Incêndio em galpão da Cinemateca foi acidental, conclui PF
Chamas destruíram parte do acervo da entidade na zona oeste de São Paulo em julho do ano passado
A investigação conduzida pela Polícia Federal (PF) sobre o incêndio em um galpão da Cinemateca Brasileira no ano passado concluiu que o episódio foi acidental.
“Segundo o laudo da PF os peritos consideraram a causa do incêndio como acidental, durante a manutenção do sistema de climatização realizado por empresa terceirizada”, informou a Secretaria Especial de Cultura, em nota.
“A Secretaria Especial da Cultura avalia medidas administrativas/judiciais no sentido de apurar responsabilidades com vistas a recomposição ao dano ao patrimônio público”, acrescenta.
O incêndio aconteceu em um galpão da Cinemateca no bairro da Vila Leopoldina, na cidade de São Paulo. A estimativa do Corpo de Bombeiros indicou que o fogo atingiu cerca de 300 m², o que incluiu três salas com arquivos históricos.
As chamas apagaram uma parte relevante do registro audiovisual do país, de importância mundial, e o caso foi visto como um desastre anunciado. O governo já tinha sido alertado sobre o risco pelo Ministério Público, pela imprensa e por especialistas.
Na manhã seguinte ao incêndio, o governo federal publicou um edital para contratar uma entidade para cuidar da instituição em São Paulo.
Cerca de quatro toneladas de documentos sobre a história do cinema no Brasil, incluindo parte do acervo de Glauber Rocha, estavam entre os materiais armazenados no galpão da cinemateca.
A Cinemateca é de responsabilidade do governo federal e é gerida por meio da secretaria especial de cultura em Brasília.
Por não ter o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros, o imóvel recebeu uma advertência e tem um prazo de 180 dias para a regularização. Em uma audiência pública no dia 20 de julho do ano passado, o Ministério Público em São Paulo alertou para o risco de incêndio.
Um documento registra que após uma visita ao local, o MP identificou risco, principalmente, em relação aos filmes de nitrato.
Cinemateca em chamas: qual o melhor modelo de gestão na cultura
O incêndio que atingiu o galpão da Cinemateca reativou o debate em torno do modelo de gestão da entidade, que guarda o maior acervo da América Latina dedicado ao cinema.
Há um ano, ela vinha sendo administrada diretamente pelo governo federal. Na manhã seguinte ao incêndio, a Secretaria Especial de Cultura publicou um edital para a escolha de uma organização da sociedade civil que ficará responsável por cuidar do espaço.
A gestão da Cinemateca era feita pela Associação de Comunicação Recreativa Roquette Pinto (Acerp), organização social baseada no Rio de Janeiro que já fazia a gestão da TV Escola para o governo federal, desde 2018.
O contrato se encerrou no final de 2019 e não foi renovado. Em agosto de 2020, todos os funcionários ligados à Acerp foram demitidos e o governo federal retomou a gestão, prometendo o lançamento de um novo edital para escolha de uma nova entidade gestora – o que só aconteceu na manhã seguinte ao incêndio.
A demora na publicação das regras para o processo vinha sendo criticada pelo setor audiovisual.
Como revelou a CNN, o Ministério Público Federal chegou a questionar o que chamou de “estrangulamento financeiro e abandono administrativo” da instituição e alertou o governo, em audiência no dia 20 de julho, da possibilidade de incêndio nas instalações da Cinemateca.
Procurados pela reportagem, o Ministério do Turismo e a Secretaria Especial de Cultura não responderam.
Especialistas se dividem sobre qual modelo de gestão é mais eficiente e adequado para a Cinemateca e outros equipamentos culturais.
“O modelo de gestão é central no que aconteceu”, diz o pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP) Carlos Augusto Calil, presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca.
“Escolher uma organização social não vai resolver o problema. A Cinemateca precisa ser reestatizada, precisam ser realizados concursos para a contratação de pessoal especializado.”
O grupo Trabalhadores da Cinemateca Brasileira, que inclui funcionários demitidos pelo governo federal em agosto do ano passado, também questionou o edital.
“O incêndio da noite de ontem é mais um motivo pelo qual não podemos esperar para dar um basta à política de terra arrasada e de apagamento da memória nacional”, afirmaram em comunicado divulgado na manhã de sexta-feira, no qual reclamam da “falta de transparência” na condução do processo.
“O modelo proposto não dá conta da complexidade de um órgão desse porte”, completa o texto.
Professora de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas, Regina Silvia Pacheco discorda.
“Em quarenta anos de pesquisas e trabalhos sobre administração pública, eu posso afirmar com toda a certeza que não existe gestão eficiente na cultura por meio de administração direta. Falar em reestatizar é um retrocesso”, diz.
Ela lembra que o Museu Nacional, que pegou fogo em 2018 no Rio de Janeiro, é administrado diretamente pelo estado.
Outros incidentes, como os incêndios no Teatro Cultura Artística, em 2008; no Museu da Língua Portuguesa, em 2015; e no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 2017, aconteceram em instituições com diferentes formas de gestão.
“O problema não está no modelo, mas no modo como a gestão é feita, na atenção que de fato se dá a ela.”