Nacional mais justo, penalizando menos os mais pobres, após o aumento das desigualdades sociais do país com a pandemia da covid-19.
O lançamento do livro “Progressividade Tributária e Crescimento Econômico” coincide com as polêmicas desonerações de tributos promovidas recentemente pelo governo e o Congresso para forçar a queda dos preços, mas feitas ao largo de uma mudança estrutural da reforma tributária.
O acesso ao livro digital é gratuito via o portal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV para fomentar o debate com propostas concretas para a janela de oportunidade para a votação da reforma na virada de governo.
São 10 autores em 13 capítulos que fazem uma abordagem integrada de mudanças, sem focar num único imposto, que possam trazer mais progressividade para a cobrança dos tributos no país. Esse é um termo usado para apontar um sistema no qual os contribuintes com maior capacidade de pagamento pagam mais impostos.
Hoje, o sistema brasileiro é altamente regressivo. Ou seja, os contribuintes com renda mais baixa acabam pagando valores proporcionalmente maiores.
Como mostrou o Estadão, se a tabela do Imposto de Renda não for corrigida, em 2023, trabalhadores que ganham até 1,5 salário mínimo vão pagar IR compulsoriamente.
Organizador do livro, o coordenador do Observatório de Política Fiscal, Manoel Pires, conta que a ideia da coletânea surgiu na esteira da discussão do projeto de reforma do Imposto de Renda, aprovado na Câmara e que ficou com tramitação parada no Senado sob a artilharia de vários segmentos da sociedade.
“Diferente da tributação do consumo, em que há um consenso maior para onde o sistema tributário deve ir, o que ocorreu na tributação do Imposto de Renda foi uma mistura de lobbies muito poderosos que distorceram a reforma e uma dissonância muito grande sobre o que deveria ser feito”, diz Pires.
Segundo ele, a versão final do projeto não agradou porque continuou mantendo várias formas de planejamento tributário e permitindo que rendas muito altas consigam não pagar imposto. “Ainda precisamos avançar nesse debate nacional”, afirma.
Um dos principais pontos abordados é a discussão sobre a tributação de lucros e dividendos. Pires diz que o livro traz uma abordagem mais ampliada sobre o tema ao apresentar a discussão além de debate simples de tributar ou não, mas de como fazê-lo.
O livro aponta que existem duas formas principais de tributação de lucros e dividendos. A primeira via uma alíquota uniforme em que a soma da tributação na empresa acrescida da distribuição dos dividendos seja próxima à alíquota máxima do IRPF. A segunda forma é via uma tabela progressiva dando desconto para isentar a remuneração básica do capital (que em muitos casos, equivale à isenção pela taxa de inflação).
O livro mostra que no sistema brasileiro, os problemas variam, mas o Imposto de Renda da Pessoa Física é pouco progressivo, ou seja, não cobra mais imposto dos mais ricos proporcionalmente.
No topo da renda, ele se torna regressivo – a alíquota efetiva do IRPF dos 1% mais ricos, em 2019, foi de 5,25% – e isso está fortemente relacionado à isenção da distribuição de lucros e dividendos em que os 0,1% mais ricos possuem 58% do total da renda na forma de lucros e dividendos, ou seja, não é tributada. Há uma diferença tributária grande entre indivíduos com o mesmo nível de renda a depender da forma como a atividade econômica está estruturada.
Num dos capítulos, a coletânea trata das alíquotas efetivas do IR sobre as empresas. O artigo reforça o ponto de que, apesar da alíquota de 34% do IR sobre o lucro das empresas ser alta, a taxação efetiva (a paga) é muito diferente. Essa diferença é fruto de várias isenções e possibilidades de planejamento tributário, o que faz com que a carga seja distribuída de forma muito desigual.
A discussão sobre a progressividade do sistema tributário também ganha relevância depois das medidas recentes de desoneração do ICMS dos combustíveis, telecomunicações, energia elétrica e transporte urbano, que retiram recursos de políticas públicas no médio e longo prazo.
“Tudo está muito circunstanciado em função da questão eleitoral”, diz. Apesar das dificuldades, ele vê que as barreiras para a reforma não são intransponíveis.
Para o economista Rodrigo Orair, que é um dos autores do livro, a coletânea mostra um amadurecimento do debate sobre tributação e equidade. “É mais um salto qualitativo no debate do Imposto de Renda de maneira integrada com outros tributos e foco nos impactos macroeconômicos sobre crescimento e investimento”, diz Orair.
Segundo ele, o Brasil está atrasado em relação aos outros países na implementação das mudanças. “No mundo tem uma ventania apontando numa direção de reduzir a tributação do lucro da empresa e compensar isso revendo os benefícios tributários a tributando o acionista da empresa no nível da pessoa física”, pondera. “Ficamos para trás e veremos um freio de arrumação, independentemente do presidente que ganhar as eleições”, ressalta.
As renúncias tributárias são outro tema abordado. É analisada a evolução das renúncias tributárias mostrando que seu crescimento, nos últimos anos, decorre de mudanças metodológicas na sua mensuração. Além disso, como a tributação sobre o consumo é elevada, alguns setores precisam de tratamento diferenciado pelas dificuldades de suportar toda essa carga, o que torna difícil uma redução expressiva.
Ele destaca que as renúncias só serão reduzidas quando for possível mudar a composição do sistema tributário aumentando o peso sobre renda e patrimônio e diminuindo o peso sobre o consumo.
O livro apresenta evidências de que uma reforma redistributiva possui impactos positivos no crescimento econômico, ou seja, tributar um pouco mais o topo de renda para reduzir a tributação indireta, bastante regressiva tende a ser positivo para a economia.
Além da FGV, o livro foi realizado com o apoio da Samambaia Filantropias, uma organização do terceiro setor criada para financiar estudos com foco em progressividade tributária, crescimento econômico e redução das desigualdades no Brasil. Além de Manoel Pires e Rodrigo Orair, participam do livro com artigos Bráulio Borges, Débora Freire, Fábio Goto, Guilherme Silva Cardoso, Nelson Barbosa, Pedro Vitorino, Sérgio Wulff Gobett e Tailiny Ventura.