Juristas divergem sobre papel de Moraes em investigação de golpe
CNN Brasil ouviu quatro criminalistas para entender a visão deles sobre a atuação do ministro do STF, que é relator do inquérito que apura um suposto plano golpista
A atuação do ministro Alexandre de Moraes em processos relacionados aos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) tem gerado debates no meio jurídico. Especialistas discutem se é apropriado que Moraes atue como vítima, acusador e juiz simultaneamente nesses casos.
O ministro é relator do inquérito, com 884 páginas, sobre a tentativa de golpe de Estado, que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas.
No inquérito da Polícia Federal (PF), os investigadores relatam o envolvimento dos indiciados nos ataques de 8 de janeiro de 2023, em tramas golpistas durante a eleição presidencial de 2022, bem como o plano para assassinar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o próprio ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à época.
Os acusados foram indiciados pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. Dos 37 indiciados pela PF, 25 são militares.
Para a advogada criminalista Ilana Martins Luz, doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), nos crimes contra o Estado Democrático de Direito, a vítima não é uma pessoa física, mas sim a coletividade. “Neste caso, o ministro Alexandre de Moraes não seria considerado vítima e ele poderia, sim, permanecer na relatoria dos fatos”, explica.
Por outro lado, Ilana reconhece que há quem defenda que, mesmo o crime sendo contra um bem jurídico coletivo, o envolvimento do ministro na investigação poderia comprometer o julgamento. “Seria interessante que ele não participasse deste julgamento”, pondera.
O advogado criminalista Celso Vilardi, professor de Direito Penal da Fundação Getulio Vargas (FGV), também não vê motivos para o impedimento de Moraes. Ele lembra que, se o suposto golpe tivesse ocorrido, não haveria como julgar os responsáveis pelo ato.
“Me parece um ataque contra as instituições de uma forma generalizada e eu não vejo razão, hoje, para impedir o ministro Moraes [de julgar o processo]. Se fosse assim, as pessoas que estão planejando um golpe podem escolher os seus próprios juízes. Como é um ataque generalizado contra as instituições, é um golpe, não me parece que seja o caso de uma vítima individual”, afirma Vilardi.
Já a criminalista Juliana Sá de Miranda disse que uma alteração recente no Código de Processo Penal (CPP) poderia dar uma alternativa para a atuação de Moraes no caso. Ela explica que o juiz que acompanha a investigação, chamado de ‘juiz de garantias’, normalmente não é o mesmo que julga a ação penal caso haja uma denúncia.
Segundo Juliana Sá, a designação de um outro juiz seria, do ponto de vista técnico-processual, “sem nenhuma opinião política”, bastante em linha com o que se vê nas instâncias inferiores.
“Os operadores do Direito, tanto os advogados – independentemente de suas posições políticas – juízes e promotores, defendem que haja um juiz que fique presidindo a investigação, responsável por apreciar eventuais mandados de prisão, quebras de sigilos bancário ou telefônico, e outro juiz que fique responsável pela fase da ação penal. Isso seria uma alternativa interessante de aplicar neste caso”, defende.
De acordo com o criminalista Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), quando foram criados os chamados ‘inquéritos originários’, se fixou uma competência, da qual ele discorda, mas que estabeleceu a ideia de que ataques institucionais ao Supremo tinham que ser julgados pela própria Corte.
“Uma vez fixada essa premissa, uma vez que a gente aceite que isso é que vai dar baliza para a competência do Supremo, um plano golpista que incluía matar Alexandre de Moraes não era um plano pessoal contra o Alexandre de Moraes na pessoa física, era na condição de relator dos inquéritos e presidente do TSE. Nesse marco de ideias, sim, ele pode ser o juiz”, avalia o professor da Uerj.
“As normas têm um limite diante da realidade. Ninguém, quando legislou, pensou a quem caberia julgar um crime contra o Supremo. Percebe o dilema aqui? É desconfortável o Alexandre ser juiz e alvo ao mesmo tempo? É, mas qual é a alternativa? Eu acho que, no quadro das coisas, e talvez quando se fixou a tal da competência originária, ninguém pensou que iria tão longe, que o desdobramento seria esse”, acrescenta.