Contagem de votos é feita pelo TSE e não por empresa terceirizada, como afirma post
É enganoso o vídeo que usa declarações do ministro Luís Roberto Barroso de 2020 para afirmar que existe uma terceirização de serviços na contagem de votos no Brasil
Enganoso: É enganoso o vídeo que usa declarações do ministro Luís Roberto Barroso de 2020, quando era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para afirmar que existe uma terceirização de serviços envolvendo a contagem de votos nas eleições brasileiras. O conteúdo está fora de contexto e não explica que, apesar de haver um prestador de serviço de suporte e manutenção dos computadores do tribunal, quem controla os equipamentos são os próprios servidores do TSE.
Conteúdo investigado: Um vídeo editado que circula no Facebook, Twitter e WhatsApp mostra o ministro Luís Roberto Barroso concedendo entrevista após as eleições de 2020. O conteúdo atribui ao TSE a afirmação de que a contagem de votos é feita por empresa terceirizada.
Onde foi publicado: Facebook, Twitter e Whatsapp.
Conclusão do Comprova: É enganoso um vídeo de 2020 que circula nas redes sociais, no qual Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e então presidente do TSE, responde à pergunta de um jornalista sobre o supercomputador usado pelo tribunal para fazer a contagem de votos nas eleições.
A publicação distorce as declarações do ministro para dar a entender que quem administra a máquina é uma empresa terceirizada e que os votos são enviados para uma nuvem computacional. Conforme explicado pelo TSE, o supercomputador é gerido pelo tribunal e fica em uma sala-cofre na sede do órgão.
A empresa terceirizada, contratada pelo TSE por meio de contrato de quatro anos, é responsável pela manutenção do computador, que consiste em um eventual conserto ou troca de peças do aparelho.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Somente no Facebook, o vídeo alcançou 16,8 mil visualizações, 2,2 mil curtidas, 319 comentários e 1,4 mil compartilhamentos até o dia 7 de julho.
O que diz o autor da publicação: O post viral foi compartilhado no Facebook pelo delegado Francischini, que foi deputado estadual do Paraná e deputado federal. Em outubro de 2021, no entanto, foi cassado por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação.
Ele foi procurado por mensagem no Facebook, mas não respondeu.
Como verificamos: Para fazer a verificação, a equipe do Comprova procurou informações no Google sobre o supercomputador citado no vídeo. A busca retornou resultados sobre peças de desinformação a respeito do assunto que circularam nas eleições de 2020 (G1, Estadão e Aos Fatos) e uma nota do TSE que desmentia que o supercomputador mandava os votos para um serviço de computação em nuvem.
Em seguida, a equipe procurou o vídeo original, que é de uma entrevista coletiva dada no primeiro turno das eleições de 2020, e está disponível no canal do Youtube do TSE.
A equipe também entrou em contato com o TSE e com o autor do post, que até o momento não respondeu.
O vídeo
O trecho do conteúdo investigado é de uma entrevista coletiva transmitida no dia 15 de novembro de 2020, após o fim do 1º turno das eleições municipais. Naquele dia, um problema técnico no supercomputador do TSE, que faz a totalização dos votos que chegam de todo o país, acabou atrasando a divulgação do resultado das eleições. Isso levantou questionamentos em relação ao processo utilizado pelo tribunal.
Na época, o presidente do TSE era o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Durante coletiva à imprensa, ele informou que “houve um atraso na totalização dos resultados por força de um problema técnico que foi exatamente o seguinte: um dos núcleos de processadores do supercomputador que processa a totalização falhou e foi preciso repará-lo”.
Ele então foi questionado pelo repórter André Shalders, da BBC Brasil, sobre a manutenção do supercomputador e os seus serviços. Na resposta, Barroso e Giuseppe Dutra Janino, então secretário de tecnologia da informação (TI) do TSE, confirmaram que quem executa os serviços de manutenção no supercomputador é a empresa Oracle, mas quem opera a totalização dos votos são servidores do próprio tribunal.
Na publicação enganosa, é usado esse trecho editado com algumas frases que tentam desacreditar o processo eleitoral, como: “descobrimos onde está seu voto” e interjeições como “Huh?” e “Blah blah”. Após a exibição da fala, também é editado um outro vídeo em que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) fala sobre uma “nuvem” em contexto diferente da fala de Barroso e Janino. A publicação é acompanhada da legenda: “Barroso afirma que ‘quem conta os votos por ocasião das eleições é um supercomputador de uma empresa terceirizada, contratada pelo TSE.’”
A fala em questão não foi dita pelo ministro no vídeo e nem há registro de ter sido dita em algum outro momento, conforme buscas no Google.
Supercomputador
O TSE esclareceu, ainda nas eleições de 2020, que não utiliza um serviço de nuvem — modelo utilizado para salvar dados na internet — para armazenar a soma de votos de urnas eletrônicas no Brasil e que “os bancos de dados são integralmente gerenciados pelo tribunal”.
O órgão também disse que o serviço “Cloud at Costumer”, Nuvem no Cliente, em tradução livre, consiste na instalação, na sede do TSE, por parte da empresa Oracle, de dois computadores (um principal e um reserva (redundante), para ser usado em caso de falhas), sendo o servidor principal “Exadata X8 Full Rack”, com oito nós de processamento, e um “Exadata X8 Half Rack”, com quatro nós de processamento.
Os equipamentos são chamados de supercomputadores por causa do tamanho e ficam na sala-cofre do TSE, protegidos contra ações da natureza e humanas.
A empresa oferece ainda os softwares de banco de dados e presta serviços de suporte e atualização dos produtos, mas quem controla o equipamento é a equipe do TSE. De acordo com o tribunal, a empresa realiza apenas a manutenção, que consiste em um eventual conserto ou troca de peças do aparelho, por exemplo. O custo é de R$ 26 milhões por quatro anos, ou R$ 6,5 milhões anuais.
O TSE e os 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) utilizam o sistema de banco de dados Oracle há mais de uma década, sendo que os serviços da empresa foram contratados em todas as eleições que utilizaram o sistema de votação eletrônica desde 1996. O contrato atual foi firmado em março de 2020 e tem a validade até 2024.
O processo eleitoral
A apuração dos resultados das eleições é feita automaticamente pela urna logo após o encerramento da votação, e o supercomputador é usado para fazer a soma total dos votos, conforme o TSE.
Antes da apuração dos votos, primeiro é impressa uma listagem das urnas eletrônicas com os nomes de todos os candidatos, chamada de zerésima, para mostrar que nenhum candidato tem voto ainda. Ao final do dia da eleição, o presidente da seção eleitoral deve digitar uma senha na urna para encerrar a votação.
A urna então emitirá cinco vias do boletim de urna. Neste boletim, é possível ver quantos votos cada candidato recebeu, votos brancos, nulos e quantidade de eleitores na seção. Os dados de cada urna eletrônica são codificados em flash cards, ou cartões de memória, em português. A partir dessas mídias é que o TSE calcula o total de votos por meio do supercomputador, que fica na sede do tribunal em Brasília.
Os mecanismos de segurança do TSE são postos à prova durante testes públicos de segurança. Nos testes de 2021, 26 investigadoras e investigadores realizaram 29 planos de ataques contra as urnas eletrônicas e somente cinco deles tiveram algum tipo de “achado” relevante. Os cinco planos bem-sucedidos atacaram, principalmente, os sistemas de transmissão e recepção dos resultados. Além disso, de acordo com o TSE, há diversos mecanismos de auditoria e verificação dos resultados que podem ser efetuados por candidatos e coligações, pelo Ministério Público (MP), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo próprio eleitor.
Em toda eleição, também é feita uma audiência pública em que são sorteadas urnas para verificação. Essas urnas, que já estavam instaladas nos locais de votação, são conduzidas ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e substituídas por outras, preparadas com o mesmo procedimento das originais. No dia das eleições, também em cerimônia pública, as urnas sorteadas são submetidas à votação nas mesmas condições em que ocorreria na seção eleitoral, mas com o registro, em paralelo, dos votos depositados na urna eletrônica. Cada voto é registrado numa cédula de papel e, em seguida, replicado na urna eletrônica, tudo isso registrado em vídeo. Ao final do dia, no mesmo horário em que se encerra a votação, é feita a apuração das cédulas de papel e comparado o resultado com o boletim de urna. Realizado desde 2002, nunca houve divergência entre os resultados da urna eletrônica e da contagem dos votos em papel.
Quem é o delegado Francischini?
O post foi compartilhado no perfil do Facebook do delegado Francischini. Nascido em Londrina em 1970, Fernando Destito Francischini mora em Curitiba desde os oito anos. Formado em Direito, com especialização em repressão ao tráfico de drogas e combate à lavagem de dinheiro, Francischini é delegado licenciado da Polícia Federal. Em 2018, foi eleito deputado estadual do Paraná como o candidato mais votado, com 428 mil votos. Francischini também atuava como presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).
Foi deputado federal, mas, em 28 de outubro de 2021, foi cassado por propagar desinformação contra as urnas eletrônicas.
No dia da eleição de 2018, Francischini fez uma live para espalhar notícia falsa de que duas urnas haviam sido fraudadas e aparentemente não aceitavam votos no então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Na transmissão, ele também afirmou que urnas tinham sido apreendidas e que ele teria tido acesso a documentos da Justiça Eleitoral que confirmariam a fraude.
O boato propagado pelo parlamentar surgiu depois que começaram a circular na internet dois vídeos que tentam mostrar suposta dificuldade em votar em Bolsonaro, quando o eleitor chega à urna e tenta, de imediato, apertar as teclas do número 17. No entanto, os vídeos evidenciaram erro do eleitor e foram esclarecidos pela Justiça Eleitoral, sendo desmentido também o rumor sobre a suposta apreensão de urnas, que nunca ocorreu.
Em 6 de junho de 2022, Francischini reassumiu o mandato de deputado estadual na Alep, por conta de uma decisão liminar do ministro do STF, Nunes Marques. Dois dias depois, ele deixou o cargo novamente frente ao despacho da 2ª Turma do Supremo, que derrubou a decisão de Nunes Marques e restaurou a cassação.
No dia 7 de junho, Bolsonaro voltou a propagar as mesmas afirmações que levaram à cassação de Francischini.
Por que investigamos: O Comprova tem o compromisso de investigar conteúdos suspeitos que tenham relação com a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A equipe tem como foco as publicações virais, que tiveram grande alcance nas redes sociais e podem confundir a população.
Durante o período que antecede as eleições no Brasil, muitos conteúdos virais têm sido divulgados com o objetivo de desacreditar a segurança das urnas eletrônicas. Isso colabora para confundir eleitores e criar teorias falsas sobre a contagem de votos, armazenamento de informações e resultado das eleições.
Outras checagens sobre o tema: A segurança das urnas eletrônicas tem sido alvo frequente de diferentes conteúdos suspeitos na internet. Em junho deste ano, o Estadão Verifica checou uma peça de desinformação semelhante que utiliza o mesmo trecho da entrevista coletiva do TSE e concluiu que o vídeo distorce a resposta dada pelo tribunal.
Recentemente, o Comprova investigou e concluiu que não há dispositivo nas urnas eletrônicas capaz de alterar votação. Há pouco tempo, também investigou vídeo que cita falhas já corrigidas nas urnas e que voltou a circular fora de contexto. Em 2020, ficou comprovado que o sistema de voto eletrônico pode ser auditado, ao contrário do que afirmava post viral.
Investigado por Correio Braziliense, PLURAL Curitiba, Portal Norte. Verificado por Veja, Imirante.com, Metrópoles, Nexo, Correio dos Carajás, O DIA, A Gazeta e Folha de S.Paulo.