Análise: Anielle e Silvio: por que viraram entretenimento e o governo demorou para decidir
Silvio Almeida foi demitido na tarde de sexta-feira (6) do cargo de ministro dos Direitos Humanos
Há meses, integrantes do governo federal viram nascer a disputa entre dois ministros negros: Silvio Almeida, então dos Direitos Humanos; Anielle Franco, da Igualdade Racial. Até ouviram circular relatos de que o desentendimento de início, entre os dois, ganharia contornos de assédio, importunação sexual.
Isso é crime, é prejudicial ao governo, às causas sociais, ao modelo de país que queremos viver. Ainda assim, nada foi feito. O impasse entre dois ministros negros virou entretenimento nos bastidores do poder de Brasília.
Se tanta gente, incluindo a alta cúpula sabia, por que nada foi feito antes? Dá para pensar em falta de capacidade de resolver crises, de avaliar o que realmente é importante, mas também nota-se desinteresse em apaziguar questões internas.
O que se convencionou chamar de “fogo amigo” na política virou razão de ser das muitas rodas de conversas em Brasília, em que incendiários, muitos deles políticos, falam com naturalidade sobre como ministros deste governo não gostam de ministros também deste governo. Se estas são as relações de um governo, então não precisa nem de oposição.
A demora para resolver coisas que parecem depender só de diálogo também carrega culpa pela escalada do problema até o nível criminoso.
O negro serve de entretenimento da sociedade não é de hoje. Na música, na dança, no esporte, este é o seu lugar inquestionável. Mas vai perguntar do negro na política, no comando, na análise, no lugar da razão.
Ao não serem escolhidos para falar, mas apenas entreter, também suas vidas vão sendo reduzidas a este lugar comum: dos negros que vivem na violência, não dignos da confiança. É sobre não fazer nada ao ouvir a vítima, uma mulher negra, já que “todo mundo sabia”, mas a vida seguiu. É sobre, ao mesmo tempo, demitir o acusado, um homem negro, somente depois de o caso ganhar repercussão com toques de sexualização.
“Colocou a mão onde? Na perna? No meio das pernas? Que dia? Onde?”. Foi como se “todo mundo que sabia” estivesse esperando pelas notícias mais clicáveis ou a vergonha mais impregnada, para que, de fato, uma decisão fosse tomada. Em outras palavras, houve opção de esperar no que poderia dar.
A decepção é um sentimento das coisas desconstruídas e anuladas. Este é o cenário de momento para o teatro das relações entre ministros de governo, também para discursos políticos de defesa das mulheres e dos negros: decepcionantes.
Passado o escândalo da trajetória pessoal dos envolvidos e das marcas desrespeitadas por um governo progressista, a única certeza é que a complexa sociedade em que vivemos com todos os seus julgamentos e exclusões aos negros não muda.
Acabou a história entre os ministros negros. Os problemas das pessoas que eles representam ou representavam continuam.
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