Rodolfo De Santis: 10 restaurantes, investimento milionário e novidades em breve
Mais do que chamado de "muso da gastronomia", o chef que criou o fenômeno Nino revitalizou a cucina italiana no Brasil e quer muito mais
Terça-feira, meio-dia e vinte e três. Rodolfo de Santis poderia estar em um de seus outros oito restaurantes em São Paulo, mas estava exatamente no único que não abria para o almoço: o Ninetto. Único também fora do bairro Itaim Bibi, em São Paulo.
Na descida da rua da Consolação, nos Jardins, o ponto discreto manteve-se 15 anos sob a fachada da Tappo Trattoria, cantina estilosa de Benny Novak que, durante o ano de 2013, teve como estrela o jovem cozinheiro italiano em questão.
Hoje, seu antigo emprego é o menor salão da Famiglia Nino, com apenas 32 lugares. Não à toa, seu intimismo charmoso pareceu especialmente convidativo para uma conversa franca, uma garrafa de chardonnay e para o teste de algumas novidades preparadas pelo sub-chef Victor Vieira.
“Para mim é umas das casas mais bonitas do grupo, mas tem coisas que superam a área externa. Foi onde comecei a criar. Energeticamente significa muito pela história que carrega”, revela Rodolfo.
A bem da verdade, até chegar àquela cozinha, ele já havia chefiado dois restaurantes no Brasil. “Quando comecei no Biondí, não sabia o que estava fazendo, minha comida não tinha a ver com o lugar, com o cliente. No Tappo, me dediquei 100%, como se fosse meu, mas não tive a mesma credibilidade por parte dos sócios como tenho hoje”, revela Rodolfo.
Sim, sua cozinha conquistava comensais e manchetes, mas suas ambições não encontravam ressonância com os investidores. A paixão foi efêmera e o desfecho, como era de se esperar, não foi dos mais românticos.
“No meio da pandemia, achei uma maneira de comprar o ponto sem me apresentar. Aquela coisa que a gente se permite fazer menos pelo lado de negócio, mais para o lado do ego”, confessa.
Por sorte, a aquisição passional agradou os atuais sócios da empresa de investimentos XP que, com R$ 100 milhões, amalgamou o Alife-Nino, reunindo em um único grupo 31 bares e restaurantes.
De cara, a ideia era converter o Ninetto em um modelo acessível e replicável Brasil adentro. Contudo, uma tarde naquela ambiência de vagão de trem de luxo levou o italiano a viajar no tempo. A seguir outra direção:
“A vida me bateu demais para eu não aperfeiçoar o negócio enquanto ele está correndo. O Ninetto não podia se tornar uma marca barata, é o meu refúgio. No meio de tudo o que tenho para fazer, consigo vir aqui e falar com o Victor, que está comigo há nove anos. Posso até não ficar de uniforme dentro da cozinha, mas me vejo nela, ela me faz lembrar de quem sou, de quando ganhava R$ 4 mil e de onde cheguei”.
Por onde chegou entenda-se o cara que, aos 35, já tem 20 anos de carreira e 10 marcas gastronômicas (Nino Cucina, Peppino Cantina, Da Marino, Ninetto, Giuietta, Madame Suzette, Forno da Pino, Aquiles Taberna, Vito Mozzarella Bar e Nino Casa Tua), que atende mais de 50 mil clientes, vende mais de uma tonelada só de massa fresca e fatura alguns milhões de reais a cada mês.
Que ninguém se iluda, o cara que, à parte o semblante angelical, fala baixo e pausadamente, não se faz de coitadinho. Tampouco deixa de mencionar as agruras da meninice na comuna de Galípoli, na Itália. “Nasci pobre pra caramba, cresci sem pai, saí de casa aos 13 anos e sempre quis ter uma estrutura para minha família”.
De Santis quis e batalhou por ela. Inspirado por shows culinários da TV, aos 14 anos, entrou em uma scuola alberghiera (colégio técnico de cozinha) em Milão e ainda deu “um jeito de trabalhar à noite em um restaurante uma estrela Michelin (o Ristorante Il Gelso di San Martino)”.
Dali, passou por dois três estrelas (o Le Cinq, em Paris, e o La Pergola, em Roma) até cruzar o Atlântico no fim de 2010. Trabalhou em restaurante sem jamais ter sentado à mesa de um. Trabalhou em restaurante venerando o luxo e passando vontade no supermercado. Trabalhou – e trabalha – sem parar.
Que fique claro: Rodolfo protagonizou as próprias mudanças e, de quebra, mudou o cenário da cozinha italiana não só numa cidade tão italianizada quanto São Paulo, como no Brasil todo. Seu Nino Cucina mostrou que entre o Fasano e as cantinas tradicionais do Bexiga havia um abismo. Debruçou-se nele e planou. Botou o carbonara na roda, o polvo no molho e a burrata sobre a massa.
Não à toa, a grife, exaustivamente copiada por aí, vai cair na estrada por si mesma – abre no segundo semestre em Ipanema, no Rio, e no Parque Vaca Brava, em Goiânia.
“Cada casa terá a sua personalidade, mas a essência, o profissionalismo e a experiência Nino será a mesma. A gente está evoluindo há quase sete anos”, garante ele.
Enquanto restaurateur, desenvolve filosofias próprias. “Tem chef talentoso que não consegue fazer uma conta. Tem gente que acha que restaurante é instrumento para você aparecer numa revista. Por isso não tenho muito a cultura do estágio. Prefiro pegar gente que nunca teve na vida e, no dia a dia, ensinar a trabalhar, a ganhar dinheiro. Pego menino no farol do Iguatemi, já botei psicólogo dentro do Nino, estou montando uma casa de treinamento, porque sei o que é isso”.
A escolha pela ala empresarial pode até ofuscar a “veia barriga no fogão”, porém, não mais a confiança no próprio talento e o desejo de botá-lo à prova. “Tem dia que é difícil aceitar essa mudança e me questiono: o que você está fazendo, você já tem muito mais do que imaginava ter e tem dia que acho que a gente está deixando um legado, sabe?”.
Num dia em que a dúvida pairou, o chef foi à paisana no Nino. Como de costume, a casa que recebe 17 mil pessoas por mês estava abarrotada. Ainda assim, saiu satisfeito. “É difícil comer um carbonara daquele na Itália, com aquele movimento. Sem um italiano na cozinha, esquece! Lógico que o restaurante precisa de melhoria o tempo inteiro, mas fiquei feliz. Vou para Nova York, para Roma para comer carbonara e é difícil encontrar esse padrão”.
Satisfação total já é outro papo. Ela virá somente quando o projeto de expansão do Nino terminar e Rodolfo assumir um compromisso consigo mesmo – o de ter um restaurante autoral.
“Vou abrir quando a prioridade da minha vida for a excelência do lugar e não o meu trabalho, porque quando eu for fazer aquilo que eu gosto e sei, vou fazer muito bem-feito”, confessa. Alguém duvida?