Como é visitar a Argélia, país no Norte da África recém-aberto ao turismo

A uma curta distância da Europa, país de 45 milhões de habitantes possui belas praias, deserto e patrimônios da Unesco, mas choque cultural fala mais alto em meio a um turismo de caráter geopolítico

Daniela Filomenodo Viagem & Gastronomia

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Imagine um país de contrastes onde praia, deserto e montanhas compõem as paisagens, assim como construções romanas e islâmicas ficam lado a lado nas grandes cidades fazendo coro, muitas vezes, com prédios Art Déco. E tudo isso bem pertinho da Europa.

A experiência, porém, é completamente diferente da qual estamos acostumados: o turismo ainda engatinha e, em grupo, somos acompanhados por batedores e policiais que nos escoltam e que abrem o trânsito ao longo do caminho.

Assim é um gostinho da Argélia, o maior país da África em termos de tamanho, que abriu suas fronteiras para o turismo internacional há pouquíssimo tempo. Situado no Norte do continente e banhado pelo Mar Mediterrâneo, o país de quase 45 milhões de habitantes tem 80% de seu território no deserto e a economia baseada na exploração e comercialização do petróleo e do gás natural.

Após realizar uma imersão cultural em pontos históricos e sociais das cidades de Orã, Argel e Bejaia, ficou claro para mim que o turismo daqui foge do lugar-comum. Muito mais do que apreciar belas paisagens e patrimônios da Unesco, estar aqui é sinônimo de um turismo geopolítico, em que a recente independência da França em 1962, após 130 anos de colonização, a influência do islamismo no dia a dia e o labirinto de ruas das cidadelas fortificadas exercem papel fundamental no entendimento do país e de seu povo.

“Eu chamaria de turismo não-clássico. É a ideia da busca por destinos que ofereçam uma foto de um momento histórico. O que atrai o turista, muitas vezes, é a possibilidade de estar num cenário que a gente sabe que, do ponto de vista histórico, vai passar por mudanças”, conta Jaime Spitzcovsky, jornalista e especialista em política internacional. A Argélia definitivamente se encaixa nessa definição.

Confesso que, no começo, foi muito difícil entender por que as ruínas romanas não foram preservadas, por exemplo. Mas quando paramos para estudar a história do país, de conquistas, colonizações, uma civilização atrás da outra que passou por ali e “impôs” sua cultura e os obrigou a viverem suas crenças, culturas e regras…Quem está certo? E, na arquitetura, fica evidente essa sobreposição de culturas e como, hoje, os argelinos estão recuperando sua identidade e território.

Os bastidores da viagem

Daniela Filomeno em frente ao Memorial dos Mártires, em Argel, na Argélia
Memorial dos Mártires se ergue a 92 metros e possui uma chama eterna em lembrança aos que lutaram para a independência do país / CNN Viagem & Gastronomia

Após percorrer as maravilhas do Algarve, em Portugal, saborear Sevilha, na Espanha, e de pausar rapidamente no Tânger, no Marrocos, foi a vez de atracar com o SH Diana em Orã, a segunda maior cidade da Argélia. O navio da empresa britânica Swan Hellenic, que realiza viagens fora do óbvio, acomoda 192 viajantes e propõe uma jornada cheia de descobertas, a qual está toda documentada na sétima temporada do CNN Viagem & Gastronomia.

Mas já que o turismo do país ainda não é estruturado, por que então visitar a Argélia? A resposta está na filosofia da empresa: nos levar onde os outros não levam. Os roteiros inusitados fogem do turismo tradicional, nos revelando faces ainda pouco vistas de lugares surpreendentes.

Para se ter noção, fomos o segundo grupo a fazer turismo em alguns pontos que percorremos. Por se tratar de uma viagem em grupo, modalidade recomendada em uma visita à Argélia, batedores e dezenas de policiais nos acompanhavam diariamente em nossas visitas, muito mais para nossa própria proteção e auxílio. E já que o país ainda está entendendo como lidar com o turista, imagine então com a imprensa, como no meu caso?

Eu e a equipe do CNN Viagem & Gastronomia tivemos de ser muito discretos, já que as autoridades e a população nem sempre entendem a presença de uma equipe de televisão estrangeira. Por isso, o roteiro teve até de ser enxugado: visitamos apenas três das quatro cidades programadas, a última era Annaba, mas o governo entendeu que não era para gravarmos mais.

Conforme os dias foram passando, entendi que, na verdade, também estávamos fazendo parte da história local, já que estas tensões são resultado do início da abertura turística. Segundo a Reuters, o país tem planos de atrair 12 milhões de visitantes até 2030, já que incentivos de investimentos e construções hoteleiras estão no horizonte, incluindo restauro de locais históricos e 2.000 projetos turísticos aprovados até o momento.

“A abertura da economia argelina em busca do turismo é um quadro típico do que ocorre no mundo árabe hoje. O início do processo está na eclosão da Primavera Árabe, em que as lideranças chegaram à conclusão de partir para um outro modelo econômico, que não dependa só do petróleo, ou seja, uma economia voltada para a área de serviços, turismo e finanças, setores que podem gerar empregos para uma população jovem, que nas últimas décadas se deu conta da falta de perspectivas econômicas”, explica o especialista Jaime Spitzcovsky.

A jornada no território argelino

  • Orã

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Terra natal do estilista Yves Saint Laurent, a cidade foi a primeira do país a ser visitada no roteiro do SH Diana. Visitar Orã é se deparar com a força imposta pela religião e principalmente pela arquitetura. A cidade é uma das mais fortificadas de todo o Mediterrâneo e possui vários prédios em estilo Art Déco.

Entre as visitas, a Place d’ Armes, hoje chamada de Place du 1er Novembre, é a mais importante da cidade, sendo ponto de encontro e lar ainda do teatro de Orã, em que a linha do bonde também passa por aqui.

Entre as impressionantes construções, visitamos a Cathédrale du Sacré-Cœur d’Oran, igreja de estilo romano-bizantino construída no início dos anos 1900 e que hoje dá lugar a uma biblioteca aberta ao público.

Já a Mesquita Pasha é uma das importantes da cidade, construída em 1796 em memória à expulsão dos espanhóis. Ela fica na região de Sidi El Houari, distrito considerado um “centro vivo” em Orã caracterizado por suas diversas ruelas e monumentos de tempos passados.

Por falar em religião, uma capela no alto de um monte de mais de 400 metros de altitude é parte do Forte de Santa Cruz, erguido pelos espanhóis no século 17. O passeio encanta com vistas espetaculares do golfo de Orã e do Mar Mediterrâneo.

  • Argel

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A segunda parada dentro da Argélia se deu em Argel, capital e maior cidade do país. Ela se sobressai principalmente pela casbá, cidadela amuralhada que fica no topo de uma colina e tem várias ramificações.

As portas das casas nos revelam uma diversidade de padrões e de cores, e, apesar da falta de conservação, as construções possuem ricos detalhes e fundações que datam desde a época dos mercadantes fenícios. Antigas mesquitas, palácios e vestígios de uma estrutura urbana tradicional fazem da casbá um Patrimônio da Unesco — o país tem outros seis locais na lista.

Uma das paradas ocorreu dentro de um antigo palácio, em que toda a beleza da construção fica voltada para dentro, com cômodos em formato longitudinal, telhado de madeira e pátio interno. Aqui, comemos doces locais, todos com bastante gergelim e tâmaras.

Outro ponto que ecoa a história do país é o grande Memorial dos Mártires (chamado de Maqam Echahid), monumento de concreto que chega a 92 metros de altura e que remete à Guerra da Argélia. Inaugurado em 1982, ele abriga uma chama eterna.

  • Bejaia

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Depois de percorrer cidades que ainda estão se desenvolvendo, a parada em Bejaia mostrou um lado mais turístico dentro de um país que ainda se abre a esse setor. Chamada de “Pérola do Mediterrâneo”, ela é uma cidade portuária com 1 milhão de habitantes, número que chega a quintuplicar no verão, explicado principalmente por deslocamentos locais.

Aqui, há o Parque Nacional de Gouraya, lar do Pic de Singes, ou o Pico dos Macacos. O nome não é em vão: a montanha é habitat natural do macaco-de-gibraltar, e vários deles chegam pertinho de nós. Lá de cima, as vistas do mar e dos terrenos escarpados são esbeltas. É possível até avistar um dos faróis mais altos do mundo, situado a mais de 600 metros de altitude.

O dia foi finalizado no centro de Bejaia, dotado de uma praça que hoje leva o nome de 1º de novembro, mais uma referência ao dia que foi começada a revolução para a independência da Argélia. Aqui, olhar todas as construções francesas do entorno faz com que pensemos nos desdobramentos que os 130 anos de colonização ainda causam na cidade e no país, que tenta escrever uma nova história para si.

Informações básicas

As línguas oficiais da Argélia são o árabe e o amazigh (língua berbere), mas o francês também é falado em Argel e em grande parte do território. A moeda é o dinar argelino, em que R$ 1 equivale a cerca de 25 dinares argelinos.

A Argélia é um país predominantemente muçulmano, portanto é importante ficar atenta às regras de vestimentas e seguir costumes locais, além de não beber álcool em lugares públicos, pois é ilegal.

Seja a turismo, trânsito ou outro tipo de modalidade, a Argélia requer visto de visitantes brasileiros. Ele deve ser tratado com a Embaixada da Argélia, localizada em Brasília. O visto de turismo é emitido sob valor de US$ 70 (cerca de R$ 374) em espécie.

Segundo a Embaixada, solicitações de vistos de trânsito devem ser respaldadas pela comprovação de que um visto de entrada foi obtido para o país de destino, se essa formalidade for exigida, e pela comprovação de recursos. Outras informações podem ser conferidas na página da embaixada.

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