Do prato ao copo: eu vim para comer ou para beber?
Thiago Bañares traz uma reflexão e pondera que falta críticos gastronômicos que avaliem a experiência completa em um estabelecimento, abordando sobre seu conceito, menu e programa de bebidas
Depois de aproximadamente 20 anos trabalhando com hospitalidade, percebo que muitas coisas que compõem a indústria de bares e restaurantes evoluíram, mas infelizmente algumas instituições essenciais ainda patinam na consolidação da maneira como conectam o cliente ao estabelecimento.
Será que estamos longe de ver uma crítica que apresente uma experiência completa em um estabelecimento, abordando reflexões sobre seu conceito, menu e programa de bebidas?
Com tantas propostas interessantes que os restaurantes apresentam em suas cartas de bebidas, não acredito que seja ainda o momento para críticos fazerem avaliações e levarem suas próprias bebidas, até porque o contrário seria muito esquisito. Não consigo imaginar um crítico de bares levando sua quentinha para o bar.
A mínima atenção dada às bebidas nas avaliações de restaurantes destaca uma lacuna significativa em como as experiências gastronômicas são avaliadas. A perspectiva compartilhada nas críticas atuais não ressalta que as bebidas – seja vinho, cerveja, coquetéis ou opções não alcoólicas – desempenham um papel integral na experiência gastronômica geral. No entanto, elas são frequentemente deixadas de lado ou mencionadas apenas de passagem em muitas avaliações. Esse descuido não apenas negligencia um componente crucial da refeição, mas também ignora a expertise e a criatividade por trás do programa de bebidas do restaurante.
A ideia de incorporar uma avaliação mais detalhada dos drinques e outras bebidas nas revisões é convincente por várias razões. Primeiro, reconhece o talento e a inovação de sommeliers, bartenders e outros profissionais de bebidas que curam esses menus. Seu trabalho aprimora a experiência gastronômica e muitas vezes reflete o mesmo nível de criatividade e sofisticação do cardápio de comidas.
Segundo, uma crítica mais detalhada das ofertas de bebidas pode fornecer informações valiosas aos comensais, ajudando-os a fazer escolhas mais precisas e descobrir novos favoritos. Isso também pode iluminar a proposta de valor das seleções de bebidas de um restaurante, abordando questões como transparência de preços e marcações, sem contar que isso pode esclarecer o ticket médio proposto de acordo com a intenção de consumo.
Além disso, enfatizar as bebidas nas avaliações está alinhado com as expectativas evolutivas dos comensais que, cada vez mais, veem as bebidas como uma parte essencial de suas refeições. A ascensão de sommeliers e bartenders, assim como a popularidade de coquetéis autorais e vinhos naturais, indica um crescente interesse e apreciação por opções de bebidas de alta qualidade. Ao dedicar mais espaço e expertise para avaliar esses aspectos da experiência gastronômica, as avaliações podem oferecer uma visão mais holística do que os restaurantes têm a oferecer.
No entanto, o desafio reside na expertise necessária para avaliar completamente esse setor. Nem todos os críticos gastronômicos possuem o conhecimento necessário para avaliar cartas de vinho ou menus de coquetéis com a profundidade que merecem. Essa lacuna sugere uma potencial necessidade de colaboração entre críticos gastronômicos e especialistas em bebidas ou mesmo para que as publicações considerem incluir analistas de bebidas especializados em suas equipes de revisão. Tal abordagem poderia enriquecer o conteúdo das avaliações, oferecendo aos leitores uma compreensão mais abrangente das ofertas de um restaurante e incentivando os estabelecimentos a investir na qualidade e criatividade de seus programas de bebidas.
Em última análise, o apelo por mais atenção às bebidas em avaliações de restaurantes reflete uma tendência mais ampla de reconhecer e valorizar todos os aspectos da experiência gastronômica. Ao abordar essa omissão, a crítica culinária pode evoluir para melhor atender aos interesses dos leitores e comensais, celebrando todo o espectro da gastronomia, do prato ao copo.
*Os textos publicados pelos Insiders e Colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do CNN Viagem & Gastronomia.
Quem é Thiago Bañares
Bañares, formado em gastronomia pela FMU (SP), foi considerado pelo ranking “Bar World 100”, organizado pela importante publicação Drinks International, uma das 100 pessoas mais influentes da indústria de bares global. Seu restaurante/bar Tan Tan figura – pela terceira vez consecutiva – na lista dos melhores bares do mundo do “World’s 50 Best Bars”; comanda o também premiado Kotori, considerado o 65º melhor restaurante da América Latina pelo “World’s 50th Best Awards”; e está à frente do intimista The Liquor Store, casa que privilegia a conexão entre cliente e bartender e entrega coquetéis preparados com excelência.