Groenlândia: uma jornada por um dos territórios gelados mais remotos da Terra
Coberto por mais de 80% de gelo, território dinamarquês no Ártico tem turismo de aventura entre icebergs e fiordes e apresenta uma verdadeira lição sobre os impactos das ações humanas no mundo
Enquanto o avião se aproxima do pequeno aeroporto da comunidade de Narsarsuaq, podemos conferir da janelinha uma das características mais peculiares de toda a Groenlândia: o impressionante manto de gelo a perder de vista no horizonte.
Conhecido como “ice sheet”, a massa de gelo glaciar cobre cerca de 80% do território, o que corresponde a uma área de mais de 1,7 milhão de metros quadrados.
Após o pouso e já em terra firme, é impossível não ficar contagiada pela emoção de se estar num dos cantos mais recônditos da Terra: o Ártico. E os visuais arrebatadores que misturam gelo, fiordes, montanhas rochosas e pequenas e esparsas comunidades de casinhas coloridas ajudam na tarefa.
Confesso que estava preocupada em embarcar em uma viagem de aventura em pleno Ártico sem ter a dimensão do local, já que não é um destino tão comum. Mas a decisão de se aventurar pela Groenlândia, primeiro destino da quinta temporada do CNN Viagem & Gastronomia, foi mais que acertada.
Ela ocupa o que é considerada hoje a maior ilha do mundo, onde a maior parte do território (cerca de dois terços) fica acima do Círculo Polar Ártico, o que significa que, mesmo no verão, podemos enfrentar temperaturas baixíssimas.
E é em meio a todas essas características que apenas quase 57 mil pessoas chamam a vasta área da Groenlândia de lar, uma terra onde os nativos são descendentes dos inuítes, nação indígena que historicamente habita regiões do Ártico.
Mas qual o papel do turismo por aqui? Durante minha passagem pela “terra verde”, significado do nome do território, encontrei uma explosão de cultura, de cores e sabores na forma da terra gelada do nosso planeta.
É um choque cultural, em que a proposta é realizar uma verdadeira expedição por mar, terra e ar.
Mas é também uma grande lição no quesito de preservação, pois somente aqui temos uma noção mais imediata do impacto das nossas ações no planeta. Quando vemos com nossos próprios olhos uma geleira reduzindo de tamanho e notamos os impactos do degelo em escala mundial, repensamos nossos hábitos como indivíduos e sociedade.
O território e seu povo
Devido ao seu tamanho e localização, é comum pensar que a Groenlândia é um país independente. O território, porém, é uma região autônoma da Dinamarca e fica na América do Norte.
Politicamente e culturalmente associada ao país escandinavo há mais de mil anos, foi uma colônia dinamarquesa até 1953 e ganhou autonomia em 1979. Além de ter um governo próprio, a Groenlândia tem dois representantes no parlamento dinamarquês.
As primeiras pessoas que pisaram aqui chegaram entre quatro e cinco mil anos atrás pelo Canadá, quando o mar congelou e abriu caminho no norte.
Hoje, a população é, em sua maioria, descendente da última geração dos inuítes, que chegou por aqui por volta do século 9.
Além do estabelecimento dos inuítes, podemos testemunhar também a passagem dos norses, descendentes dos Vikings. Eles desapareceram do mapa por volta de 1500, mas ainda podemos visitar suas ruínas no sul e em Nuuk, a capital e mais populosa cidade da Groenlândia.
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Por falar em cidades, há cerca de 18 principais delas, que reúnem a maior parte da população – o restante se divide em vilas e assentamentos, a exemplo da remota Aappilattoq, vilarejo centenário que visitei que reúne apenas 100 moradores, 17 deles crianças, em que a subsistência vem da caça e da pesca.
Em todo o território a língua oficial é o groenlandês, termo guarda-chuva que ainda abrange dialetos inuítes, mas o dinamarquês também é ensinado nas escolas. A moeda oficial é a coroa dinamarquesa e o fuso horário da capital Nuuk é o mesmo de Brasília.
Durante a viagem, preparei-me para um cardápio abastecido com o que vinha do mar: a pesca é a atividade econômica mais importante da Groenlândia, assim como o processamento e exportação de pescado.
E o turismo tem se destacado como um setor de potencial crescimento. Segundo o governo da Dinamarca, o número de visitantes estrangeiros por aqui aumentou mais de 50% desde 2000, e o número de passageiros de linhas de cruzeiro que param na Groenlândia cresceu cerca de 150% no mesmo período.
Avistamento de icebergs, aventuras em caiaques, caminhadas por locais intocados de tirar o fôlego e contato com uma cultura bem diferente da nossa – tudo com muito respeito – estão entre as atividades que podemos realizar por aqui.
Verão aventureiro x inverno intenso
Visitei a Groenlândia a bordo de uma expedição marítima em julho, mês de verão no hemisfério norte. Na Groenlândia, esta é a estação em que ocorre o Sol da meia-noite, fenômeno em que o astro brilha ininterruptamente durante as 24 horas do dia.
A duração do fenômeno é variável, mas no território groenlandês ocorre entre 25 de maio e 25 de julho e pode ser vivenciado na porção do território acima da linha do Círculo Polar Ártico – a região mais ao sul da Groenlândia, como a vila de Narsarsuaq, não está neste limite.
O verão também é a época mais indicada para conhecer o território por terra e por água, já que podemos fazer trilhas entre trechos inabitados, ver flores sobre a tundra, avistar baleias na costa e icebergs à deriva.
Mas um fato me surpreendeu: a quantidade de mosquitos! Em terra firme, eles não chegam a picar, mas atrapalham nossa visão e locomoção devido a alta quantidade, tudo isso pela pureza das águas e ausência de predadores, beneficiando uma reprodução desenfreada. Nas caminhadas e visitas a montanhas, o mais indicado é andar com uma espécie de rede na cabeça que cobre o rosto.
É nesta época também que as temperaturas são mais amenas – julho é o único mês em que elas podem ficar acima de zero – e o dia 21 de junho é o dia mais longo do ano, data em que é comemorado um feriado nacional.
A título de comparação, o inverno dá outro tom à Groenlândia. O território se envolve em um manto branco que dura cerca de seis meses, época em que a observação das estrelas, a aurora polar, os passeios de esqui e a noite polar, quando a noite dura mais de 24 horas nas zonas mais ao norte, são as principais atividades.
A chegada
Desembarcar na Groenlândia é possível via aérea ou marítima. O território é servido de voos comerciais de aeroportos apenas da Dinamarca e da Islândia, mas também há a possibilidade de chegar por aqui a bordo de um cruzeiro.
Há voos regulares que saem de Copenhague, capital da Dinamarca, e de Reykjavik, Keflavik e Akureyri, na Islândia, que ligam uma série de localidades na Groenlândia, incluindo a capital Nuuk e o assentamento de Narsarsuaq, ao sul, por onde cheguei.
Os voos da Dinamarca tem uma média de 4,5 horas de duração, enquanto os voos a partir da Islândia duram entre duas e três horas.
Já se locomover entre uma localidade e outra dentro do território é um pouco mais complicado: não há grandes estradas entre as cidades e comunidades, o que significa que os únicos meios de transportes são barcos, helicópteros e aviões.
Mas uma das melhores maneiras de conhecer a Groenlândia de forma autêntica e com acesso a áreas remotas é através de uma expedição marítima como a do novíssimo Ultramarine, navio da Quark Expeditions, empresa especializada em expedições polares no Ártico e na Antártida.
A expedição: descobertas pelo sul da Groenlândia
Nossa aventura começa em Reykjavik, na Islândia, onde pegamos um avião em direção ao assentamento de Narsarsuaq, comunidade que é porta de entrada para o sul da Groenlândia e onde embarcamos no Ultramarine.
O navio tem capacidade para 199 passageiros e 140 tripulantes, sendo uma embarcação polar adaptada a nos levar a lugares onde navios maiores não navegam.
Mas o maior diferencial são seus dois helicópteros que ficam à disposição dos passeios programados no itinerário. Assim, eles nos levam aos lugares mais inóspitos e isolados do território, o que significa que, a partir do heliponto do navio, funcionam como meio de transporte para experiências memoráveis.
Que tal fazer uma trilha no topo de uma montanha que nunca tinha sido pisada? Ou ainda pousar e caminhar sobre o grande manto de gelo? Tudo isso é possível a bordo do Ultramarine.
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O itinerário completo dura nove dias e as saídas do navio acontecem em julho, no verão groenlandês, em que a proposta é fazermos uma expedição por mar, terra e ar.
Entre as atividades de cada dia estão inclusos hiking, caiaque, paddling em meio aos icebergs, visita a comunidades, fiordes, banhos termais e visitas a ruínas vikings.
Com a programação em mãos, saímos do navio devidamente trajados para o clima ártico, com calças impermeáveis, botas e mochilas para passar bastante tempo fora da embarcação.
Seja em terra, no ar ou no mar, somos acompanhados por uma extensa equipe experts de diversas áreas, de meio ambiente, geologia e até cultura Viking, que adicionam uma camada extra de saber neste longínquo território.
Vale ressaltar que os pacotes incluem também refeições, snacks, e bebidas, já que o Ultramarine funciona como a base de nossas expedições durante o tempo que ficamos pelo território groenlandês.
Fiordes, comunidades locais e ruínas Vikings
Entre as atividades nesta área ao sul da Groenlândia, é de cair o queixo as belezas do Prince Christian Sound, hidrovia que pode ser admirada de perto com ajuda dos “zodiacs”, botes infláveis que nos transportam em excursões fora do navio.
O que mais me chamou a atenção por aqui são seus grandes paredões rochosos que nos presenteiam com cachoeiras formadas pelo degelo.
Igualmente deslumbrante, partimos também para o Tasermiut Fjord, fiorde cuja localidade mais próxima é a cidade de Nanortalik. Com 70 quilômetros de extensão, as paisagens são chamadas até de “Patagônia da Groenlândia”, em que podemos ter um gostinho a mais das águas e dos visuais por meio da prática de paddling.
Com ajuda dos helicópteros, podemos chegar também no grande manto de gelo, o Greenland ice sheet, que cobre mais de 80% da ilha, tem uma grossura de 1.500 metros e pode datar 150 mil anos – idade do gelo mais antigo encontrado por aqui.
Para mim, este foi um dos programas mais marcantes durante toda a expedição, já que caminhar sobre o manto nos ajuda a ter uma maior compreensão da importância e do impacto deste local no mundo, principalmente num contexto de rápidas mudanças climáticas e de aquecimento global.
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Dada a localização isolada da Groenlândia, uma pergunta pode surgir: como vivem os povos do Ártico? A visita a uma comunidade afastada pode nos surpreender. Assim é Aappilattoq, vilarejo que comemorou 100 anos no ano passado e é formado por cerca de 100 moradores, 17 deles crianças.
Parte do roteiro da viagem no Ultramarine, a visita é uma oportunidade de expandir nosso conhecimento e respeito frente a um modo de vida diferente ao que estamos acostumados. A subsistência vem do mar, em que os moradores são pescadores e caçadores, e encanamentos conectados aos glaciares transportam água doce ao pequeno vilarejo.
No cabo sul da Groenlândia, o local parece um cenário de filme: as poucas casinhas são azuis e vermelhas, há ainda uma escola e uma igreja. A experiência fica ainda mais tocante quando, de perto, vemos que todos aqui estão em situação de vulnerabilidade com os efeitos do aquecimento global e a diminuição da calota de gelo.
Raramente visitada por navios, a vila é servida por helicópteros duas vezes na semana e durante o inverno tudo fica coberto de gelo, sendo impossível manter qualquer tipo de plantação.
Outro ponto importante que reflete a cultura local são as ruínas Vikings de Hvalsey, uma das maiores e mais bem preservadas ruínas do povo Norse na Groenlândia. Próxima da cidade de Qaqortoq, o local tem uma igreja, cujo último registro de casamento ocorreu em 1408, e os restos de uma fazenda.
É impressionante ver as condições em que este povo vivia há séculos. Além disso, as ruínas de Hvalsey fazem parte de Kujataa, região de pastagens considerada como o primeiro local de agricultura no Ártico e que está inscrita entre os Patrimônios Mundiais da Unesco.
E que tal um banho de águas termais? A Groenlândia também tem! As fontes termais de Uunartoq ficam na ilha de Vunartoq, perto da vila de Alluitsup Paa, em que a águas têm entre 34° e 38°C por conta da fricção das pedras no subsolo – enquanto estamos submersos na água quente é possível ver icebergs no mar lá embaixo.
Nuuk e Disko Bay
Em geral, a Groenlândia também possui outros pontos interessantes para visita. Se sua entrada no território for pela capital Nuuk, o Museu Nacional da Groenlândia é pedida para entrar mais em contato com a arte e história do país, assim como o Museu de Arte de Nuuk, que dispõe de obras contemporâneas e sedia exposições e eventos.
Já uma das paradas mais comentadas quando falamos da Groenlândia é Illuissat, terceira maior localidade do território, que se abre para Disko Bay, conhecido como o “Grand Canyon do Círculo Polar Ártico”. Aqui, icebergs colossais, geleira e trenós puxados por cães definem a baía, na costa oeste, a qual aparece em listas de melhores destinos da CNN e da revista Time.
Illuissat é ainda vizinha de Ilulissat Icefjord, fiorde declarado Patrimônio Mundial da Unesco que brilha os olhos por sua beleza e também tem grande importância nos estudos científicos realizados que ajudam cientistas a compreender o impacto das mudanças climáticas.
Digo que tudo na Groenlândia é como um espetáculo da natureza, o que nos faz ter consciência ecológica e do impacto que temos não como turistas, mas enquanto viajantes e seres humanos. É uma daquelas viagens que nos transformam e que nos lembram o tempo todo do nosso papel no mundo.