Estupro de Gisèle Pelicot: novos acusados ouvidos e mais justificavas escabrosas
Ódio de mulheres, submissão química e medo foram as defesas usadas por sete dos 50 acusados ouvidos nesta semana em julgamento na França
O julgamento do caso do marido que dopava a esposa para que ela fosse estuprada por outros homens na França chegou ao 23º dia, na sexta-feira (4). Ao longo da semana, um novo grupo de réus foi ouvido e os depoimentos escabrosos se multiplicaram.
Os acusados afirmaram que foram drogados, estavam apavorados ou que odeiam mulheres. Difícil dizer qual alegação é mais indigesta.
Dominique Pelicot, de 71 anos, é o principal acusado. O agora ex-marido de Gisèle Pelicot recrutava os outros réus em uma sala de bate-papo sexual e os convidava para estuprar a esposa, inconsciente, na casa deles em Mazan, uma pequena vila do sul da França.
Logo no primeiro dia de audiência, 35 dos arguidos contestaram as acusações. Eles alegaram que não tiveram a intenção nem a consciência de cometer estupro porque achavam que tudo se tratava de um jogo sexual de um casal libertino.
Tese rechaçada por Dominique Pelicot, que em uma das frases mais emblemáticas do julgamento disse: “Sou um estuprador, assim como todos os outros que estão nesta sala.”
A cada justificativa de um novo acusado, Dominique repete: “Todos sabiam, não podem dizer o contrário”.
Se os réus negam os crimes mesmo que Dominique tenha registrado tudo em vídeos, a pergunta que fica é o que não diriam se restasse apenas a palavra de Gisèle contra a deles.
Dos sete réus ouvidos pelo tribunal criminal de Vaucluse nesta semana, com idades entre 34 e 61, apenas um assumiu que tinha plena consciência do que fazia e de que Gisèle Pelicot estava dopada: Jerome V.
Talvez ele tenha sido o único a admitir porque teria dificuldade em negar, depois de ter ido seis vezes à casa dos Pelicot, entre fevereiro e junho de 2020. Jerome V. atribuiu os atos ao período da Covid-19, que viveu como “uma situação de abandono”, e à sua “sexualidade incontrolável”.
Jean T., um ex-carpinteiro de 52 anos, alega que, assim como Gisèle, ele também teria sido vítima de submissão química.
O acusado afirma que Pelicot o ofereceu algo para beber e ele não se lembra de mais nada depois disso. Ao ser questionado por que não prestou queixa se tinha sido drogado, disse que “foi um encontro ruim” e queria “esquecer tudo”.
O réu defendeu ainda que Dominique “nunca disse que a esposa estava dormindo, drogada e que eu ia estuprá-la”. Mas Dominique rapidamente negou: “Todos sabiam.”
Simone M., um pai de família de seis filhos, também alegou que foi enganado. “Para mim, os medicamentos faziam parte da fantasia deles”, disse, apesar de admitir “não ter se informado mais” para entender se Gisèle estava inconsciente.
O medo também foi usado como desculpa.
“Quando o vi [Dominique Pelicot], temi pela minha vida, ele estava todo vermelho, tinha um olhar aterrorizante”, disse o réu Redouan E. “Minha vontade, assim que vi Pelicot, era ir embora. Eu estava apavorado”, completou.
Mas por que não foi?
Segundo ele, por obediência: “Tentei me ater ao que ele me disse, fui o aluno certo.”
Redouan E. é enfermeiro e anestesista e disse que pensava que Gisèle Pelicot fingia estar dormindo. Mesmo sendo profissional de saúde, afirmou que não tinha como saber se Gisèle estava fingindo ou se estava realmente dormindo sem um exame clínico. “Um enfermeiro é um ser humano como os outros”, se defendeu.
Adrien L., pai de família, de 34 anos, de aparência bem cuidada e família rica, tem o quadro familiar mais estável de todos os acusados. Ele é CEO da uma empresa de obras públicas, tem uma mãe zelosa, uma irmã mais velha psicóloga – uma família amorosa e unida. O motivo para os atos dos quais foi acusado? Raiva das mulheres.
Aos 18 anos, Adrien insistiu que sua namorada não fizesse um aborto. Anos depois, um teste de paternidade revelou que ele não era o pai da menina. A traição teria despertado nele uma aversão à figura feminina.
“Nunca mais confiei depois disso. Já não tinha interesse pelas mulheres, tinha ódio delas”, diz. Em 2023, Adrien já tinha sido julgado por estupro, violência e assédio a três ex-companheiras.
Dominique Pelicot contou aos investigadores que cerca de três em cada dez pessoas com quem interagiu nas redes sociais recusaram o convite para ir à sua casa, depois de ele ter exposto o que fazia com a sua esposa. Mas nenhuma delas notificou as autoridades.
Dos 51 réus, 13, incluindo Dominique, disseram aos investigadores que tinham sido vítimas de violência sexual durante a infância, sendo pelo menos dois de incesto.
Os mais diversos argumentos surgem no processo de Mazan e muitos outros ainda devem emergir até o fim do julgamento em dezembro. Por mais distintos que pareçam, são ramificações de uma artéria comum: uma sociedade misógina, em que o homem sempre encontra um modo de justificar o injustificável.