Incursão terrestre testa capacidade e disposição de resposta do Hezbollah
O grupo reduziu disparos de foguetes e mísseis, mas poderia se engajar em batalha corpo a corpo, se a cadeia de comando estiver mantida
Comandos israelenses iniciaram a incursão terrestre no Sul do Líbano na madrugada desta terça-feira (1º) no horário local. É um novo teste da capacidade ou da disposição de resposta do Hezbollah. A região tem forte presença de combatentes experimentados. O engajamento ou não deles será revelador do estado da cadeia de comando e da estratégia do Hezbollah diante da maior derrota militar e política de sua história.
Os bombardeios israelenses coincidem com uma drástica redução nos disparos de foguetes e mísseis do Hezbollah. Na semana passada, o grupo disparava em média 200 projéteis contra o norte de Israel a cada 24 horas; no domingo (29), esse número caiu para 100; e nessa segunda-feira (30), apenas 35.
A redução da resposta pode se dever a duas razões, não necessariamente excludentes. Em primeiro lugar, a ruptura das cadeias de comando, pelo assassinato de líderes políticos e comandantes militares e destruição dos pagers e walkie-talkies. Segundo, o bombardeio intenso de silos de mísseis e de foguetes e de paióis de munições e armas.
Além de degradar o vasto arsenal estimado em 150 mil foguetes e mísseis, o bombardeio inibe os disparos porque eles revelam as posições dos projéteis e atraem novos ataques e destruição. O mesmo não se aplica necessariamente à incursão terrestre. Os combatentes do Hezbollah poderiam, em tese, engajar com os comandos israelenses e impor baixas importantes ao inimigo.
Afinal, conhecem o terreno, ao contrário das tropas invasoras, que contam apenas com mapas e imagens de satélites. A superioridade do equipamento israelense, que inclui capacidade de visão noturna – daí a escolha de avançar durante a noite – diminui de importância num combate corpo a corpo.
Se o Hezbollah não oferecer resistência ao avanço israelense, isso poderá significar que a cadeia de comando não foi restituída. Além do líder político e espiritual do grupo, Hassan Nasrallah, Israel matou o comandante militar, Fuad Shukri, em 31 de julho e, nos últimos dias, os comandantes da Frente Sul (exatamente por onde os israelenses estão avançando), de uma das unidades de mísseis e das forças especiais, entre outros.
A sucessão de Nasrallah parece decidida. De imediato, suas funções são assumidas pelo vice-secretário-geral do Hezbollah, Naim Qassem. Até que a Shura, ou Conselho, reúna-se e eleja o novo líder espiritual, provavelmente Hashem Safieddine (ou Hashim Safi al-Din). Primo de Nasrallah, ele também estudou teologia em Qom, no Irã, e usa o turbante preto indicativo de que é descendente do Profeta Maomé.
Safieddine era o administrador civil da organização, que tem escolas, hospitais, bancos, supermercados, postos de gasolina, etc., por meio dos quais presta assistência social à comunidade xiita, sobretudo aos órfãos e pais de combatentes mortos, e arrecada dinheiro.
Mais importante: Safieddine tem a confiança da teocracia iraniana, que patrocina o Hezbollah. Seu filho Rida é casado com Zeinab, filha de Qassem Soleimani, o comandante do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica morto em um ataque americano em 2020 em Bagdá, e considerado herói nacional no Irã.
É possível que o Hezbollah aposte que o tempo esteja a seu favor, e que seria melhor agora proteger seu arsenal e efetivo, para voltar a escalar depois que os militares israelenses enfrentarem um certo desgaste físico e político. Depois da guerra de 34 dias com Israel em 2006, o grupo emergiu mais poderoso. Mas Israel também aprendeu com essa lição, e tentará evitar, ou pelo menos adiar ao máximo, essa recuperação.