Atleta que perdeu bronze por ajudar o guia promete recorrer: “A medalha é nossa”
Espanhola Elena Congost ainda criticou atitude da adversaria que terminou em quarto e aceitou receber a premiação
A corredora espanhola Elena Congost, que tem deficiência visual, vai entrar com apelação para recuperar a medalha de bronze da maratona T12 feminina na Paralimpíada de Paris 2024.
Quando ela se aproximava da linha de chegada da competição, ela e seu guia, Mia Carol, começaram a falar sobre o bronze que estavam prestes a ganhar. Após três horas de corrida, os dois estavam três minutos à frente da quarta colocada, a japonesa Misato Michishita e sua guia.
A liderança era tão confortável que, como Carol sofria cãibras, Congost concordou em diminuir o ritmo.
Mas, a apenas 10 metros da linha de chegada, Carol tropeçou. Congost o ajudou e, para impedir que o guia caísse no chão, ela soltou brevemente a corda que os corredores cegos e com deficiência visual usam para que o guia possa mantê-los no caminho certo.
Os dois cruzaram a linha de chegada e pensaram que tinham conquistado a medalha de bronze. Pouco depois, os organizadores decidiram que Congost foi desclassificada da corrida por soltar a corda para ajudar o guia.
“Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Eu trabalhei tanto, lutei, dei o meu melhor. Muitas pessoas me ajudaram, e elas merecem essa comemoração com a medalha”, disse Congost à CNN.
“Essa regra foi escrita, porque houve alguns anos em que os atletas cruzavam a linha de chegada sozinhos, sem o guia, mas esse caso não tem nada a ver com esse motivo. Ninguém me empurra, ninguém me solta, a corda simplesmente cai enquanto eu o ajudo. Poderíamos ter cruzado a linha de chegada andando”, completou.
Um retorno desagradável
Congost ganhou o ouro na maratona feminina T12 na Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro, mas não competiu em Tóquio. Ela teve quatro filhos nos anos seguintes aos Jogos no Brasil.
Levar o bronze em Paris teria coroado um retorno de destaque para a atleta de 36 anos. Após a corrida, Congost disse que foi motivada pelo pensamento dos filhos. Dois dos quatro que ela tem estavam esperando por ela na linha de chegada.
“Eu disse [aos repórteres] que estava muito feliz, acima de tudo pelos meus filhos, porque eles me viram treinar, lutar, chorar, rir. Eles sabem o quão difícil tem sido para mim”, ela disse à CNN.
“Também foi uma forma de ensiná-los que, quando você luta, trabalha e se esforça, acaba conseguindo coisas”, completou. A espanhola estava com dois filhos quando lhe disseram que a medalha de bronze não seria dela.
“Eles perderam a parte bonita da celebração e, em vez disso, me viram chorar. Eles também acabaram chorando. Foi bem desagradável. Meu filho mais velho, que tem seis anos, não entendeu o que estava acontecendo”, contou.
Ele perguntou: ‘Por que você foi punida por ajudá-lo?’ Como mãe, o que sempre tento ensinar é que se alguém precisa de ajuda, você tem que ajudá-lo. Eu tive que explicar que injustiças existem no mundo e que às vezes fazer as coisas direito não significa ser recompensado. Não sei se eles acabaram entendendo ou não, porque são muito pequenos.
Elena Congost
Congost acredita que, ao desqualificá-la por ajudar Carol, os juízes foram contra o espírito dos Jogos Paralímpicos.
“Além da competição de alto nível, a coisa mais importante que os Jogos transmitem são os valores. A maioria das crianças que praticam esportes nunca chegará a uma Olimpíada ou ganhará medalhas, mas o esporte as ajuda a se formar como pessoas e transmite valores para a vida cotidiana”, disse ela.
Prejuízo financeiro
“Assim como um jogador de futebol é solicitado a ser responsável quando comete falta, insulta alguém ou faz algo feio, acredito que é nossa responsabilidade mostrar coisas bonitas. O que fiz acabou custando caro, mas acho que há muito a ensinar por trás dessa ação”, afirmou.
A decisão custou alto. Ela disse que a medalha de bronze teria vindo com um prêmio de mais de US$ 33.000 (R$ 180 mil), mas a atleta está preocupada com a bolsa que o Comitê Paralímpico Espanhol (SPC) normalmente paga apenas a atletas que ganham medalhas.
“Isso também afeta minha renda mensal porque, no fim das contas, esse é meu trabalho. O Comitê Espanhol, graças à pressão da mídia, emitiu uma declaração de que me daria a bolsa como se eu fosse uma medalhista. Então isso me deu muita paz de espírito”, ela explicou.
A declaração diz: “Considerando o desempenho magnífico de Elena hoje, proporemos a concessão de uma bolsa na próxima reunião do painel de decisão que compartilhamos com o Conselho Nacional de Esportes e a Federação Espanhola de Esportes para Cegos”.
O SPC disse à CNN que ainda não há uma data definida para esta reunião. Em outra declaração feita no dia seguinte, a entidade disse: “O Comitê Paralímpico Espanhol está preparando uma carta para solicitar que a World Para Athletics conceda a medalha de bronze a Elena Congost e seu guia Mia Carol no evento de maratona T12”.
A organização agora está esperando a decisão e não pagará a bolsa de Congost até que a World Para Athletics decida sobre o assunto.
“Agora, tenho alguns meses em que não posso ganhar, tenho que esperar. O comitê vai me pagar retroativamente, eles prometeram. Mas tenho que esperar, não sei quanto tempo, sem nenhum tipo de apoio financeiro”, contou.
Conversas com a quarta colocada
Congost está convencida de que Michishita, a corredora japonesa que terminou atrás dela, não merece a medalha de bronze que lhe foi entregue. “Outro dia, o guia dela me escreveu no Instagram dizendo que queria correr comigo novamente”, disse ela.
“Aproveitei a mensagem para dizer o que pensava, educadamente e respeitosamente. Disse a ele que achava a decisão da equipe japonesa muito cruel. Uma maratona tem 42,195 quilômetros, e eu tinha corrido 42,19 quilômetros perfeitamente e estava três minutos à frente. O que eu fiz não alterou o resultado, não me beneficiou e não incomodou ninguém”, falou.
Perguntei se eles poderiam se desculpar, até mesmo devolver a medalha. Eu também disse que, como atleta, se eu soubesse dessa situação por uma colega, eu nunca teria aceitado. Porque ela sabe, eu sei, e todos sabem que essa medalha não é deles, é nossa.
Elena Congost
Em uma declaração, o Comitê Paralímpico Japonês disse à CNN que o resultado da corrida “segue as regras e regulamentos do World Para Athletics”. O comitê e Michishita se recusaram a comentar mais.
Congost já decidiu como ela vai comemorar se a apelação der certo: “Aquele momento no pódio, eles roubaram de nós. Nós nunca teremos isso, mas meu treinador me prometeu que, se em algum momento eles nos derem a medalha, nós voltaremos a Paris, à Torre Eiffel, e tiraremos uma foto com a medalha”.