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    Priscila Yazbek
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    Priscila Yazbek

    Correspondente em Paris, Priscila é apaixonada por coberturas internacionais e econômicas — e por conectar ambas. Ganhou 11 prêmios de jornalismo

    Brasil busca ganhar tempo na posição sobre Venezuela, segundo fontes diplomáticas

    Diplomacia brasileira adota posição considerada tímida sobre eleição de Maduro para evitar ruptura com importante vizinho, mas sem deixar de acenar a líderes globais

    A posição do governo brasileiro sobre as eleições na Venezuela é uma tentativa de “enrolar” e “adiar o problema”, segundo fontes diplomáticas. A avaliação é de que o desejo é de não se indispor com o país vizinho e, ao mesmo tempo, manter a postura de líder democrático da América Latina perante à comunidade internacional.

    Nesta semana, a União Europeia (UE) rejeitou a “legitimidade democrática” da reeleição de Nicolás Maduro e seguiu o entendimento de organismos internacionais, como a ONU, e de países como EUA, Argentina e Chile. A posição do bloco europeu realçou ainda mais o contraste em relação à postura brasileira, menos contundente.

    O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, disse que os ministros de Relações Exteriores dos 27 países do bloco decidiram não reconhecer o pleito depois que o órgão eleitoral da Venezuela se recusou a divulgar os boletins com a desagregação dos votos para verificação. “[Maduro] permanecerá presidente, de fato, mas os chanceleres negam a legitimidade democrática da eleição”, disse Borrell.

    O Brasil cobrou a divulgação das atas sobre o resultado da eleição de 28 de julho. E disse que a credibilidade do processo eleitoral só será restabelecida depois da publicação transparente dos dados.

    Nesta sexta-feira (30), o presidente Lula voltou a falar sobre o assunto em entrevista à rádio paraibana MaisPB. “Eu não aceito a vitória dele nem da oposição. Cada um fala que ganhou, mas você não tem prova. Então estamos exigindo a prova”, disse.

    Fontes diplomáticas afirmaram à CNN que a diplomacia brasileira vai manter postura para tentar “adiar o problema”.

    Interlocutores dizem que o Itamaraty não tem uma posição mais firme sobre Caracas, primeiramente, porque existe uma afinidade ideológica entre ambos os governos, de esquerda. E, em segundo lugar, porque a Venezuela é um país relevante na América do Sul, com uma extensa fronteira com o Brasil.

    Portanto, “chutar o balde” é muito mais complicado para o Brasil do que para os europeus e outras lideranças internacionais.

    Ainda assim, como o Brasil é visto como um representante democrático da América Latina em fóruns globais, o país precisou se posicionar de alguma forma. Ao se colocar como líder da região, o próprio presidente Lula é cobrado pelo papel de mediador diante de cenários de instabilidade política.

    Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), concorda com a avaliação de fontes diplomáticas de que o Brasil está “empurrando a questão com a barriga”. Para ela, o tempo vai ser um fator decisivo, mas o governo torce para que a poeira baixe e outros temas passem a ocupar o noticiário no lugar da Venezuela.

    A professora observa que o Brasil mantém a estratégia de não reconhecer nem Maduro, sob justificativa da ausência das atas, nem a oposição, que apresentou atas, mas desperta desconfiança no Itamaraty por causa do “histórico problemático” de María Corina, que representa a ala mais radical do anti-chavismo.

    “Se as partes não cederem, a fim de evitar uma piora no conflito interno que pode desencadear uma guerra civil, o melhor é uma postura ‘ensaboada’ que não inviabilize uma mesa de negociações, especialmente no final do ano ou no começo de 2025, quando efetivamente um novo mandato presidencial começaria na Venezuela”, diz Pedroso.

    Ainda que o Brasil adote uma posição mais branda para manter o diálogo com a Venezuela, em Caracas o interesse em manter uma boa relação com Brasília já não é mais o mesmo dos primeiros mandatos de Lula. Maduro até mandou um recado para Lula nesta semana e disse que nas eleições de 2022 não houve ‘comunicado’ e ninguém ‘se meteu com o Brasil’.

    Se no início dos anos 2000 a Venezuela era mais dependente do comércio com o Brasil, hoje os laços com a China e a Rússia permitem esnobar o antigo parceiro.

    A polarização que o tema Venezuela incita dentro do Brasil, mesmo dentre os apoiadores de Lula, é outro ponto que explica a postura do Itamaraty.

    “Parte do PT reconhece a vitória de Maduro e chegou a enviar observadores para o pleito, mas nomes importantes como Marina Silva e Randolfe Rodrigues têm uma visão bastante dura sobre o vizinho, além de lideranças do Centrão e outros partidos cujas bases têm uma rejeição grande à aproximação com Maduro”, avalia a professora da Unifesp.

    Por fim, relações amenas com a Venezuela também interessam por uma questão de estabilidade na fronteira, o que explica a confluência de posições entre Brasil e Colômbia. Os dois países seriam os mais atingidos por eventuais instabilidades na Venezuela.

    Além da entrada de venezuelanos, o Brasil observa de perto a escalada de tensões entre Maduro e a Guiana na disputa por Essequibo. O próprio ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse à CNN neste mês que o Brasil está preparado para problemas na fronteira, ainda que não veja risco imediato.

    Por essas razões, o Brasil se vê encurralado entre a defesa da democracia e a ruptura com um importante vizinho. E torce para que o tempo resolva os problemas.

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