Pantanal, um refúgio na natureza
Safári com animais selvagens, paisagens naturais estonteantes, comidas típicas e conservação do bioma. Definir o Pantanal chega a ser injusto: cada dia é diferente. Ali, o ecoturismo é feito de forma que fica gravado para sempre na memória. E conto aqui por que visitar o Refúgio Ecológico Caiman é especial
Refúgio Ecológico Caiman, abrigo de onças e da maior fauna do continente sul-americano (Foto: CNN Viagem&Gastronomia)
Neste episódio do CNN Viagem&Gastronomia* me desconectei e embarquei em uma imersão no Pantanal. O destino é abrigo de onças e da maior fauna do continente sul-americano, além de uma variedade de espécies de plantas que cria um mosaico de vegetações esplendorosas. Tão rica quanto seu ecossistema é a cultura pantaneira, de culinária autêntica e muitas tradições.
O orvalho da manhã se deposita nas milhares de teias de aranha no campo e, ao fundo, Rangers saem ao alvorecer em mais uma aventura de safári que nos aguarda. A busca do dia será para avistar a onça-pintada e, com sorte, muitos outros animais ao longo do caminho. Um tamanduá-bandeira cruza a estrada, sendo observado por um cervo; jacarés descansam na beira do rio e muitos pássaros cruzam o céu, entre eles as araras-azuis, com sua vocalização bem característica. O descritivo facilmente poderia ser o de um safári africano, salvo essas espécies tão características serem do menor e de um dos mais ricos biomas brasileiros: o Pantanal.
Maior planície alagada do Brasil e sexta do mundo, o Pantanal é regido pelo ciclo das águas, em que as estações se dividem entre chuva e seca, sendo os períodos de cheia e vazante considerados “estações” pelas características marcantes e pelo impacto na biodiversidade local. Seu bioma é único, com uma variedade impressionante, graças a sua proximidade com a mata atlântica, a Amazônia e o cerrado. Ao todo, a região pantaneira tem 140 mil quilômetros dentro do território brasileiro, entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, fazendo fronteira também com a Bolívia e o Paraguai.
Devido a sua riqueza e pluralidade, o Pantanal também tem seus “big five”, como as cinco estrelas selvagens dos safáris africanos. São eles: cervo-do-pantanal, onça-pintada, capivara, anta e tamanduá-bandeira. Mas nem por isso maravilhas como o tuiuiú, símbolo pantaneiro e maior ave voadora do Brasil – chega a ter 1,40 metro, com uma envergadura de 3 metros! –, deixam de prender nossa atenção.
Esses e tantos outros encantos naturais podem ser apreciados e zelados em um lugar especial no coração do bioma. No município de Miranda, no centro-oeste de MS, uma centenária estância inglesa onde se chegou a ter 100 mil cabeças de gado deu lugar a uma área que, hoje, busca mostrar que a criação dos bovinos pode caminhar lado a lado com a preservação. Estou falando do Refúgio Ecológico Caiman, um dos melhores lugares para ecoturismo do Brasil e, sem dúvida, o melhor para fazer safári.
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A vida animal ali é de uma abundância impressionante, com beleza de hipnotizar qualquer um. Desde que assumiu a área, em 1985, o ambientalista Roberto Klabin iniciou um projeto de manejo sustentável e de conservação deste tão rico bioma. A estância entendeu que a pecuária extensiva de gado de corte poderia ser integrada à natureza em campos de pastagem naturais e artificiais, tudo controlado e feito de forma cuidadosa.
Não raro é possível ver um rebanho solto entre onças, tamanduás e jacarés. O objetivo do Refúgio Caiman é mostrar que é possível aliar o manejo sustentável do gado, sem enxergá-lo como inimigo, ao ecoturismo, contribuindo com geração de receita para os locais e educação ambiental para os turistas.
Desfrutar o Refúgio é uma oportunidade muito proveitosa para conhecer mais sobre essa importante região brasileira, que possui raízes fortes e marcantes. É com certeza apaixonante ver e ouvir sobre o bioma e acompanhar as fazendas de gado, um dos melhores jeitos de viver intensamente o Pantanal.
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O Refúgio
Considerada a primeira instalação que promove o ecoturismo no Pantanal sul-mato-grossense, não é à toa que o local tem “refúgio” no nome: é longe de tudo e, ao mesmo tempo, perto do essencial. Há mais de 30 anos o local oferece uma verdadeira imersão na natureza selvagem do bioma, tudo com muito respeito à biodiversidade ao redor.
Percebo, desde a chegada, que o ecoturismo ali é realizado de forma responsável, com o objetivo de observação, sem interferência física no meio ambiente. Não raro somos surpreendidos, seja pelas maravilhas naturais, seja pelo serviço atencioso, ou mesmo pela saborosa culinária local.
A infraestrutura oferece três opções de pousadas, com características únicas, espalhadas pela imensa propriedade com 26 quartos, entre suítes e apartamentos de diferentes categorias: sede principal, chamada de Casa Caiman, Baiazinha e Cordilheira.
A Baiazinha leva esse nome por ficar próxima a uma baía pantaneira permanente de águas cristalinas – é mágico ver o pôr do sol dali! As varandas dos quartos dão para a área alagada, com uma rede convidando para a contemplação. O deque possui espreguiçadeiras e uma passarela que liga à piscina com um ambiente bucólico e aconchegante. A 9 quilômetros da sede, a casa pantaneira tem uma ampla sala climatizada, onde são servidas todas as refeições, possui seis quartos e pode ser fechada para uma única família.
Já a Cordilheira é cercada por uma intensa mata verde, com sons da fauna o dia todo. Unindo um estilo ao mesmo tempo rústico e contemporâneo, a instalação é espaçosa e o deque com piscina se integra à pureza da natureza ao redor. É relaxante e purificador. Ela fica a 13 quilômetros do complexo central e é a mais próxima do Rio Aquidauana, mas lembre-se: qualquer trajeto é considerado um safári em potencial para ver animais. Lá é comum ver as onças, mãe e filhote, que escolheram um açude ali perto para se refrescar.
Já a casa principal, após a recente reforma, terá novas categorias de quartos, que poderão ser agendados individualmente. E as duas pousadas passarão a ser vilas privativas, reforçando o isolamento ao receber uma família por vez. O bacana é que as três operam de forma independente e estão situadas em regiões naturais distintas, o que aumenta a vontade de conhecer tudo por ali.
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Os números da propriedade também surpreendem: a estância está localizada dentro de uma área de 53 mil hectares, em que quase 6 mil deles foram convertidos em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Isso significa que o local passou a ser preservado por lei eternamente, mesmo que vendido, e nenhuma interferência pode ser feita. Ali são promovidos a conservação da diversidade biológica, o manejo dos recursos naturais e a preservação de belezas cênicas e ambientes históricos pela iniciativa privada. Ou seja, é equilíbrio harmônico da pecuária, projeto de conservação e ecoturismo em um único lugar.
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Quando visitar?
As paisagens mudam de acordo com as estações do ano, assim como a fauna ali observada – ou seja, dá para visitar o ano todo. Com temperaturas médias anuais de 25 °C, de setembro a novembro pode ultrapassar 40 °C. Nas épocas de cheia – com temperaturas mais amenas –, os mosquitos têm presença mais intensa.
Janeiro a março é a época de cheia: os rios transbordam e alagam até dois terços da planície. A paisagem se torna uma verdadeira pintura viva e fluida, onde a imensa lâmina d’água espelha o céu e cada pôr do sol se torna um espetáculo único com uma miríade de cores. É o momento de revigoração da fauna e da flora, em que é possível avistar com facilidade aves aquáticas como tuiuiús, cabeças-secas, patos, marrecos e garças. Os mamíferos migram para áreas mais altas do Pantanal e geralmente são encontrados capivaras, lobinhos e veados campeiros e catingueiros.
Abril a junho é a época da vazante: quando as chuvas cessam, as águas começam a baixar lentamente. Os mamíferos, que haviam se dispersado com a cheia, voltam a ocupar a planície. O céu apresenta as noites mais estreladas do Pantanal e a temperatura mais amena com o fim das chuvas torna os passeios noturnos mais prazerosos. Durante a vazante podem ser observados queixadas, catetos, cervos-do-pantanal e bandos de macacos bugio e prego. A paisagem é formada por campos e morros isolados, além de pequenas poças dispersas e os corixos, pequenos rios que se formam para desaguar em correntes maiores.
Julho a outubro é a época de seca: a melhor época para observar a vida selvagem. Os rios e lagoas permanentes retornam aos seus limites naturais, concentram milhares de peixes e oferecem um farto banquete, alimentando a vida do ecossistema que povoa suas margens. As aves apresentam lindas plumagens e cantos atraentes, pois estão em seu período reprodutivo. Os tamanduás e quatis são presenças comuns, as onças passeiam com tranquilidade e a paisagem seca adquire tons amarelados com pontos de cores proporcionados pelo início da floração das piúvas (ipês-rosas).
Novembro e dezembro é o início da época de chuvas: é o período das primeiras chuvas e da paisagem verde. A terra seca absorve as águas com rapidez e as aves se alimentam com fartura. Centenas de espécies de aves aproveitam o momento para ensinar os primeiros voos aos filhotes. É possível observar numerosos grupos de araras, tuiuiús e cegonhas cabeças-secas. Já os mamíferos começam a rarear.
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Como chegar?
A partir de Campo Grande, pegue um carro e siga para a rodovia BR-262, no sentido de Corumbá. São cerca de 230 quilômetros até o Refúgio Ecológico Caiman. Também oferecem pista de pouso para aviões de pequeno porte.
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Atividades especiais
O Pantanal reserva passeios e conhecimentos que ficam gravados na memória para a vida toda. É transformador! O safári é um dos pontos altos oferecidos pela equipe do Refúgio Caiman. Realizados em rangers (veículos adaptados para fazer safáris), eles transitam pelas estradas da propriedade ou off-road e exploram novas áreas, ainda mais radicais e emocionantes. Você também pode fazer o Onçafari, projeto que conto mais adiante, com passeios direcionados para o avistamento de onças.
Ficar parada longas horas em busca dos animais é um exercício de autoconhecimento, de paciência e de compreensão que a natureza tem seu tempo. E é recompensado com a majestade e imponência de nossa fauna brasileira, com muita observação dos animais em seu habitat.
Entre cervos-do-pantanal, jacarés, capivaras, tuiuiús e jaguatiricas, eu me lembro da emoção ao observar a majestade do tamanduá-bandeira, que surpreende pelo tamanho das garras e da cauda.
Outro passeio de arrepiar é andar na canoa canadense: feito nas mais belas baías dali, ao som das araras no céu, navegar a centímetros de jacarés nas águas. É um momento inesquecível, digno de bradar um belo “uau!”. Fiquei bem impressionada! O passeio no pôr do sol refletido nas águas parece uma pintura a óleo. Ah, e fique tranquilo, pois os jacarés não oferecem perigo às canoas: seus sensores detectam o tamanho da embarcação e o entendem como um grande volume – e fogem.
Observação de aves, caminhada ecológica, cavalgadas e avistamentos noturnos completam a variedade de atividades especiais pelo refúgio. Destaque para o churrasco pantaneito, feito em um rancho típico, sob um dos mais estrelados céus que já vi, que não vou contar muito para não estragar a surpresa.
Vale ressaltar que todos os passeios são acompanhados de perto por guias, chamados carinhosamente de caimaners, que sabem tudo sobre o Pantanal e falam inglês e português. Guias de campo, que são moradores e nativos da região, também marcam presença pelos passeios, prontos para compartilhar suas sabedorias.
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Projetos pela preservação
Como parte de seu DNA, o Refúgio Caiman apoia projetos locais que trabalham em prol da preservação do bioma – tão ameaçado hoje em dia. Ajudando a entender melhor a abundante biodiversidade dali, as iniciativas são importantíssimas para educar as pessoas e podem ser apreciadas pelos visitantes que chegam ao Refúgio Caiman.
Dentro da propriedade funciona o Projeto Arara-Azul, que carrega o nome dessa que é a maior arara do mundo e que já foi ameaçada de extinção. Em andamento desde 1990, o projeto surgiu a partir dos esforços da bióloga Neiva Guedes, que ajudou o número de araras a aumentar de 1.500 indivíduos para 5 mil ao longo desses mais de 30 anos. Ali, tive a oportunidade de ficar lado a lado de uma arara-azul enquanto ela era tratada pela equipe. É emocionante ver a espécie ganhando vida novamente a partir dos processos de conservação da fauna local. O projeto estuda ainda a biologia e as relações ecológicas da ave e promove sua conservação em seu ambiente natural, ajudando na sobrevivência desse que é um símbolo de resistência pantaneira.
Também por ali destaco outro incrível estudo totalmente integrado à natureza que trabalha em prol da preservação da onça-pintada, um ícone do Pantanal. Há dez anos o desafio de reintroduzir duas onças-pintadas irmãs, que ficaram órfãs, no hábitat originou o Projeto Onçafari. A iniciativa foi um sucesso e, pela primeira vez no mundo, as onças não só voltaram à vida selvagem como procriaram, sendo que uma delas já tem neto. O projeto já registrou mais de 150 onças-pintadas ao longo dos anos e algumas usam colar com sinais VHF ou GPS para aprimorar seus estudos de comportamento. Errado quem pensa que isso é certeza de ver o animal: passei cinco dias com longas horas de espera em busca da onça, para conseguir avistá-la somente no caminho para o aeroporto.
Pioneiro na área, o projeto promove a conservação da região e da espécie através do safári fotográfico, em que os animais deixam de enxergar os veículos como ameaças. Assim, há geração de renda para as comunidades locais, que se esforçam para preservar o bioma. Curiosidade: a onça pantaneira é a maior onça-pintada da Terra e o maior felino das Américas, e pelo Pantanal elas costumam ficar às margens do Rio Paraguai. Também são feitos safáris exclusivos em busca da rainha do Pantanal. Vale muito reservar de um a dois dias para esses aprendizados.
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Queimadas
Uma das ameaças mais constantes e perigosas no Pantanal é o fogo. Para ter uma noção, milhões de hectares da região já foram queimados, assim como 60% do local que visitei do Refúgio Caiman foi devastado pelas chamas em 2019. E o cenário fica calamitoso: estima-se que 99% dos incêndios nos biomas brasileiros têm alguma causa humana.
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Mas, felizmente, o Refúgio conseguiu obter uma boa ajuda financeira a partir de uma arrecadação de fundos e tem revertido a situação. A construção e a reforma de açudes foi uma importante alternativa encontrada para o abastecimento de água tanto para os animais, que sofrem com as secas, quanto para o combate aos incêndios. Hoje, esse conhecimento está sendo compartilhado com fazendas vizinhas. E funcionou: em 2020, a queimada não atingiu a região.
Com isso, poços e novos açudes ficam em pontos estratégicos da enorme propriedade, usados para combater futuros incêndios e servindo de pontos de água para animais e de reabastecimento para caminhões-pipa.
No Refúgio, conseguimos ver a necessária preservação desse que é um dos biomas mais incríveis e diversos do planeta. E a natureza dá conta do resto, mostrando sua resiliência e majestade.
Perdeu o programa? Confira na íntegra em nosso canal do YouTube:
*O programa CNN Viagem & Gastronomia vai ao ar todo sábado, às 21h, na CNN Brasil. A CNN está no canal 577 nas operadoras Claro/Net, Sky e Vivo. Para outras operadoras, veja aqui como assistir. Reprise: domingo, às 03h50, 13h10 e 20h40; Segunda-feira, às 02h00