Forma complexa de carbono é vista fora do sistema solar pela primeira vez
A descoberta, publicada na revista Science no último dia 24, dá pistas de como o nosso próprio sistema solar se formou
Uma forma complexa de carbono foi vista pela primeira vez fora do sistema solar. Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, descobriram uma nuvem interestelar que tinha abundância de pireno, um tipo de molécula que contém carbono. A descoberta, publicada na revista Science no último dia 24, dá pistas de como o nosso próprio sistema solar se formou.
O pireno é uma molécula grande conhecida como hidrocarboneto aromático policíclico (HAP). A hipótese dos pesquisadores é que a substância pode ter sido a fonte de grande parte do carbono em nosso sistema solar, crucial para a vida na Terra.
Essa hipótese também é apoiada por uma descoberta recente de que amostras retornadas do asteroide Ryugu, próximo à Terra, contêm grandes quantidades de pireno. Acredita-se que essas rochas espaciais podem ter trazido os componentes essenciais para a vida no planeta Terra. Até então, a fonte original desses compostos baseados em carbonos eram desconhecidos.
Os pesquisadores do MIT identificaram o pireno em uma região de formação de estrelas chamada nuvem molecular Taurus, a 430 anos-luz de distância da Terra — essa é uma das nuvens mais próximas do nosso planeta. A detecção foi feita com a ajuda do Telescópio Green Bank de 100 metros (GBT), um radiotelescópio no Observatório Green Bank em West Virginia, nos EUA.
“Uma das grandes questões na formação de estrelas e planetas é: quanto do inventário químico daquela nuvem molecular inicial é herdado e forma os componentes básicos do sistema solar? O que estamos observando é o início e o fim, e eles estão mostrando a mesma coisa. Essa é uma evidência bastante forte de que esse material da nuvem molecular inicial encontra seu caminho para o gelo, poeira e corpos rochosos que compõem nosso sistema solar”, afirma Brett McGuire, professor assistente de química no MIT, em comunicado publicado pelo MIT.
Carbono no espaço
Pesquisadores acreditam que os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, que contêm anéis de átomos de carbono fundidos, armazenam de 10% a 20% do carbono que existe no espaço. Há 40 anos, cientistas detectaram características que acreditaram pertencer a modos vibracionais desses compostos no espaço, através de telescópios infravermelhos. No entanto, essa técnica não conseguir revelar quais tipos de HAP estavam presentes.
“Desde que a hipótese dos HAP foi desenvolvida na década de 1980, muitas pessoas aceitaram que os HAPs estão no espaço, e eles foram encontrados em meteoritos, cometas e amostras de asteroides, mas não podemos realmente usar a espectroscopia infravermelha para identificar inequivocamente os HAPs individuais no espaço”, diz Gabi Wenzel, autora principal do estudo e pós-doutoranda do MIT.
Em 2018, os pesquisadores liderados por McGuire descobriram a benzonitrila, um anel de seis carbonos ligado a um grupo nitrila (carbono-nitrogênio), na nuvem Taurus. Em 2021, sua equipe detectou os primeiros HAPs individuais no espaço: dois isômeros de cianonaftaleno, que consiste em dois anéis fundidos, com um grupo nitrila ligado a um anel.
O pireno, descoberto pela equipe de McGuire em 2024, contém quatro anéis de carbono e é maior do que qualquer outro PAH que foi detectado no espaço. Como o pireno puro não é fácil de detectar com ondas de rádio, a equipe de pesquisadores procuraram por cianopireno, que é um pireno com uma molécula de cianeto anexada, e o compararam com a assinatura laboratorial do cianopireno que eles também haviam produzido e medido em laboratório.
Os pesquisadores analisaram os sinais que as moléculas emitem em laboratório, que são exatamente os mesmos sinais que elas emitem no espaço.
Usando o telescópio GBT, os pesquisadores encontraram as assinaturas analisadas por toda a nuvem molecular Taurus. Eles também descobriram que o cianopireno é responsável por cerca de 0,1 por cento de todo o carbono encontrado na nuvem.
“Embora 0,1 por cento não pareça um número grande, a maior parte do carbono está presa no monóxido de carbono (CO), a segunda molécula mais abundante no universo, além do hidrogênio molecular. Se deixarmos o CO de lado, um em cada poucas centenas de átomos de carbono restantes está no pireno. Imagine as milhares de moléculas diferentes que estão lá fora, quase todas com muitos átomos de carbono diferentes, e uma em algumas centenas está no pireno”, diz McGuire. “Essa é uma abundância absolutamente enorme. Um sumidouro de carbono quase inacreditável. É uma ilha interestelar de estabilidade.”
Nuvens interestelares como a Taurus podem dar origem a estrelas, à medida que aglomerados de poeira e gás se unem em corpos maiores e se esquentam. Planetas, asteroides e cometas podem surgir de parte desses componentes.
Apesar de ainda não estar claro se a nuvem interestelar deu origem ao nosso próprio sistema solar, a descoberta de pireno na Taurus — junto com a presença de grandes quantidades desse composto no asteroide Ryugy — sugere que o pireno pode ter sido a fonte de grande parte do carbono em nosso próprio sistema solar.
“Agora temos, eu me arriscaria a dizer, a evidência mais forte já vista dessa herança molecular direta, desde a nuvem fria até as rochas reais do sistema solar”, diz McGuire.