Anthony Bourdain viu a humanidade em todos nós

CNN Brasil vai exibir 'Anthony Bourdain', um dos programas de gastronomia e viagem de maior prestígio já produzidos na televisão mundial

Jill Filipovic

Bourdain segurando um pedaço de comida com hashis
Anthony Bourdain durante gravação
Foto: Discovery Channel / Kobal / REX / Shutterstock

A CNN Brasil vai exibir “Anthony Bourdain”, um dos programas de gastronomia e viagem de maior prestígio já produzidos na televisão mundial. A estreia será no dia 6 de setembro, às 18h30.

“Anthony Bourdain” é uma produção original da CNN americana. Na versão da CNN Brasil, a apresentação será do chef e apresentador André Mifano.

Abaixo, você confere a opinião de Jill Filipovic, uma jornalista que mora entre Nova York e Nairobi, no Quênia. É autora do livro “The H-Spot: The Feminist Pursuit of Happiness” (“O Ponto-H: A busca feminista pela felicidade”, sem tradução no Brasil).

Anthony Bourdain, que morreu na França aos 61 anos, sempre foi mais professor do que um avatar. Para os milhões que assistiram às suas séries de televisão – “Sem Reservas” e “Parts Unknown” – ele redefiniu não apenas o programa de viagens, mas todo o propósito da viagem em si.

Se você estiver prestando atenção, ele oferece uma maneira maravilhosamente inquisitiva, silenciosamente humilde e profundamente empática de se mover pelo mundo.

Bourdain e nativos nigerianos fazendo refeição
Bourdain se senta para almoçar com pessoas do povo hauçá em Lagos, Nigéria, em 2017.
Foto: ZPZ para CNN

O meio de Bourdain era a comida: comê-la, prepará-la, compartilhá-la. Ele alcançou a fama não por suas habilidades com a faca, mas por suas histórias da cozinha, que eram obscenas e engraçadas e às vezes sombrias. E disparou ao estrelato quando começou a aparecer na TV. O que diferenciava seus programas não era a fotografia, embora eles fossem sempre filmados lindamente, nem sua decisão de visitar lugares tanto distantes quanto próximos, embora também fosse uma escolha inteligente e criativa – seu episódio no Bronx, por exemplo, é um dos melhores.

O que realmente tornou Bourdain especial foi seu desejo fundamental de se conectar com as pessoas e a abertura que ele trouxe a esse esforço. É fácil viajar (e fazer um programa de viagem) se você for fazendo um “x” na sua lista: os grandes museus de arte, a arquitetura magistral, o mais alto prédio ou qualquer outra coisa maior.

Bourdain evitou tudo isso em favor de algo mais penetrante e democrático: como as pessoas em todo o mundo usam os alimentos para criar laços, expressar sua criatividade, nutrir seus entes queridos, levar adiante a tradição e a memória e se entregar a novas experiências. Ao tocar no prazer quase universal de comer, Bourdain permitiu que nós explorássemos o mundo de uma maneira um pouco diferente.

O que vimos, repetidamente, foi empatia e humanidade. Em quase todos os lugares, as pessoas se orgulham da comida que fazem e, em quase todos os lugares, alimentar os outros é uma forma de demonstrar afeto, amor, devoção e hospitalidade. E Bourdain não estava comendo a comida mais sofisticada, preparada por chefs profissionalmente treinados. Ele comia o que era bom – comida servida em uma barraca de rua, sobre uma cadeira de plástico ou ainda por um buraco na parede – ou em uma cozinha doméstica.

A comida era uma ferramenta para aprender um pouco mais sobre os valores, a história e as prioridades da pessoa que a prepara. A comida era uma ferramenta para entender um lugar, ampliar sua própria compreensão do mundo e talvez abrir a porta para um novo espaço dentro de você.

Bourdain também era especial no respeito genuíno que demonstrava por seus anfitriões – o que não significava ser paternalista ou bajulador, como alguns viajantes bem-intencionados, nem condescendente e arrogante, como visitantes menos bem-intencionados podem ser. Sua irreverência e cinismo fizeram dele um apresentador acessível e confiável, tão diferente de outras personalidades da televisão em programas de turismo e bem-estar, para quem tudo parece ser incrível, impressionante, único e mágico.

Bourdain e o presidente dos EUA, Barack Obama
Bourdain e o presidente dos EUA, Barack Obama, fizeram uma refeição juntos em Hanói em 2016
Foto: CNN

A curiosidade de Bourdain fez dele um guia ideal, longe dos trechos turísticos, explorando becos e residências. Fisicamente e pessoalmente, ele parecia grande, e ainda assim uma atitude quase adolescente diabólica manchava seu trabalho – as motocicletas, os quadriciclos, os carros com a capota abaixada que ele usava. E, claro, o lado mais sombrio dessa afinidade por correr riscos que ele às vezes discutia: as questões do abuso de substâncias, a depressão, a exploração, a alimentação e a busca de prazer como uma forma, talvez, de sair da própria cabeça a fim de sentir algo mais próximo do bem.

Talvez o mais notável seja a maneira simples como Bourdain tratava as pessoas onde quer que fosse como seres humanos comuns, com todas as suas virtudes e defeitos. As pessoas que conheceu (e o próprio Bourdain) eram frequentemente generosas, às vezes frustrantes, sempre complicadas. Elas não eram recortes de papelão de uma cultura; ele não era a caricatura de um globetrotter famoso.

Bourdain não se esquivou da política, nem ofereceu chavões simplistas para acalmar a consciência de plateias que costumam ser favorecidas pelo berço. Seu programa foi tanto uma aventura quanto um desafio para quem o assistiu: seja melhor, seja mais atencioso, seja mais acolhedor.

Hoje, as viagens documentadas no Instagram que destacam a comida de rua sobre a faixa turística é uma coleção sem fim de clichês. Mas esta forma de viajar – a busca por experimentar um lugar, não apenas vê-lo – é, para os poucos sortudos de nós que conseguem se mover voluntariamente além das próprias fronteiras, um formidável presente.

Em um mundo onde a mesquinhez parece estar crescendo, os muros estão subindo e a experiência de vida se desviando drasticamente ao longo das linhas de classe e política, Bourdain trouxe um ethos poderoso voltado para as salas de estar em todo o mundo.

Em toda a história da humanidade, sempre existiram pessoas que se fecharam em seus buracos mais conhecidos, cercando-se de suas famílias, tribos, culturas, raças ou nacionalidades. E houve um punhado notável de pessoas que partiram, não para possuir, conquistar, tomar ou catequizar, mas para ver, experimentar, absorver e desfrutar, com todo o desconforto, alegria e grande humildade que isso acarreta.

Bourdain era obviamente do segundo tipo. Que maravilha que ele nos levou em suas viagens por tanto tempo.

Para pedir ajuda

A taxa de suicídio nos Estados Unidos aumentou acentuadamente nos últimos anos. Estudos mostraram que o risco de suicídio diminui drasticamente quando as pessoas ligam para uma linha direta nacional de suicídio, como o CVV (Centro de Valorização da Vida) no Brasil: 188.

O serviço é feito por uma mistura de profissionais remunerados e voluntários não remunerados, treinados em crise e intervenção em suicídio. O ambiente confidencial, a acessibilidade 24 horas por dia, a capacidade do chamador de desligar a qualquer momento e o atendimento centrado na pessoa ajudaram no sucesso.

Globalmente, a Associação Internacional para Prevenção de Suicídio e Befrienders Worldwide também fornecem informações de contato para centros de crise em todo o mundo.

(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).

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