Macron protela formação de governo de esquerda na França
Sem indicar um novo primeiro-ministro, o presidente francês mantém a paralisia do governo e pode sofrer as consequências em 2027
Emmanuel Macron recebeu lideranças partidárias de esquerda e do centro nesta sexta-feira (24) no Palácio do Eliseu para discutir a nomeação de um novo governo. E na segunda-feira (26) receberá os líderes da ultradireita. Um grande teatro republicano, para no fim deixar tudo como está.
As reuniões acontecem mais de um mês após a demissão do primeiro-ministro Gabriel Attal e um mês e meio depois do segundo turno das eleições legislativas.
A aposta do presidente francês de convocar eleições parlamentares antecipadas depois de perder as eleições do Parlamento Europeu deu errado.
O bloco de centro do presidente, que era o primeiro na Assembleia Nacional, passou ao segundo lugar, atrás da esquerda, que ficou com o maior número de assentos. A ultradireita quase dobrou o número de deputados e chegou a vencer o primeiro turno, mas ficou em terceiro lugar em cadeiras após o centro e a esquerda se juntarem para barrar seus candidatos.
Macron afirma que apesar de a Nova Frente Popular (NFP) – coalizão esquerda formada por quatro partidos – ter ganhado a eleição, não tem maioria absoluta. E argumenta que os partidos devem formar uma maioria ampla e sólida para governar.
Segundo a Constituição francesa, cabe ao presidente escolher o primeiro-ministro, sem necessidade de validação dos parlamentares. Mas por uma questão de convenção e legitimidade política, o presidente sempre indica um primeiro-ministro que representa o campo que tem a maioria na Assembleia.
A esquerda já indicou sua escolha para o cargo: Lucie Castets, de 37 anos, um nome mais técnico, que conseguiu levar os quatro partidos da NFP a um consenso. Ela foi secretária de Finanças da prefeitura de Paris e se autodefine como uma “mulher de esquerda” e “comprometida”.
Após a reunião com Macron nesta sexta, Castets e outros membros da esquerda preferiram encarar a conversa como um copo meio cheio.
“Tivemos uma discussão muito rica. Estamos satisfeitos com o fato de o presidente ter reconhecido que os franceses enviaram uma mensagem nas eleições, e esta mensagem é um desejo de mudança na direção política”, disse Castets.
Líderes da esquerda disseram esperar uma resposta rápida de Macron após o fim das conversas na segunda-feira. Mas tudo indica que eles devem se frustrar e Macron não deve nomear Castets.
Partidos do campo de centro de Macron, que também se reuniram com o presidente na sexta, disseram que vão bloquear eventuais indicações do França Insubmissa, partido visto por muitos como uma sigla de esquerda radical.
Seja quem for o novo primeiro-ministro, vai enfrentar a dura tarefa de liderar o governo sem maioria absoluta e com um Parlamento fragmentado. Moções de censura, propostas apresentadas por parlamentares para bloquear um projeto, podem se tornar frequentes.
Logo de cara, o primeiro teste do novo governo será a aprovação do Orçamento de 2025, em um momento em que a França está sob pressão da Comissão Europeia e do mercado financeiro para reduzir o seu déficit.
Pior ainda, o mecanismo de bloqueio pode ser usado para barrar as indicações de primeiro-ministro, mergulhando a França em uma sucessão de governos temporários.
Sob o argumento de que um governo de Lucie Castets, com membros da França Insubmissa, corre o risco de sofrer moção de censura, Macron pode arrastar a nomeação do novo primeiro-ministro.
Aliados do presidente dizem que ele quer encontrar um nome blindado a censuras. Mas a oposição interpreta de outra forma e enxerga que ele simplesmente não quer largar o osso. Segundo essa tese, Macron usa o argumento da estabilidade para não reconhecer a vitória da esquerda e ganhar tempo para formar um governo de coalizão, com membros do seu partido.
Na segunda-feira, Macron receberá Marine Le Pen e Jordan Bardella, do Reunião Nacional. O partido de ultradireita ficou em terceiro lugar em assentos na eleição antecipada, mas conseguiu o maior número absoluto de votos.
Talvez na conversa com a ultradireita, Macron lembre-se de que ao protelar a indicação de um novo primeiro-ministro e manter a França ingovernável, ele dará a Le Pen o seu melhor argumento para as eleições de 2027: vocês tiveram a sua chance, mas não conseguiram governar, agora é a nossa vez.